DURANTE A APRESENTAÇÃO DOS resultados financeiros da grife francesa Hermès no período de 2007, Patrick Thomas, o CEO da empresa, deixou os investidores animados com seu discurso. Ele anunciou um faturamento de 1,63 bilhão de euros e lucro líquido de 288 milhões de euros – 7,3% a mais do que em 2006 -, mais do que o mercado esperava. No fim, ainda causou frisson ao revelar que a Hermès, uma das marcas mais desejadas do mundo, abriria outras lojas ao redor do mundo. A promessa tem sido cumprida à risca e os brasileiros estão incluídos nos planos da grife. Na semana passada, Christian Blanckaert, 63 anos, vice-presidente executivo sênior, responsável pela expansão internacional do grupo, aterrissou no País trazendo em sua mala Hermès os últimos detalhes sobre a primeira loja da marca no Brasil, que será aberta no primeiro semestre de 2009, no shopping Cidade Jardim. “Em um espaço de 170 metros quadrados venderemos todas as 14 linhas de produtos”, disse Blanckaert com exclusividade à DINHEIRO (acompanhe entrevista na página 88). Os direitos de comercialização da Hermès no Brasil estão nas mãos do grupo JHSF, o mesmo que construiu o shopping Cidade Jardim, e o comando da operação ficará com Richard Barczinski, ex-presidente da joalheria H.Stern. Trata-se de um investimento de R$ 8 milhões na criação da loja, em estoque e treinamento de funcionários.

A chegada da Hermès ao Brasil era aguardada há anos pelo mercado de luxo e pelos consumidores que conhecem a grife. Fundada em 1837, por Thierry Hermès, um artesão que confeccionava acessórios em couro e baús para carruagem, a marca é notória por usar a cor laranja em seus produtos e seduziu estrelas como Grace Kelly – hoje existe uma bolsa com o seu nome -, Catherine Deneuve, Jackie Kennedy, Audrey Hepburn, Sharon Stone, entre outras personalidades. Na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia, a Hermès é um mito. “O grande desafio da Hermès será adaptar seus produtos às necessidades dos clientes brasileiros”, diz Gilson Nunes, CEO da consultoria Superbrands. Atentos a isso, os executivos que comandarão a Hermès no Brasil foram rápidos. “Contratamos a Daslu para nos dar consultoria”, diz Richard Barczinski. “Estivemos na França em julho e fizemos as compras.” Os preços praticados no Brasil ainda não foram definidos, mas, a julgar pelos valores praticados no Exterior, serão altos. As bolsas, por exemplo, começam em 1,5 mil euros e as gravatas saem por mais de 100 euros. Na loja do Cidade Jardim, serão vendidos desde os tradicionais lenços de seda da marca até produtos para casa. “Também teremos uma área de presentes corporativos”, diz Blanckaert. “As empresas encomendam o produto e os nossos artesãos na França produzem sob medida.” São diferenciais como esse que fazem da Hermès uma das grifes mais desejadas do mundo. “E uma das mais importantes no segmento de luxo”, diz Eduardo Tomyia, diretor da consultoria BrandAnalytics.

De acordo com uma pesquisa elaborada pela consultoria inglesa MillwardBrown, a Hermès é a segunda marca mais valiosa do mundo no setor de luxo. Traduzindo em números: US$ 9,63 bilhões. Ela fica atrás apenas da Louis Vuitton, que vale US$ 25,7 bilhões, mas está à frente de ícones como Gucci, Cartier, Chanel, Rolex, Armani e Fendi. Na Bolsa de Valores seu desempenho também é surpreendente. As ações da empresa valem mais do que as do poderoso grupo Louis Vuitton Moët Henessy (LVMH). Na quinta feira 4, o papel da Hermès fechou cotado a 96,09 euros, enquanto os do LVMH alcançaram 71,30 euros. Como conseguiu chegar tão longe? “Com um luxo baseado na imaginação, criação e trabalho”, diz Blanckaert. O executivo, autor de quatro livros e que, nos últimos 31 anos, conciliou a carreira de homem de negócios com a de prefeito de Varengevillesur- Mer, um vilarejo com 1,3 mil habitantes a duas horas de Paris, credita à constante inovação dos produtos a imagem de glamour da marca. “A Hermès não é uma marca tradicional. Ela é uma grife inovadora com um longo passado.”

INOVAÇÃO: em 2007, a Hermès assinou a decoração do helicóptero EC135. Neste ano, fechou parceria com a Bugatti e lançou um automóvel estilizado que custa R$ 4 milhões

Em 1922, a empresa foi a primeira a produzir bolsas com zíper. Depois lançou perfumes, roupas e novos acessórios. Desde 2003, tem o estilista Jean Paul Gaultier como diretor artístico. “O segredo é manter a identidade da Hermès”, explica Blanckaert. “Jean Paul Gaultier faz vestidos Hermès by Jean Paul Gaultier.” Em busca dessa constante inovação, a empresa passou a desbravar áreas que estão bem longe de seu segmento. Em 2007, a grife fechou uma parceria com a Eurocopter, tradicional fabricante de helicópteros, para decorar o modelo EC 135. Neste ano, assinou o portentoso Bugatti Veyron, máquina com mais de mil cavalos de potência, que custa R$ 4 milhões. Para 2009, há outra novidade: a Hermès vai decorar os barcos da exclusiva Wally Yacht. Mais um motivo para encantar os clientes, rejuvenescer a marca e fechar o ano com resultados acima da média, como aconteceu no último semestre, no qual faturou 813 milhões de euros, 13% a mais do que no mesmo período de 2007.

10 PERGUNTAS PARA CHRISTIAN BLANCKAERT
O executivo responsável pela expansão da grife francesa no mundo revela os segredos da loja no Brasil e faz uma análise sobre os negócios da Hermès em outros países

Enquanto a maioria das empresas está preocupada com a desaceleração do consumo, a Hermès cresceu. A que se deve isso?
Isso se deve a nossa estratégia de expansão. Somos a única companhia no mundo inteiro que tem um verdadeiro equilíbrio de participação de mercado em várias regiões. A França, que é a nossa casa, responde por 21% das vendas da empresa; o resto da Europa representa 21%; os Estados Unidos, 15%; a Ásia e o Pacífico 33%; e o restante, espalhado por outras regiões.

BLANCKAERT: “Somos como o cachorro que fareja o osso e escolhe o melhor”
Como a Hermès conseguiu manter esse equilíbrio?
É o resultado de uma estratégia que vem de muito tempo. A Hermès tem mais de 170 anos e nunca consideramos um país mais importante do que o outro. Não criamos um produto específico para cada país, o que fazemos é explicar quem somos em cada lugar. Para você ter uma idéia, a China representa 2% das nossas vendas, amanhã podemos ter 4%. Cresceremos lá, mas também em todos os lugares. Não investiremos apenas na China.

E o Brasil, quando a Hermès decidiu investir aqui?
Temos muitos clientes brasileiros. Eles compram em Paris, em Nova York, em St Tropez, em Buenos Aires. Esses clientes nos aconselhavam dizendo que agora poderíamos vir para cá. O Brasil hoje tem estabilidade econômica, é um país democrático e está vivendo um boom econômico. É claro que tivemos que dar o passo certo e entrar pela porta certa. Somos como cachorro que fareja o osso e escolhe o melhor. Não buscamos grandes vendas, buscamos boas vendas. Por isso nós escolhemos o shopping Cidade Jardim.

Por que o shopping Cidade Jardim foi escolhido?
Porque nós gostamos desse shopping. É atrativo, calmo, muito europeu, não é muito grande e tem lugares ao ar livre. Não é como um bunker.

Como será a loja?
Terá 170 metros quadrados e serão vendidas as nossas 14 linhas. Também venderemos presentes corporativos. Uma empresa pode escolher um produto e nossos artesãos o farão sob medida.

Qual é o cliente que o sr. busca?
Buscamos todos. Vendemos produtos caros, é verdade. Mas também temos gravatas e lenços, que são mais acessíveis.

Há planos de abrir outras lojas no Brasil?
Por enquanto não, estamos dando o primeiro passo.

O sr. trabalhou durante muito tempo na área de tecnologia e hoje está no setor de luxo. É muito diferente?
Vim de um segmento no qual a criação era lógica para uma área onde a criação não é lógica. Eu era um elefante em uma loja de porcelana. Mas, depois de quebrar algumas peças, entendi bem como funciona. O universo do luxo não é como as pessoas pensam. É um mundo de trabalho. Se você observar um produto bonito na rua, vai perceber que é mais interessante por dentro do que por fora. Por trás, existe um processo de fabricação complexo, com criadores, engenheiros, fábricas, controles de produção.

Hoje muitas empresas usam o termo luxo para tudo. Na sua opinião, o que é o verdadeiro luxo?
O verdadeiro luxo é trabalho, é fazer um produto que as pessoas podem ter para sempre e podem consertar quando quiserem. A real definição é trabalho, a melhor matéria-prima e inovação, uma constante inovação.

A Hermès é uma marca tradicional. Como ser inovadora?
Hermès não é tradicional, é antiga. É uma marca que é moderna, inovadora e possui um longo passado. Não tentamos estar na moda por um período curto, tentamos ser inovadores por um período longo. Não pedimos para Jean Paul Gaultier fazer vestidos Jean Paul Gaultier. Pedimos para Jean Paul Gaultier fazer vestidos Hermès by Jean Paul Gaultier. Inovamos nas cores, nos materiais usados e em novas linhas de produtos. Há dez anos, diria para você que a seda era o nosso principal negócio. Hoje, os negócios são diversificados.