19/11/2003 - 8:00
DINHEIRO ? O que está em crise? A economia ou a publicidade?
Luiz Lara ? Os dois. Existe a crise econômica nos últimos três anos, mas também há uma mudança estrutural do negócio da publicidade. A publicidade nunca mais será a mesma.
DINHEIRO ? Que tipo de mudança?
Lara ? A agência de publicidade não será mais como um garçom que recebe o pedido do cliente e o atende da melhor forma possível. Nós procuramos atuar como nutricionistas. Não podemos mais ser apenas uma agência, mas sim consultores de comunicação que se dedicam a ajudar o cliente na gestão da marca.
DINHEIRO ? Qual a diferença?
Lara ? Para você construir e posicionar uma marca, é necessário entender a personalidade e identidade dessa marca e esquecer o conceito, ultrapassado, de que essa marca apenas dá nome a um produto. Observe o caso da Natura. Ela não faz apenas alguns dos melhores cosméticos do País. Ela tem uma postura que se pauta pela ética, pela transparência e pelas relações. O consumidor procura Natura para se cuidar melhor, melhorar sua auto-estima e poder se relacionar melhor consigo mesmo e com as demais pessoas. É o que chamo de DNA das marcas. Temos de identificar e respeitar esse DNA.
DINHEIRO ? Por que o conceito de publicidade mudou?
Lara ? Porque nas décadas de 80 e 90, tínhamos como linha de atuação destacar a vantagem competitiva de um produto ou serviço em relação aos concorrentes. Hoje os produtos e serviços se tornaram commodities. O que diferencia um do outro? A marca. Produto e serviço hoje são apenas suportes para que a empresa chegue ao consumidor. O que ela entrega é a marca e a experiência que essa marca pode proporcionar ao consumidor. Bem-vindo ao marketing da experiência.
DINHEIRO ? O que mais contribuiu para essa mudança?
Lara ? O poder que o varejo ganhou nos últimos anos. Houve uma concentração nesse setor. Antigamente a indústria lançava um produto e fazia publicidade das vantagens desse produto. Agora, essa tarefa passou para o varejo devido à força que ele obteve. A guerra atualmente é na gôndola, no ponto de venda. Além disso, novos anunciantes entraram no mercado com produtos e serviços cujo apelo é mais emocional. É o caso das operadoras de telefonia, dos fabricantes de celulares, das empresas de cosméticos. Isso tudo mudou profundamente o foco da publicidade do produto para a marca.
DINHEIRO ? As agências deixaram de vender produtos?
Lara ? Você vende o produto, mas só se colocá-lo como um meio
para que o consumidor viva uma experiência. Quando uma mulher escolhe uma marca de xampu, não é só para lavar os cabelos. Ela quer que o xampu faça isso, mas preserve a natureza. Daí o sucesso da linha Ekos da Natura. Quando o consumidor escolhe um celular,
ele não quer só um que lhe permita falar melhor e fotografar. Ele quer isso tudo e também um celular com DNA com o qual se identifique.
Por isso a campanha que fazemos hoje para a Nokia é uma campanha de segmentação, em que o consumidor se identifica com a marca Nokia. Não é por outra razão que a marca é líder em trêsTop of Mind. Ela é a marca líder entre os jovens, a marca líder entre os consumidores e a que mais cresce no mercado. Por quê? Porque estamos fazendo marketing da experiência. Estamos vendendo uma marca que permite ao consumidor se relacionar e viver uma experiência. Há quem tenha mais de um celular para diferentes ocasiões. Virou um produto fashion.
DINHEIRO ? As empresas hoje buscam
uma imagem única para suas marcas. Como conciliar isso com um mundo
cada vez mais diversificado?
Lara ? Quando há respeito pela essência da marca, sempre haverá consumidores dispostos a adquiri-la. Vamos mais uma vez pegar o caso da Natura. A marca Ekos é identificada com a biodiversidade brasileira. Então essa identidade serve para ela vender a marca aqui no Brasil como em Paris, onde a empresa está desembarcando agora. É um diferencial que a Helena Rubinstein, a Lancôme, entre outras, não podem ter. A TIM usa em todo o mundo a mensagem Viver sem fronteiras. A marca não está só dizendo que o usuário de seus serviços pode falar de qualquer lugar do mundo. Isso também significa a quebra de fronteiras psicológicas, emocionais, raciais, etc. Para transmitir essa idéia, lançamos o Prêmio TIM de Música. Quer algo mais diversificado do que música? Então quando você respeita o DNA da marca, você pode internacionalizar e globalizar a marca. Sempre haverá quem se identifique com esse DNA.
DINHEIRO ? Então a empresa deve limitar seu público?
Lara ? Prefira aqueles que te preferem. Acabou a era do marketing da conquista, em que você utiliza a comunicação de massa para atingir todos o tempo todo. Isso não existe.
DINHEIRO ? Esse conceito já ganhou o coração das empresas?
Lara ? Estamos numa fase de transição. Mas não tenho dúvidas do sucesso desse conceito.
DINHEIRO ? Qual o pior erro que uma empresa pode cometer em relação à sua marca?
Lara ? É usar espelho em vez de janela. Ou seja, ver a marca com os olhos internos da empresa e não com os olhos do consumidor. É o que chamo de falta de barriga no balcão. Às vezes campanhas são tiradas do ar porque os executivos cansaram dela, sem perceber que os consumidores podem ter uma opinião diferente.
DINHEIRO ? Como se diferenciar em uma época de excesso de informação, na qual o consumidor recebe um bombardeio de mensagens?
Lara ? Não se pode mais pensar apenas nas formas tradicionais de divulgação de uma marca. O que deve ser feito é integrar as diversas formas, do marketing de relacionamento aos eventos, do anúncio impresso às promoções. Até mesmo nas mídias tradicionais, a publicidade deve ser inovadora. Todas as semanas, abrimos as revistas e encontramos formas diferentes e surpreendentes de divulgação de marca. E esses veículos continuam capturando a atenção do consumidor. A atenção é o produto mais caro. Em vez de fazer loas a si mesmo, antes de pensar em ganhar prêmio, o publicitário deve perseguir a atenção do consumidor a qualquer custo. Para isso, precisamos ser absolutamente humildes. Nós não somos artistas. Somos consultores de comunicação que buscam atrair a atenção dos consumidores.
DINHEIRO ? Por que numa crise as empresas sacrificam em primeiro lugar as verbas de marketing e comunicação?
Lara ? Ninguém corta custos em propaganda e publicidade porque quer. Temos problemas de munição de investimentos, mas sempre
que há um aceno de retomada o anunciante volta a investir. Mas mesmo em crise ele não pára de investir. Ele vai mais para o varejo, mais promocional, mas assim que possível volta a anunciar na mar-
ca. Se ele ficar muito tempo só nesse varejo, ele começa a vender preço e não a marca. Isso impacta diretamente em sua taxa de retorno e inicia um círculo vicioso: o lucro diminui e com lucro menor ele fica sem dinheiro para investir. Sem investimento ele não pode anunciar e se desenvolver. Sem anunciar ele começa a brigar na
área de preço. Aí o lucro diminui.
DINHEIRO ? Esses conceitos servem
para o marketing político?
Lara ? Claro. Se o político respeitar seu jeito de ser e fazer e sua essência, ele terá sucesso em sua carreira política. O Duda Mendonça fez sucesso na campanha do Lula porque ele é um grande publicitário.
DINHEIRO ? Mas todos falam que a grande sacada do Duda foi mudar a imagem do Lula, tirando a imagem de mau humor e fazendo dele uma pessoa mais leve…
Lara ? Ao contrário, ele respeitou a essência da marca Lula. O Lula tem esse jeito absolutamente espontâneo, emocional, uma necessidade de estar com as pessoas. É um sujeito divertido. Ele sempre teve esse jeito. O que havia eram as posições que ele tomava publicamente, e que ele continua manifestando do jeito dele. O mérito do Duda não foi inventar ninguém, mas mostrar alguém que já existia. O Duda respeitou o DNA do Lula.
DINHEIRO ? Para você, quem é um exemplo de marketing político?
Lara ? O Lula no Brasil é um case fantástico. Nos Estados Unidos, foi o Bill Clinton do primeiro mandato. Ele criou uma alternativa ao padrão norte-americano de política. Era um jovem de 42 anos, que foi à MTV tocar saxofone. Ele trouxe algo novo e refrescante ao conservadorismo da política do país. Esse jeito de ser conquistou o eleitor e o levou à Casa Branca, mesmo sendo um desconhecido de um Estado absolutamente insignificante, como Arkansas.
DINHEIRO ? Qual o caminho para chegar a esse ponto?
Lara ? O grande mérito é criar uma aspiração na população e uma esperança concreta de que isso pode se realizar no programa da-
quele candidato. E depois, na comunicação de um governo, transformar essa expectativa em realização. Acho que ninguém foi mais bem-sucedido nesse caminho do que Franklin Delano Roosevelt no período da depressão americana dos anos 30. O Juscelino Kubitschek também conseguiu isso.
DINHEIRO ? E o Lula?
Lara ? O Lula reúne elementos para isso. Ele foi eleito com uma esperança, virou uma expectativa que ele está trabalhando muito bem. Fez a lição de casa na economia porque tinha de conter a inflação e estabelecer uma disciplina fiscal. E o País retoma o crescimento de 3,5% para o próximo ano.
DINHEIRO ? Essa é a linha de comunicação do governo?
Lara ? Não existe a comunicação por si só. Isso é um conceito ultrapassado. Comunicação está conectada ao programa de uma empresa e de um governo. A marca se confunde com a experiência. Eu não crio uma imagem na telinha que não aconteceu na vida real.