10/01/2023 - 8:13
Em 6 de janeiro de 2021, uma horda de apoiadores do então presidente Donald Trump invadiu o Capitólio, nos Estados Unidos, numa tentativa de impedir que o Congresso realizasse uma sessão conjunta para certificar a vitória do presidente eleito, Joe Biden.
Milhares de apoiadores de Trump se reuniram em Washington, a capital dos Estados Unidos, nos dias 5 e 6 de janeiro para defender uma mentira espalhada pelo político republicano: a de que a eleição presidencial de 2020 havia sido roubada pelos democratas. E parte deles tentou levar essa suposição às últimas consequências.
+ PGR dificultou investigações sobre ações antidemocráticas
Trump estava em Washington no dia 6 de janeiro e participou de um comício no qual repetiu mentiras sobre a eleição ter sido roubada e incitou os apoiadores dele a “lutarem” para “defender o país”. Depois do discurso, milhares deles foram até o Capitólio, que abriga o Congresso, e o invadiram e depredaram, agrediram policiais e jornalistas e foram atrás de congressistas com a intenção de linchá-los.
O principal alvo da horda era o vice-presidente Mike Pence, que presidia o Senado. Horas antes, Trump havia apelado a Pence para que impedisse a posse de Biden, o que não estava de fato dentro dos poderes do vice-presidente naquela sessão conjunta do Congresso. Diante da negativa do vice, Trump escreveu no Twitter que Pence “não tem a coragem de fazer o que tem de ser feito”. Seguidores de Trump na rede social defenderam que Pence fosse caçado, e a horda de invasores passou a gritar “enforquem Mike Pence”.
O assalto de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio não tem precedentes na história dos Estados Unidos, foi classificado de terrorismo interno pelo FBI e é visto por muito especialistas como uma tentativa de golpe de Estado por Donald Trump.
Quase mil acusados
Entre os participantes do ataque estão alguns dos principais grupos de apoiadores de Trump, como membros do Partido Republicano, militantes de extrema direita, supremacistas brancos e evangélicos pentecostais.
A milícia de extrema direita Proud Boys desempenhou um papel fundamental no planejamento e execução do ataque, do qual também participaram outras milícias, como a Oath Keepers e a Three Percenters.
Dois anos depois, mais de 950 pessoas foram acusadas formalmente de participação no ataque e detidas, segundo balanço do Departamento de Justiça. Dessas, 484 admitiram culpa e iniciaram acordo judiciais. Mais de 350 foram sentenciadas, e quase 200 receberam penas de prisão.
A idade média dos acusados é de 39 anos, e mais de 86% são homens. A maioria é dos estados do Texas, Flórida, Pensilvânia, Nova York e Califórnia, segundo levantamento da Universidade George Washington.
E a investigação, que já é a maior da história do Departamento de Justiça, está longe do fim. Centenas de pessoas ainda poderão vir a ser acusadas, pois promotores disseram que em torno de duas mil pessoas participaram do ataque ao Capitólio e ao menos 350 criminosos ainda não foram identificados.
A maioria dos acusados até aqui cometeu delitos menores, como entrar em local proibido. Nesses casos a sentença máxima é de seis meses de prisão, e muitos passaram apenas algumas semanas na cadeia ou até mesmo nem foram presos.
As sentenças mais leves foram as primeiras a serem conhecidas, e, nos casos mais graves, as sentenças ainda não foram proferidas.
Conspirar para derrubar o governo
Dezoito pessoas foram acusadas de conspiração para sedição (conspirar para derrubar o governo, a mais grave de todas as acusações nos processos envolvendo o 6 de Janeiro), sendo 11 da milícia extremista Oath Keepers e outros sete membros dos Proud Boys.
Entre os condenados por esse crime estão Stewart Rhodes, o fundador da Oath Keepers, e o líder dela na Flórida, Kelly Meggs. Eles podem receber sentenças de até 20 anos, considerando todos os crimes de que são acusados. John Schaffer, outro fundador da Oath Keepers, optou por um acordo judicial e pode receber pena de prisão de até 30 anos.
Entre as mais de 280 pessoas acusadas de atacar um policial ou de resistir à prisão, cem enfrentam acusações adicionais de uso de armas mortais ou perigosas.
Cinco dos acusados de atacar policiais são membros do grupo nacionalista branco America First. Um outro, o policial aposentado de Nova York Thomas Webster, recebeu a pena mais alta até o momento, de dez anos de prisão, por agredir um policial com a haste de uma bandeira.
Quatro outros agressores de policiais receberam penas de sete anos de prisão. São eles o ex-policial da Virgínia Thomas Robertson; um homem de Iowa, Kyle Young, que atacou um policial ao lado do filho adolescente; Albuquerque Cosper Head, do Tennessee; e o miliciano texano Guy Wesley Reffitt, que ameaçou puxar a então presidente do Congresso, Nancy Pelosi, para fora do prédio pelos tornozelos.
Xamã da QAnon
Mais de 295 invasores foram acusados de obstruir um procedimento oficial no Congresso, uma acusação pouco comum nos Estados Unidos. Entre os que foram condenados está um que ficou conhecido por causa de uma imagem que rodou o mundo: Jacob Chansley, o Xamã da QAnon, foi sentenciado a 3 anos e 5 meses de detenção.
Na invasão, ele vestia uma espécie de cocar com pelos de um animal e chifres de búfalo, estava sem camisa e com o rosto pintado de azul, vermelho e branco. Chansley é um promotor da teoria da conspiração QAnon, que afirma que Trump luta contra uma conspiração de democratas pedófilos e adoradores do demônio.
Outro seguidor da QAnon condenado é Douglas Jensen, acusado de ser um dos primeiros a invadir o Capitólio e de liderar um grupo que perseguiu um policial dentro do prédio. Ele também apareceu em fotos da invasão, vestindo uma camiseta da QAnon. Jensen foi sentenciado a 5 anos de prisão.
Outro invasor condenado por perseguir o mesmo policial é Jerod Wade Hughes, que recebeu pena de 3 anos e 10 meses atrás das grades.
E Trump?
Um comitê da Casa dos Representantes para investigar o ataque, formado por sete democratas e dois republicanos, encerrou os trabalhos em dezembro de 2022.
O comitê concluiu que Trump desempenhou um papel central na insurreição e que nenhum dos acontecimentos do dia teria ocorrido sem ele.
Trump foi acusado no relatório final de incitar à uma insurreição e de conspirar contra os Estados Unidos ao encorajar apoiadores a tentar “reverter” o resultado da eleição de 2020. Por isso, o comitê recomendou que Trump seja proibido de voltar a ocupar cargos públicos e que o Departamento de Justiça o processe criminalmente.
É a primeira vez que o Congresso age dessa maneira contra um ex-presidente dos Estados Unidos.
Quem pagou a insurreição
A organização de transparência na política Open Secrets afirmou, em junho de 2022, que comitês do Partido Republicano e a campanha de Trump pagaram mais de 12,6 milhões de dólares para pessoas e empresas que organizaram o comício que, no dia 6 de janeiro, antecedeu o ataque ao Capitólio.
A organização observou que não é possível, porém, determinar a quantia total paga pela campanha de Trump a organizadores ao longo da campanha eleitoral de 2020 e também depois da eleição porque todos os pagamentos foram feitos por meio de uma empresa, a American Made Media Consultants. Por ela passaram mais de 771 milhões de dólares, e nem todas as informações sobre quem recebeu pagamentos são conhecidas.
O comitê da Casa dos Representantes divulgou ter encontrado evidências de que doadores da campanha eleitoral não conheciam o real destino do dinheiro doado, pois a equipe de Trump solicitara doações para um suposto Fundo de Defesa da Eleição. O comitê afirmou não ter encontrado evidências de que esse fundo existiu.
A empresa Event Strategie, que organizou o ato trumpista em Washington, recebeu 6,9 milhões de dólares da campanha de Trump.