As primeiras semanas do governo de Jair Bolsonaro (PSL) tiveram como marca algumas idas e vindas. Afirmações contundentes em diversas áreas foram, rapidamente, desmentidas e revelaram descompasso na equipe. No entanto, dentre todos os ministérios, há um que parece ter uma direção desenhada. O embaixador Ernesto Araújo tem um norte claro à frente das Relações Exteriores. Com discurso alinhado ao do presidente e à política externa americana, ele comunicou à ONU que o Brasil abandonou o Pacto Global para a Migração, ao qual o País tinha aderido em dezembro ao lado de outros 163 países, e que era rejeitado pelos Estados Unidos. A eventual transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém é mais um “trumpismo” que o Brasil pode importar. A despeito de futuras sanções econômicas e até de possíveis atos terroristas, Bolsonaro afirmou ser esta uma decisão tomada e apenas uma questão de tempo para a mudança se concretizar.

A troca de embaixadas atende a uma promessa feita à bancada evangélica. Para eles, o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel é um dogma de fé. Se seguir em frente com a decisão, o governo abandonorá sua posição histórica de neutralidade no conflito Israel-Palestina para ficar ao lado dos únicos países no mundo que fizeram a mudança: Estados Unidos e Guatemala.

Para Reginaldo Nasser, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP, a escolha de ficar de um lado onde estão apenas dois países contra 180 do outro, revela que “tem alguma coisa errada na ideia”. Segundo ele, a decisão pode causar um isolamento do Brasil. “Os grandes aliados históricos dos EUA, que são os europeus, não acompanharam essa mudança. Isso é uma fria”. Especialista em Oriente Médio, Nasser considera improvável a mudança, por divergências internas do governo. Em entrevista à BBC, o ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz considerou a promessa inviável. “Acho que eles (evangélicos) vão ficar na esperança.”

EXPORTAÇÕES A ideologia também pode esbarrar no aspecto econômico. Depois da China,o mundo árabe é o segundo maior mercado de exportação de alimentos. O País é líder nas vendas de carne halal, exportando para 22 países islâmicos. É ainda grande exportador de minério de ferro, açúcar, milho e de uma extensa lista com mais de 800 produtos. Apenas no ano passado, as exportações para os países árabes somaram US$ 11,5 bilhões.

“A afirmação já gerou um ruído desnecessário, sobretudo para o agronegócio. Ainda que não haja mudança de embaixada, já gerou desconfiança”, afirma Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV. “Ironicamente, ele vai prejudicar boa parte da sua base de eleitores.” Santa Catarina, por exemplo, é um polo produtor de carne halal, que segue preceitos e normas de abate ditadas pelo Alcorão. No Estado, Bolsonaro venceu com 65% dos votos. Nos cálculos da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, a perda potencial é de US$ 27 bilhões até 2022. Os árabes concentram 40% dos recursos de fundos soberanos do mundo e se posicionam para financiar investimentos em infraestrutura no Brasil.

Apesar de negar que exista um alinhamento ideológico total com a política externa de Trump, as primeiras ações do chanceler Ernesto Araújo caminham em direção contrária. Em encontro no início do mês com o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, o afinamento ficou claro. Pompeo disse que quer aprofundar a cooperação em questões “de segurança e trabalhar conjuntamente contra regimes autoritários”. Ele também agradeceu a sinalização dos brasileiros de avaliar a instalação de uma base militar no País. Os dois afirmaram ainda nutrir de um “profundo desejo” de retorno da Venezuela à democracia. Na quarta-feira 9, o Brasil, ao lado de outros 13 países, no chamado grupo de Lima, condenou a posse de Nicolas Maduro. Pompeo participou da discussão por videoconferência.

Uma aproximação excessiva com os Estados Unidos tem o potencial de abrir a porta para o maior mercado consumidor do mundo, mas pode acabar afetando a relação com os chineses, já que as duas potências travam uma batalha comercial. A economia asiática é a principal parceira brasileira na área.Nesta batalha entre ideológicos e pragmáticos, só poderá haver um vencedor. Quem será: Ernesto Araújo ou Paulo Guedes?