Exaustão emocional, irritabilidade e angústia prolongada são sintomas de que algo está errado, e o problema pode estar no seu emprego. A Síndrome de Burnout foi reconhecida em janeiro deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), como uma condição que está diretamente relacionada ao trabalho.

Assim como muitos transtornos mentais, a condição ainda é pouco conhecida e não há levantamentos de ampla investigação que apontem os casos no Brasil. No entanto, há um aumento crescente nas buscas pelo termo  “burnout” no Google nos últimos cinco anos, segundo a plataforma Google Trends.

Foi assim que a publicitária C. R.*, de 32 anos, descobriu que o que estava sentindo era “real”. “Antes de pesquisar no Google e entender o que era burnout, eu achava que era ‘coisa da minha cabeça’, que eu estava exagerando, mesmo tendo sintomas como insônia, ânsia de vômito ao falar com minha chefe e crises de ansiedade antes de começar o expediente”, conta.

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Responsável por cuidar do marketing de uma grande empresa que havia sofrido perdas significativas no primeiro ano da pandemia, ela conta que a pressão para atingir as metas estipuladas tornavam o ambiente tóxico. “Não aguentei e pedi demissão, mesmo sem ter outro emprego em vista e procurei ajuda psicológica”, lembra.

Esse pensamento é comum em pessoas com a síndrome, segundo Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, do Conselho Federal de Psicologia (CFP). “Burnout é um processo que se desenvolve com o passar do tempo de forma paulatina, cumulativa, com incremento progressivo em severidade, não sendo percebido pelo indivíduo que geralmente se recusa a acreditar que esteja acontecendo algo errado com ele”.

O caso aconteceu no final de 2021, mas se intensificou a partir do meio do ano, período em que muitas empresas que não tiveram os resultados esperados até o momento passam a exigir ainda mais de seus funcionários para melhorar os números. Dessa forma, o segundo semestre costuma ser mais intenso em algumas empresas que, às vezes, extrapolam limites, podendo levar ao transtorno mental.

“A síndrome ocorre como uma resposta crônica aos estressores psicossociais presentes no contexto de trabalho, caracterizado por altas demandas e baixos recursos”, explica Bastos.

O professor da Faculdade de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Alberto Figueiras reconhece um crescimento significativo dos sintomas de burnout na população. Entre os motivos, ele classifica o reconhecimento da condição como um critério diagnóstico, em 2010. 

“A partir do momento em que você começa a reconhecer que a atividade laboral é estressante e pode acarretar em uma síndrome, você tem um misto de crescimento dos diagnósticos”, pontua.

A segunda justificativa para o aumento dos casos, está relacionada à demanda por produtividade por parte das empresas. “Existe uma demanda excessiva por produtividade. Existe essa ideia de que um indivíduo precisa produzir uma determinada quantidade, e na maioria das vezes as empresas não têm critérios claros para definir essa produtividade, fazendo com que o trabalhador esteja o tempo todo perseguindo uma meta que é irreal”.

Como saber se estou tendo burnout?

Apesar de cada pessoa expressar a síndrome de uma maneira única, existem alguns sintomas que podem ajudar a identificar o transtorno.

Baseado em pesquisas, o psicólogo clínico e professor de Psicologia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) Marcelo Pinheiro afirma que entre os principais sintomas e sinais do burnout estão: a fadiga física e mental, diminuição da autoestima, sentimentos de tristeza, irritabilidade, e angústia prolongadas, insônia recorrente, sentimento de desesperança, abuso de álcool e outras substâncias, e transtornos mentais relacionados com ansiedade e depressão. 

Segundo ele, “o burnout é caracterizado por três dimensões-chave: um estado de exaustão física e mental, cinismo e apatia em relação ao trabalho e sentimentos de ineficácia e falta de realização”. 

Para o psicólogo, existem alguns fatores que podem contribuir para o surgimento do burnout:

  • Dinâmica psicossocial disfuncional: sentir-se isolado, ter problemas de relacionamento com colegas ou com um gestor hostil, ou não compartilhar dos mesmos valores da organização. 
  • Falta de sentido: não encontrar um significado naquilo que se faz ou na forma como o trabalho é realizado. 
  • Falta de controle sobre suas tarefas: incapacidade de influenciar decisões que afetam seu trabalho, como agenda, atribuições ou carga de trabalho. 
  • Expectativas irreais de desempenho: perceber que o resultado que esperam de você vai além das suas capacidades em um determinado momento ou são inatingíveis. 
  • Trabalho desinteressante: quando um trabalho é monótono ou caótico, você precisa de energia constante para manter o foco. 
  •  Falta de apoio social: você não tem uma pessoa de confiança com quem compartilhar suas angústias, nem no trabalho – que seria ideal – nem na sua vida pessoal. 
  •  Desarmonia entre trabalho e vida pessoal – o seu trabalho consome tanto do seu tempo e empenho que você não tem energia para desfrutar com sua família e amigos, nem para praticar alguma atividade lúdica. 

Como tratar?

O afastamento do funcionário é uma das principais recomendações para que o trabalhador possa ter um tempo para cuidar de si. “Fundamental engajar em um processo terapêutico e atividades complementares, como atividades físicas e boa alimentação”, indica Figueiras. Mas, para o professor da UERJ, o mais importante seria a ressignificação do trabalho na vida da pessoa. 

“O trabalho não pode ser o centro de tudo que a pessoa faz. Existe uma lógica cada vez mais perversa no ambiente de trabalho atualmente que é a da suposta meritocracia – quanto mais você trabalha, mais você consegue ter resultados.”

Figueiras afirma que essa frase não é verdade. “Eu posso trabalhar de maneira incorreta durante 10 horas do meu dia e ter resultados muito ruins. Ou eu posso trabalhar 5 minutos de maneira inteligente”.

Já Pinheiro ressalta que a saúde mental nas empresas é uma responsabilidade tanto das organizações como estrutura como dos indivíduos que a compõe. “Assim, as intervenções voltadas para a criação de um ambiente mentalmente saudável devem incluir ações corporativas, bem como iniciativas individuais”. O psicólogo da FGV elenca algumas ações: 

  • Discuta suas preocupações com seu gestor, caso você se sinta confortável. Vocês podem trabalhar juntos para redefinir expectativas, encontrar soluções ou para estabelecer compromissos. 
  • Busque apoio. Converse sobre os seus problemas com colegas de trabalho nos quais você confia, amigos próximos, seu parceiro ou parceira, ou familiares de forma que você se sinta mais capaz de lidar com as dificuldades no trabalho. 
  • Participe de grupos de conversas. Algumas empresas organizam grupos de conversa coordenados por especialistas de fora da organização, nos quais os indivíduos possam compartilhar suas preocupações em um ambiente seguro e sem julgamentos, de maneira que novas ideias e soluções possam ser ventiladas entre os membros participantes. 
  • Procure um especialista. Se você tiver acesso a um plano médico ou a um serviço de assistência ao empregado fornecidos pela empresa, faço uso de serviços relevantes como consulta psicológica e psiquiátrica. 
  • Exercite-se. Praticar atividades físicas regularmente pode ajudar você a lidar melhor com o esgotamento físico e mental, além de desligar você dos problemas por algum momento.

O que fazer para evitar burnout?

Além de buscar uma vida equilibrada individualmente, os especialistas ressaltam que por mais que para evitar a condição, é preciso de um olhar mais atento das empresas em relação à forma de trabalhar imposta aos funcionários.

“Por mais que uma organização tenha profissionais com elevado nível de competência técnica, esses indivíduos não conseguirão colocar esse potencial em prática caso não estejam em boas condições de saúde mental”, diz Pinheiros. “Portanto, a responsabilidade pela saúde mental em uma organização exige o compromisso da empresa, seus gestores e dos próprios indivíduos”.

No entanto, Figueiras complementa o colega reforçando que trabalhar excessivamente, por horas, só gera comportamentos como procrastinação e estresse. Pensando nisso, em alguns lugares do mundo já é possível ver modelos de trabalho que reduzem as horas de expediente e reconhecem maior produtividade por parte dos funcionários.

Dito isso, ele afirma: “A melhor forma de tratamento é mudando a nossa lógica em relação ao mundo do trabalho. O mundo do trabalho precisa ser repensado pela sociedade contemporânea”.