No pobre subúrbio carioca de O ISO, quem diria, não é mais aquele. O certificado mundial de qualidade mais cobiçado por empresários brasileiros está por toda a parte e sofre no momento os efeitos negativos do gigantismo. Entre carimbadas distribuídas a favor de empresas de segurança, imobiliárias e até cemitérios, as 22 certificadoras em atuação no País emitiram, nos últimos 10 anos, mais de 5 mil diplomas de excelência ISO 9000 destinados a 1.630 companhias diferentes. O Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro), órgão do governo federal encarregado de fiscalizar as certificadoras, investiga denúncias de que alguns desses centros de controle de qualidade perderam a própria excelência.

Já há duas certificadoras na mira do Inmetro. A americana Perry Johnson é uma delas. Concorrentes fizeram denúncia anônima segundo a qual a empresa oferece, simultaneamente, serviços de consultoria e auditoria para as firmas interessadas em obter selos de qualidade. ?Perry Johnson são, na verdade, duas empresas?, defende o gerente comercial da companhia, Marcelo Catapani. ?Existe a Perry certificadora e a Perry consultoria?, alega. A mesma suspeita de haver certificadoras exercendo o duplo papel de dar conselhos e fazer exigências recai sobre a suíça Bureau Véritas. ?Há duas empresas, que trabalham separadamente e não trocam informações?, garante João Carlos Oliveira, assessor de comunicação da Bureau Véritas. ?Já encontramos inconformidades em empresas aos quais havíamos prestado consultoria.?

Neste cenário confuso é natural que se acumulem suspeitas de relaxamento nas exigências. Os números cada vez mais crescentes de expedição de certificados ISO 9000, aqueles endereçados à excelente gestão de qualidade, apóiam essa desconfiança. Em 1989, primeiro ano de utilização no Brasil, o ISO 9000 foi entregue 18 vezes. Dez anos depois, 1.573 exemplares do mesmo documento foram distribuídos.O número de empresas beneficiadas é maior do que a soma alcançada em oito países latino-americanos (leia quadro abaixo).

?Possuir o ISO 9000 não é mais um diferencial no mercado?, reconhece Verner Dittmer, diretor geral da Siemens, a primeira empresa brasileira a merecer o certificado na área de produção industrial. ?Hoje, é preciso ter outras certificações. Nossos planos visam o Prêmio Nacional de Qualidade (PNQ), que é mais severo que o ISO.?

O brasileiro que foi eleito presidente mundial da ISO ? International Organization Standardization, empresa com sede na Suíça, fundada em 1947 ?, está atento aos ecos de descontentamento. ?É hora de repensar e modernizar nossas normas?, admite Mário Cortopassi. Ele assume o posto somente em julho de 2001, mas já está em campo. Na semana passada, Cortopassi foi à reunião convocada pelo Inmetro, no Rio, com representantes de certificadoras. ?Precisamos acertar nossos ponteiros?, disse à DINHEIRO Armando Mariante, presidente do órgão. ?Tomaremos medidas drásticas contra as certificadoras incoerentes. Se as denúncias forem comprovadas, faremos descredenciamentos?. Cortopassi, da ISO, está de acordo. ?O Inmetro deve tomar todas as providências necessárias para resolver os problemas existentes?, afirma ele.

O inferno astral do ISO atingiu o auge no sábado 22 de julho, quando uma empresa que possuía o selo 14001, de excelência em gestão ambiental, provocou o maior vazamento de óleo em rios já visto no País: a Refinaria Presidente Getúlio Vargas, da Petrobras, no Paraná. ?A certificação não evita que acidentes aconteçam?, julga Rui Fonseca, gerente-geral de segurança e meio ambiente da companhia. ?Sem o ISO, teria sido pior?. Pela frente há questões mais prosaicas. A empresa de etiquetas Gomacol, de Guarulhos, desistiu de concorrer ao ISO quando seu diretor Newton Moura fez as contas. ?Custaria 12 mil reais, fora investimentos em modernização?, conta ele. ?Desisti?. A empresa Exímia, de recursos humanos, não teve escolha. ?Perdi uma concorrência por não ter o ISO 9002″, lembra Regina Patrício, diretora da empresa. ?Ou tirávamos o certificado, ou estaríamos sempre fora das concorrências.?