27/09/2025 - 12:23
Medicamento é usado atualmente para tratar efeitos negativos da quimioterapia. Agência reguladora dos EUA tem agido com rapidez para ampliar uso do remédio, apesar das poucas evidências de sua eficácia contra autismo.O governo de Donald Trump anunciou nesta semana que a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) aprovou a leucovorina, um remédio genérico também comercializado como ácido folínico, para tratar o autismo.
O anúncio chocou especialistas em saúde pela rapidez do processo de aprovação pelo órgão regulador americano, geralmente mais rigoroso nessas deliberações. E também porque, até o momento, não há comprovação de que o medicamento tenha efeito sobre o transtorno do espectro autista (TEA).
O tratamento foi citado por Trump em evento na Casa Branca na segunda-feira, no qual disparou uma sequência de desinformações sobre autismo, como a de que o uso de paracetamol durante a gravidez seria uma das causas do transtorno, ou que vacinas podem ter influência no recente aumento de casos.
“Isso traz esperança para muitos pais de crianças autistas de que seja possível melhorar suas vidas”, disse o presidente durante coletiva de imprensa.
Por que a leucovorina?
A leucovorina, também conhecida como ácido folínico, é um derivado da vitamina B, semelhante ao ácido fólico. É um medicamento antigo, usado principalmente como antídoto para os efeitos negativos da quimioterapia contra o câncer.
Níveis baixos de folato, uma forma de vitamina B essencial para o desenvolvimento neural, estão associados a certos defeitos congênitos, por isso as mulheres já são orientadas a tomar ácido fólico – versão sintética do folato – antes da concepção e durante a gravidez.
Martin Makary, comissário da FDA, afirmou que a leucovorina seria agora aprovado para pacientes com deficiência cerebral de folato (CFD), condição por vezes associada a perturbações do espectro do autismo.
Uma pequena porcentagem das pessoas com autismo também parece ter baixos níveis de folato no cérebro, possivelmente devido a anticorpos que o bloqueiam. A Autism Science Foundation adverte, contudo, que seus parentes não autistas também costumam ter esses anticorpos, sugerindo que isso não é uma causa do autismo.
Embora um pequeno número de estudos tenha mostrado alguma melhora em crianças com autismo tratadas com leucovorina, pesquisadores argumentam que o anúncio da FDA é prematuro e que mais pesquisas são necessárias.
A ciência sobre a leucovorina e o autismo “ainda está em estágios muito iniciais, e mais estudos são necessários antes que uma conclusão definitiva possa ser alcançada”, afirmou a fundação internacional dedicada ao transtorno, em comunicado.
Metralhadora de desinformação
Trump anunciou na segunda-feira que seu governo recomenda enfaticamente que as mulheres limitem o uso de paracetamol, comercializado sob o nome de Tylenol, durante a gravidez, a menos que seja realmente necessário.
Seus comentários foram alvo de intensas críticas de especialistas médicos e pesquisadores, uma vez quenão há provas que relacionem o analgésico ao autismo.
Trump chegou a afirmar ainda que “ouviu dizer” que em Cuba não tem autismo por que eles não teraiam dinheiro para comprar Tylenol.
Em Cuba, como em muitas regiões do mundo, o autismo começou a ganhar visibilidade nos últimos anos. Campanhas de conscientização foram lançadas na televisão estatal para promover a inclusão de pessoas autistas.
A ilha tem tem nove instituições educacionais para atender crianças autistas, conforme afirmou a psicóloga do Ministério da Educação cubano Lisbet Rizo Suárez à Associated Press.
Quanto ao paracetamol, ele é amplamente utilizado em Cuba, e os médicos o prescrevem sem restrições, afirma Suárez.
O presidente americano não parou aí – entre as afirmações enganosas ditas na segunda, ele discorreu sobre uma relação entre vacinas e autismo.
“Estudos têm repetidamente constatado que não há relação entre as vacinas infantis que salvam vidas e o autismo. Essa pesquisa, em muitos países, envolvendo milhares de indivíduos, se estendeu por várias décadas. Qualquer esforço para deturpar a ciência sólida e robusta representa uma ameaça à saúde das crianças”, disse a médica Susan Kressly, da Academia Americana de Pediatria, à Associated Press.
Trump chegou a sugerir que pais e responsáveis tornem menos frequentes as visitas ao médico, com o intuito de evitar vacinas.
“Espaçar ou adiar as vacinas significa que as crianças não terão imunidade contra essas doenças nos momentos em que estão mais vulneráveis”, reforçou Kressly.
Nenhum estudo rigoroso encontrou ligações entre o autismo e vacinas ou medicamentos. As taxas de vacinação, inclusive, diminuíram à medida que os casos de autismo avançaram nos Estados Unidos.
Qual o tratamento para autismo?
Não há tratamentos ou curas cientificamente documentados para o autismo, nem ele pode ser revertido. No entanto, especialistas concordam que o diagnóstico precoce é crucial.
A intervenção com medidas de apoio – idealmente antes dos três anos de idade – é fundamental para melhorar as habilidades cognitivas, sociais e de comunicação.
Essas medidas podem incluir terapia da fala, terapia ocupacional, treinamento de habilidades sociais, terapia de integração sensorial, auxílios visuais, rotinas estruturadas, planos de educação individualizados, terapia familiar – além de um ambiente calmo e previsível
sf (AP, RT)