Além da saudação tradicional a homens e mulheres, o governo Lula passou a adotar o pronome neutro ‘todes’ em eventos e cerimônias oficiais. “Boa tarde a todos, a todas e todes”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao abrir o discurso de posse nesta terça-feira, 3, gesto que se repetiu em outros atos ao longo da semana.

O uso de uma expressão que não abarca nem o gênero masculino e feminino busca atingir pessoas trans e não-binárias e retirar a predominância do gênero masculino da língua portuguesa. Um exemplo comumente usado é como se referir a um ambiente composto por nove mulheres e um homem: usa-se “todos” e não “todas”. O uso de “todes” buscar aglomerar todos os gêneros, de forma neutra – algo que acontece em outros idiomas, mas que não está previsto na gramática normativa do português.

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O fenômeno também acontece no setor privado. A Braskem lançou em 2018 um guia de “comunicação inclusiva” para melhorar o relacionamento entre funcionários no ambiente de trabalho. Para falar com pessoas de gêneros “não-binários”, o guia recomenda o uso dos artigos “x/ile/dile”, ao invés de “a/ela/dela” ou “o/ele/dele”. “Respeite sempre o nome social das pessoas trans e nunca pergunte ‘qual o seu nome ‘verdadeiro’? Isso é indelicado e causa um constrangimento desnecessário”, recomenda.

O material também, por exemplo, orienta os funcionários a evitarem expressões como “homossexualismo” (o sufixo “ismo” indica doença) e “opção sexual” e a utilizarem, por outro lado, os termos “homossexualidade” e “orientação sexual”.

Ainda assim, há apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que criticam o uso da linguagem. “Não preciso nem dizer que se o governo federal adotar o uso do pronome neutro em cerimônias oficiais, eles vão alimentar cada vez mais o bolsonarismo, né?”, questionou um influenciador petista com mais de 200 mil seguidores no Twitter. “Nada contra, mas temos 1001 problemas pra resolver nos próximos 4 anos, e um deles é evitar dar narrativa pra essa gente.”

Ao longo de 2020, deputados apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro adotaram uma postura contrária à linguagem neutra e investem, no Legislativo, na promoção de leis que proíbam o seu uso. O projeto de lei 5198/20, de autoria do deputado Junio Amaral (PL-MG), “proíbe instituições de ensino e bancas examinadoras de concursos públicos de utilizarem o gênero neutro para se referir a pessoas que não se identificam com os gêneros masculino e feminino, como a população LGBTI”. O texto da ementa argumenta que a “nova forma de flexão de gênero e número” atua “em contrariedade às regras gramaticais consolidadas”. O texto tramita lentamente na Câmara dos Deputados e não apresentou nenhum avanço significativo até o momento.

Tramitaram em todos os Estados do País, com exceção de Roraima, Piauí e Tocantins, projetos de lei que buscam proibir o uso da linguagem neutra. Propostas também avançaram em diversas Câmaras Municipais pelo Brasil.

Em 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin viu “censura prévia” e suspendeu lei de Rondônia que vetava a linguagem neutra em escolas e concursos. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, vinculada ao Ministério Público Federal, publicou uma nota ténica em fevereiro de 2022 que diz que a “vedação do uso da linguagem inclusiva” incorre em “inconstitucionalidade e inconvencionalidade, por indevida censura prévia”.