Os dois últimos anos de economia brasileira surpreenderam. O país experimentou um crescimento acima das expectativas, mas com dores associadas: inflação pressionada, juros elevados, volatilidade cambial, gargalos logísticos e um sistema de serviços públicos defasado.

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Ao olhar para 2025, a expectativa é de continuidade desse cenário, com seus desafios estruturais. Do lado otimista, o saldo da balança comercial, radiante nos últimos anos, pode se repetir, contribuindo crucialmente com as reservas, e com o Brasil mantendo sua competitividade nas exportações agrícolas, beneficiadas pela crescente demanda da Ásia.

A relevância de metais e minerais críticos, com ênfase nas reservas da América do Sul, também será crescente, à medida que a escassez de alguns recursos cruciais se torna mais evidente no cenário global.

Entretanto, o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos traz incertezas e possíveis distúrbios para as relações comerciais internacionais. As políticas protecionistas, como as tarifas sobre aço e alumínio, poderão ser agravadas. As repercussões para o Brasil devem ser moderadas, comparativamente a outros países mais dependentes das importações norte-americanas.

Mesmo com a possibilidade de retaliações pontuais pela China, como a limitação de acesso de produtos norte-americanos, o Brasil terá condições de aproveitar-se do contexto, dada a sua oferta exportadora. Há também possibilidade de que países como México e Canadá voltem a priorizar negociações com o Mercosul, se forem atingidos por medidas comerciais trumpistas.

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Por outro lado, a menção de Javier Milei sobre um possível acordo de livre comércio com os Estados Unidos, embora empolgado, enfrenta obstáculos significativos. Uma tal proposta de acordo enfrentaria resistência do setor agrícola norte-americano, além exigir que Trump obtivesse a autoridade de promoção comercial (o “fast track”) do Congresso. Ademais, o histórico da primeira administração Trump, que relegou a América Latina a um segundo plano, exceto nos temas de imigração e tráfico de drogas, também faz com que qualquer avanço na região dependa de fatores políticos internos difíceis de prever.

De novo, há a nomeação de Marco Rubio como secretário de Estado, especialmente por seus vínculos com a América Latina e fluência em espanhol. Seu entendimento da região pode ser um trunfo para melhorar as relações EUA-Brasil. Um ponto positivo, considerando o histórico de administrações norte-americanas que carecem de autoridades de alto escalão com experiência latino-americana.

É no cenário multilateral que o impacto da política externa de Trump será mais visível. A retirada dos Estados Unidos de acordos ambientais globais, como o Acordo de Paris, já se desenha como uma consequência previsível de sua política “America First”. Esse retrocesso poderá ser devastador para a luta contra as mudanças climáticas, ampliando a janela para situações catastróficas e enfraquecendo os incentivos a energias renováveis que vinham sendo promovidos pelo governo Biden.

No campo das instituições multilaterais, a continuidade do enfraquecimento dessas entidades será um reflexo da visão isolacionista que Trump defende. Já observado em outros governos, o ceticismo de Trump em relação à ONU, à OMC e a outros organismos multilaterais pode se intensificar, com repercussões adversas para a governança global.

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Além disso, a volta de Trump ao poder pode acirrar os movimentos de extrema-direita na América Latina, com impacto direto no Brasil, afetando alinhamentos ideológicos tanto internos quanto internacionais.

A crescente influência da China na região, especialmente no setor de infraestrutura e no comércio, será um desafio adicional para os EUA, que demonstraram, até agora, pouca capacidade de apresentar alternativas competitivas para o continente.

Embora muitas dessas questões ainda estejam imersas em especulação, a política externa de Trump, em grande medida, dependerá da sua personalidade estrambótica e do controle do Congresso, a ser dominado pelos Republicanos. A construção de uma estratégia externa coerente será difícil, dada a natureza fragmentada do governo e a falta de uma agenda estruturada.

Como tarefa, o Brasil precisa de um transatlântico de estratégias para navegar por um cenário global volátil e de múltiplas incertezas, nas tormentas regionais e globais.

*Welber Barral é especialista em comércio internacional e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil