Soldados ucranianos parecem estar em retirada, e Moscou confirma retomada de territórios. Para especialistas, cenário já era esperado desde dezembro – mas nem todos veem empreitada fracassada.Nos últimos dias, as Forças Armadas da Rússia conseguiram retomar o controle sobre diversas posições duramente conquistadas pela Ucrânia na região russa de Kursk em agosto do ano passado. O Ministério da Defesa russo anunciou nesta quinta-feira (13/03) a retomada de Sudzha, o maior centro populacional da região. Kiev não confirmou essa informação.

A imprensa russa noticiou que o presidente Vladimir Putin visitou recentemente um posto de comando das tropas do país em Kursk. Nas imagens, o líder russo aparece usando um uniforme militar ao lado do general chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas, Valery Gerasimov.

Na noite de quarta-feira, o comandante-chefe das Forças Armadas ucranianas, Oleksandr Syrskyi, afirmou que os combates continuavam nos subúrbios de Sudzha e em áreas vizinhas da região de Kursk. Segundo ele, o exército ucraniano pretende manter a defesa enquanto for “apropriado e necessário”. Syrskyi ressaltou que a prioridade é preservar a vida dos soldados ucranianos e, por isso, as unidades “mudarão para linhas de defesa mais vantajosas, se necessário”.

Retirada da região

Na avaliação do fundador da organização independente Grupo de Inteligência de Conflito (CIT), Ruslan Leviev, os militares ucranianos estão deixando a região conforme o planejado. Ele também acredita que a liderança do exército quer salvar o maior número possível de soldados.

O ativista opositor russo, no entanto, não vê uma conexão entre a retirada ucraniana e as recentes negociações entre Kiev e Washington. Ele não descarta, porém, que a suspensão americana da troca de informações de inteligência possa ter acelerado esse processo. O presidente dos EUA, Donald Trump, impôs essa medida ao seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, depois da desastrosa reunião entre ambos na Casa Branca.

De acordo com Leviev, a retirada das tropas ucranianas era esperada desde dezembro, quando os russos atacaram os flancos da cabeça de ponte ucraniana pelos dois lados em Kursk. O especialista afirma que depois desse ataque quase não houve mais oportunidade para abastecer as tropas com munições ou resgatar os feridos.

O diretor da consultoria ucraniana Defense Express, Serhiy Shurez, também acredita que os problemas de logística do exército ucraniano, somados à superioridade numérica dos militares russos, levaram à retirada ucraniana da região. A Rússia teria enviado 60 mil soldados para esse front, segundo o especialista.

“O componente logístico é o calcanhar de Aquiles. A retirada da Ucrânia para seu território melhorará a capacidade de defesa de suas brigadas”, acrescenta Shurez.

Para ele, manter territórios em Kursk para uma possível troca territorial não faz mais sentido político, porque Trump ignorou completamente esse componente para as negociações. “Os objetivos militares [da contraofensiva ucraniana em Kursk] já foram amplamente alcançados: minimizar o risco para a região ucraniana de Sumy, desviar um determinado número de tropas russas de outras linhas de frente e infringir o maior dano possível”, argumenta.

Objetivos alcançados?

Observadores ocidentais têm opiniões diferentes sobre o resultado da operação ucraniana em Kursk. Para o ex-consultor do Ministério de Defesa da Alemanha Nico Lange, a missão foi bem-sucedida.

“Da perspectiva ucraniana está claro: enquanto houver combates em Kursk, eles não ocorrerão simultaneamente com essas tropas na Ucrânia. Enquanto os russos usarem sua força aérea para lançar bombas, por exemplo, em seus vilarejos, essas bombas não vão cair em territórios ucranianos”, destacou Lange em entrevista à emissora alemã de televisão ZDF.

Na opinião de Lange, a operação em Kursk expôs a fraqueza do exército russo, que não teria atendido à expectativa do Kremlin de expulsar rapidamente as tropas ucranianas do país.

Alguns especialistas ocidentais criticaram a operação ucraniana em Kursk, por considerá-la um desperdício de recursos. Uma das críticas é a cientista política Marina Miron, do King’s College de Londres, que aponta que a Rússia não deslocou suas tropas de outras linhas de frente, por exemplo no Donbass, como os ucranianos esperavam.

Segundo Miron, a ocupação do território russo perdeu o sentido para a Ucrânia quando ficou claro que o país não conseguiria capturar alvos estratégicos importantes como a usina nuclear de Kursk. “Do ponto de vista estratégico militar, essa decisão foi uma catástrofe, porque estendeu o front, e as forças ucranianas já estavam sofrendo com a falta de equipamento e pessoal.”

Resultado de operação depende da retirada

Para o coronel austríaco Markus Reisner, só será possível avaliar o resultado da operação em Kursk de forma conclusiva quando estiver claro quais foram as perdas e quão ordenada será a – na sua opinião inevitável – retirada das tropas ucranianas da região. “O grande fator de risco continua sendo a eclosão do caos e do pânico – um cenário enfrentado pelas tropas russas em 2022 em Kharkiv.”

Na época, os russos não estavam preparados para a contraofensiva ucraniana. Eles tiveram que se retirar às pressas. A Ucrânia capturou muitos soldados russos, além de uma grande quantidade de equipamentos militares pesados do inimigo.