Partido da ultradireita liderado por Sohei Kamiya obtém sucesso em eleição parlamentar com plataforma nacionalista e anti-imigração sob o slogan “japoneses em primeiro lugar”O fundador e secretário-geral do partido nacionalista japonês Sanseito, Sohei Kamiya, de 47 anos, foi o grande destaque da eleição de domingo passado (20/07) para a câmara alta do Parlamento do Japão.

Jovem, carismático e profundamente atento às sensibilidades de milhões de japoneses, Kamiya fez campanha prometendo aderir aos valores tradicionais, encorajar o orgulho nacional, cortar impostos, elevar os gastos com defesa e mais uma série de políticas populistas, tudo embalado no slogan “japoneses em primeiro lugar”.

Numa referência inegável ao movimento Make America Great Again, do presidente dos EUA, Donald Trump, Kamiya também culpou os estrangeiros por muitos dos problemas do Japão.

O partido focou sua mensagem na “invasão silenciosa” de estrangeiros que querem se aproveitar da prosperidade do país, mas se recusam a seguir seus costumes e leis, bem como em turistas estrangeiros “sem modos”.

A campanha de Kamiya claramente tocou num ponto sensível para muitos japoneses, que andam insatisfeitos com os partidos políticos tradicionais, em especial o Partido Liberal Democrático (PLD), que tem sido o mais influente do país quase ininterruptamente desde 1955. Nos últimos nove meses, o PLD sofreu grandes derrotas nas eleições para as duas casas do Parlamento.

O professor de política e relações internacionais Toshimitsu Shigemura, da Universidade de Waseda, em Tóquio, diz que o Sanseito soube se aproveitar da insatisfação pública com os partidos políticos tradicionais. “As pessoas estão insatisfeitas com todos os problemas do cotidiano e acham que o PDL e os demais partidos tradicionais não as ouvem”, afirma.

Assim como em outros locais do mundo onde a narrativa de ultradireita repercutiu entre os eleitores, a inflação crescente e os baixos salários pressionam os orçamentos familiares no Japão. Shigemura destaca que o Sanseito conseguiu pôr a culpa nos estrangeiros, empregando uma tática que funcionou em outros lugares.

O Sanseito também soube usar muito bem as redes sociais em sua campanha. “O partido transmitiu uma mensagem clara e concisa a um público mais jovem do que aquele que os partidos tradicionais normalmente conseguem alcançar e convencendo-o de que tem as soluções”, diz Shigemura.

Quais são os objetivos do Sanseito?

O Sanseito foi fundado em 2020. O partido surgiu de um canal no YouTube do qual Kamiya é um dos criadores e que queria demonstrar como se cria um partido político do zero. O canal e o partido começaram a ficar famosos ao disseminarem informações enganosas sobre a pandemia de covid-19, incluindo teorias da conspiração sobre as origens da pandemia e desconfiança em relação às vacinas.

Kamiya foi acusado de antissemitismo depois que o partido publicou um livro, em 2022, no qual alega que investidores judeus estavam ficando ricos ao incitar o medo da pandemia do coronavírus e insistindo que o Sanseito não “venderia o Japão ao capital judeu”. Apesar dessas declarações inflamatórias, ele negou qualquer preconceito contra judeus.

A hostilidade a estrangeiros é um tema recorrente desde a fundação do partido. Kamiya disse num evento de campanha que a mídia estava criticando algumas das políticas do partido chamando-as de “estúpidas, tolas e coreanas”. A ofensa provocou risos na plateia, mas foi criticada por grupos antirracistas.

Kamiya também quer elevar os gastos com defesa e alterar a Constituição para permitir a remilitarização do Japão. Ele é a favor de que os militares japoneses possam fazer ataques preventivos a um inimigo se considerarem que um conflito é “inevitável”, o que contraria a Constituição.

Membros do partido já declararam publicamente que o Japão deveria ter sua própria dissuasão nuclear – o que diverge fortemente da opinião pública dominante no único país que teve armas nucleares usadas contra si em tempos de guerra.

Kamiya vê a China como uma ameaça significativa à nação e exige uma “posição mais firme” contra as políticas cada vez mais expansionistas de Pequim na região, além de ter afirmado que as sanções à Rússia deveriam ser atenuadas.

Muitas das políticas sociais do partido refletem posições conservadoras, como a clara oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à possibilidade de as mulheres manterem o nome de solteira após o casamento, alegando que isso “causaria confusão”.

Kamiya também já declarou que as mulheres jovens estão focadas demais em ter uma carreira profissional e que seria melhor se a nação voltasse aos dias em que as mulheres ficavam em casa cuidando dos filhos.

Reviravolta na política japonesa

O Sanseito conquistou 14 dos 248 assentos da câmara alta na eleição de domingo. Antes da votação, tinha apenas uma. O PLD conquistou 47 cadeiras, uma queda de 16 e abaixo da meta de 50 estabelecida antes da votação. Mais impactante ainda, o PLD perdeu a maioria na Câmara e terá que negociar com partidos minoritários de oposição para aprovar qualquer legislação. E é justamente isso que pode dar ao Sanseito uma grande influência nos rumos políticos do país.

A ascensão meteórica do Sanseito nos últimos cinco anos e a sua condição de terceira maior força da oposição na câmara alta causam alguma preocupação.

O jornal de esquerda Asahi Shimbun declarou em artigo de opinião de primeira página na segunda-feira que estava “inquieto” com o aumento da xenofobia no Japão e acrescentou que uma campanha na qual “o medo de estrangeiros foi tão abertamente inflamado” e “uma retórica discriminatória foi expressa com facilidade tão descarada” era algo inédito no país.

O editorial acrescenta que, se o Sanseito adotar a mesma postura durante o debate parlamentar, é possível que “a retórica usada para legitimar o preconceito ganhe maior aceitação na sociedade, reforçada pela crescente influência política do partido”.

Numa entrevista à imprensa estrangeira em Tóquio, em 3 de julho, Kamiya afirmou que, embora o slogan do partido seja “japoneses em primeiro lugar”, isso não significa que não-japoneses não sejam bem-vindos. Ele continuou dizendo que admira as políticas de Trump, do partido de Marine Le Pen na França e da Alternativa para a Alemanha (AfD).

Shigemura avalia que, após o sucesso eleitoral do Sanseito, o partido estará sob pressão para não decepcionar seus eleitores. “Acredito que o momento atual pode ser o ponto alto da ultradireita”, diz.

“O PLD está em baixa, mas agora que esses partidos extremistas conquistaram assentos suficientes para afirmar que têm voz ativa na condução do país, eles precisam cumprir o que prometeram. O PLD sabe que cumprir promessas é a parte mais difícil de governar, e acredito que o Sanseito não conseguirá cumprir as suas”, avalia.

“Avalio que, daqui a cinco anos, o público terá se decepcionado com as promessas não cumpridas da ultradireita e que o PLD tenha conseguido se reconstruir e, com sorte, o país estará numa posição melhor”, acrescenta.