27/08/2025 - 15:44
Área queimada em 2025 é a menor de série iniciada em 2017. Clima mais ameno e ações de prevenção contribuíram para o cenário. No entanto, ainda há risco de fogo.O sistema de monitoramento Pantera, do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), identificou no fim de julho uma linha de fogo de cerca de cinco quilômetros na Bolívia que avançava em direção ao Pantanal sul-mato-grossense. Até então dedicados a ações de prevenção, os brigadistas se prepararam para atuar no combate.
“Mas uma chuva torrencial caiu bem em cima do fogo e conseguiu extingui-lo”, relatou o biólogo Sergio Barreto.
O episódio ajuda a entender o cenário dos incêndios florestais no Brasil. Depois de secas intensas, que criaram o combustível para os recordes de áreas queimadas em 2024, as condições climáticas mais amenas têm ajudado a evitar os desastres neste ano. Além disso, avaliaram especialistas, ações de prevenção avançaram, na esteira da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
De acordo com os dados no sistema Alarmes, do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2024 foi o ano com a maior área queimada na série histórica iniciada em 2017. Há cerca de um ano, por exemplo, a fumaça dos incêndios encobria dezenas de cidades brasileiras, com a situação se agravando nas semanas seguintes.
Em 2025, porém, a situação mudou. Na comparação com o mesmo período dos anos anteriores, a área queimada é a menor da série histórica. Além do clima mais ameno e das ações de prevenção, o trauma vivido no ano passado é outro fator que ajuda a entender a diminuição dos incêndios.
“Há uma redução dos incêndios nos anos seguintes aos anos que queimam muito. Tem aquele efeito do medo. Aquela pessoa que perdeu muita coisa, porque o fogo saiu do controle, vai ficar com mais receio de queimar no ano seguinte. Então, tem uma redução natural do uso do fogo depois de uma grande catástrofe”, opinou Ane Alencar, diretora de Ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Fogo.
Risco e avanços
“Até o momento tem sido um ano relativamente tranquilo. Comparativamente, está muito melhor do que no ano passado. Mas não há nada garantido em termos climáticos”, alertou Isabel Schmidt, professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Manejo Integrado do Fogo (MIF).
A maior parte da área queimada, segundo o Lasa, costuma estar concentrada em três meses: agosto, setembro e outubro. “O pior do risco de incêndio ainda está por vir. Não necessariamente virá incêndio, mas o risco é real”, explicou Schmidt.
O aviso também esteve presente na reunião de impactos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), realizada em meados de agosto, quando foi apresentada a previsão de probabilidade de fogo para os três meses. Há 339 municípios em alerta alto e 510 em alerta no período, principalmente no Norte, Centro-Oeste e Sudeste.
Um aspecto positivo é que o Brasil está avançando na forma de lidar com o fenômeno. Há um ano, entrou em vigor a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. Ela estabeleceu coordenação entre governo federal, estados, municípios, setor privado e sociedade civil para medidas de prevenção, preparação e controle de incêndios.
Em fevereiro, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) publicou uma portaria declarando estado de emergência ambiental devido ao risco de incêndios florestais em diversas regiões do Brasil. O governo federal também aumentou o orçamento e o número de brigadistas.
“O governo federal já estava fazendo o manejo integrado do fogo nas suas áreas protegidas, e esse ano teve mais recursos. Então já tinha estrutura montada, planejamento e gente capacitada. Na hora que você coloca dinheiro, as coisas são executadas imediatamente”, observou Schmidt.
Mudança de paradigma
O manejo integrado do fogo pode ser considerado uma mudança de paradigma. A metodologia leva em consideração saberes tradicionais e científicos para planejar a gestão de um território, com ações de prevenção, educação e, em alguns casos, queima prescrita – o uso do fogo controlado, realizado em períodos mais úmidos, para evitar o acúmulo de vegetação seca que poderia queimar.
O clima mais ameno ajuda a colocar em prática a política do MIF, mas é difícil mensurar o quanto o Brasil está preparado. Até porque muitas medidas importantes tomadas neste ano vão surtir efeito nos anos seguintes.
Schmidt cita o caso do Distrito Federal, que passou a contratar brigadistas por dois anos – antes era por seis meses. Como foram chamados recentemente, serão importantes para atuar no curto prazo, principalmente combatendo o fogo. Mas após a fase mais crítica, poderão fazer manejo integrado do fogo.
Amazônia, desmatamento e COP
Em março, os satélites detectaram um aumento no desmatamento na Amazônia. A partir de então, o governo federal iniciou uma série de ações de fiscalização e embargos de área, que ajudaram a diminuir o desflorestamento. Isso também gerou resultados positivos na redução dos incêndios, explicou Ane Alencar, do Ipam e do MapBiomas.
Há uma relação direta entre desmatamento e incêndios, porque, normalmente, o fogo é usado para queimar a vegetação cortada. “A outra questão é que quando há operação para reduzir o desmatamento, embargar área, tem uma maior presença de fiscalização no local, então as pessoas também queimam menos”, disse Alencar.
De acordo com a pesquisadora, no início do ano a chuva não caiu tanto quanto se esperava na Amazônia, até porque o fenômeno La Niña, que causa precipitações na região, foi fraco. Depois, no entanto, tem chovido com uma certa frequência, ajudando a diminuir os incêndios.
Um dos pontos de observação é se ocorrerão incêndios expressivos durante a Conferência da ONU sobre o Clima (COP30), em Belém (PA), que será realizada de 10 a 21 de novembro.
Segundo o MapBiomas, o Pará foi o estado que mais queimou no ano passado, com 7,3 milhões de hectares, com a fumaça atingindo Belém em alguns momentos. “Se continuar assim, eu acredito que, provavelmente, quando tiver COP, já vai estar chovendo em uma grande parte da Amazônia. E, portanto, vamos ter menos queimadas”, avalia Alencar.
Mesmo assim, o governo do Pará decretou situação de emergência ambiental e climática por 180 dias. O objetivo é reforçar o combate ao desmatamento, queimadas e eventos climáticos extremos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também convocou uma reunião com governadores que abrigam Amazônia, Cerrado e Pantanal para esta quinta-feira (28/08). O objetivo é discutir uma mobilização conjunta para evitar incêndios florestais, o que poderia afetar a COP.
Monitoramento e brigadas permanentes
O Pantanal foi o bioma com maior diminuição da área queimada em relação a 2024: quase 99%. Saiu de cerca de 1,6 milhões de hectares para aproximadamente 20 mil hectares. “Se as previsões se confirmarem, e a chuva realmente vier, temos boas perspectivas de manter o Pantanal sem fogo”, avaliou o biólogo Sergio Barreto, do Instituto Homem Pantaneiro.
O instituto monitora cerca de 1,3 milhão de hectares, principalmente na Serra do Amolar, na fronteira com a Bolívia. No ano passado, os brigadistas conseguiram manter o fogo longe até novembro, no fim da época seca, mas um incêndio entrou na região vindo do Mato Grosso. Cerca de 20% da área acabou queimando, incluindo 30 mil mudas que seriam usadas para recuperação.
O cenário poderia ter sido pior, avaliou Barreto. No entanto, desde os grandes incêndios de 2019 e 2020 o instituto, junto com outros parceiros, passaram a tomar uma série de medidas. Uma delas foi a criação, em 2021, da Brigada Alto Pantanal – que atua de forma permanente, não só quando é necessário combater o fogo.
“A brigada está em campo todos os meses realizando o trabalho preventivo com aceiros, educação ambiental, trabalho com as comunidades. A gente costuma dizer que essa forma de trabalho preventivo é mais barata, mais eficaz. E quando o fogo vem a gente está preparado para tentar minimizar os impactos”, explicou.
Os aceiros, que são cortes na vegetação em áreas estratégicas para evitar que o fogo se propague, também foram planejados para salvar os animais, contou Barreto. “A gente fez a criação desses aceiros justamente em áreas prioritárias de biodiversidade, fazendo com que essas áreas servissem de corredores de fuga para os animais.”