04/09/2025 - 10:22
Animação sobre banda de k-pop que protege o mundo de demônios é o filme mais assistido da Netflix. Obra brinca com clichês e conquista o público.O filme é estridente, colorido e barulhento. É também louco e bem-humorado, com muitas músicas que grudam na cabeça. É sobre um grupo feminino de k-pop cujas integrantes são mais do que meros produtos refinados da indústria pop coreana: Rumi, Zoey e Mira são Huntr/x. Elas lotam estádios ou simplesmente relaxam no sofá em pijamas de coelhinho, se empanturrando de fast food e curtindo a vida de estrelas pop sem treinamentos rigorosos ou ensaios ininterruptos.
Mas elas também têm outro emprego: caçar demônios. Mais especificamente, os demônios que sugam as almas dos fãs de música para, eventualmente, dominar o mundo. Para isso, o mestre demônio pega cinco de seus leais capangas e os transforma em uma boy band impecável cuja missão é derrubar Huntr/x do Olimpo do pop.
O filme Guerreiras do K-Pop brinca com todos os clichês do mundo do k-pop – e, ao mesmo tempo, os rompe com prazer. Em vez de ídolos disciplinados e impecavelmente vestidos, o filme apresenta três jovens poderosas, excêntricas e bastante teimosas. Elas cometem erros, discutem, riem alto, mesmo com a boca cheia de batatas fritas – e, no final, ainda salvam o mundo.
É exatamente isso que torna Guerreiras do K-Pop tão especial, afirma Ray Seol, professor da Berklee College of Music em Boston. “As personagens femininas aqui não se resumem à doçura ou a uma aura misteriosa. Elas são super-heroínas e caçadoras de demônios que personificam força, responsabilidade e autodeterminação. O filme, portanto, abre uma nova perspectiva sobre o papel das mulheres no k-pop.”
As fãs também parecem estar satisfeitas com a forma como o filme retrata as mulheres. “Achei revigorante que elas tenham dito logo no início que precisavam se alimentar com carboidratos antes do show — normalmente, o k-pop foca na perda de peso”, disse Charlotte está na casa dos 30 anos e se interessa muito pela cultura pop coreana.
Dos bastidores aos holofotes
O filme também adota uma abordagem musical diferente. As personagens não são dubladas por estrelas atuais do k-pop, mas sim por artistas que costumam atuar em segundo plano. Entre elas está EJAE, de 33 anos, que se formou no ramo, mas nunca debutou nos palcos. Hoje, como compositora e produtora, ela é um dos talentos mais requisitados da Coreia do Sul.
“Essas mulheres trazem consigo uma ampla gama de habilidades — do canto à composição e à produção”, explica Seol. “O fato de elas agora interpretarem suas próprias canções torna a música do filme particularmente autêntica.”
Para EJAE, que empresta sua voz à Rumi e arrasou nas paradas globais da Billboard com a música Golden do filme, é um sucesso incrível. “Chorei o dia todo quando descobri que minha música havia alcançado o primeiro lugar”, disse ela à revista The Hollywood Reporter.
Golden já conta com mais de 470 milhões de reproduções somente no Spotify, e a trilha sonora completa do filme tem mais de três bilhões de visualizações.
Transformar crises em oportunidades
Segundo Seol, a grande repercussão do filme também se deve a uma mudança cultural global. Se antes predominavam narrativas de conquista, hoje o foco está na superação de obstáculos. “A Coreia aperfeiçoou essa arte: transformar crises em oportunidades e traduzir precisamente esse espírito para a cultura pop”, analisa.
No filme, a personagem Rumi personifica esse princípio de forma particularmente impressionante. Metade caçadora, metade demônio, ela representa os conflitos de identidade familiares a grande parte do público. Por muito tempo, ela esconde sua dupla natureza de seus amigos e colegas. Em algum momento, porém, ela percebe que pode usar seus poderes secretos contra o mal e aceita seu suposto defeito. Ela revela sua identidade e vence no final.
Entre glamour e natureza humana
Assim, Guerreiras do K-Pop se junta a uma tradição que também moldou o sucesso global da boy band coreana BTS. O grupo não se tornou mundialmente famoso por parecer invulnerável, mas por tornar visíveis suas próprias lutas: desde os obstáculos iniciais no YouTube até dificuldades financeiras e burnout. Suas músicas frequentemente abordam a insegurança e o desejo de seguir em frente – temas com os quais jovens de todo o mundo se identificam e que ajudaram a banda a alcançar seu sucesso.
O grupo feminino Blackpink também aborda essa tensão, embora de uma maneira diferente: o quarteto representa glamour, autoconfiança e força, mas, ao mesmo tempo, demonstra a pressão por trás de uma carreira global no k-pop. E é justamente nessa mistura de performance perfeita com momentos profundamente humanos que reside o seu encanto.
“Precisamente esse equilíbrio – entre força e vulnerabilidade, entre esplendor e humanidade genuína – também se encontra em Guerreiras do K-Pop”, diz Seol. “E é por isso que o filme faz tanto sucesso no mundo todo.”
Disso não há dúvidas: com mais de 266 milhões de visualizações, o filme bateu recorde e se tornou a produção mais assistida da Netflix.