Sempre que é questionado sobre o programa nuclear brasileiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tem a resposta na ponta da língua. ?Nós somos, pela Constituição brasileira, proibidos de fabricar armas nucleares.? A menção ao texto de 1988, que estabelece o uso pacífico como condição para o desenvolvimento do programa nuclear, também esconde um certo inconformismo com a situação, única no mundo.

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Reator nuclear brasileiro: aproximação do País com o Irã desperta dúvidas sobre plano nacional de energia

Por que o Brasil, com suas pretensões de grande player, tem de abrir mão de seus interesses assim, voluntariamente, e perpetuar a situação de desigualdade que existe hoje no mundo, entre nações com e sem armas nucleares? Embora este debate não aconteça em público, é o discurso interno de boa parte do governo. Nos últimos tempos, o pacto de silêncio só foi quebrado pelo vice-presidente, José Alencar. ?A arma nuclear utilizada como instrumento dissuasório é de grande importância para um país que tem 15 mil quilômetros de fronteiras, um mar territorial e, agora, esse mar do pré-sal de quatro milhões de km2?.

Nos últimos meses, a proximidade com o Irã, onde o presidente Lula estará neste fim de semana (leia mais na reportagem seguinte), despertou suspeitas de que o País esteja negociando um acordo que poderia ir além do declarado interesse em desenvolver usinas de energia elétrica e produzir medicamentos. ?Cria uma situação de desconfiança.Não sei se essa aproximação é boa e o que isso pode criar?, afirmou à DINHEIRO Ronaldo Fabrício, vice-presidente executivo da Associação Brasileira para Desenvolvimento de
Atividades Nucleares (Abdam).

O ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, que em março esteve no Irã, diz que foi orientado a não conversar sobre isso com os iranianos. Mas ele admite que a proximidade contamina a percepção externa do Brasil. ?Para isso, é preciso ter uma evidência de que nós estamos fazendo alguma coisa. E os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica vêm ao Brasil permanentemente. Tem câmaras em todas as instalações.?

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Ministro Samuel Pinheiro: “Os países que detêm tecnologia e reservas estão diante de grandes oportunidades”

Uma mudança formal no status nuclear, com a modificação na Constituição, seria muito improvável, já que o assunto teria que ser debatido no Congresso. E, embora a aproximação do governo com o Irã desencadeie reações, a avaliação é de que o Brasil não teria força política (e tampouco haveria disposição entre congressistas) para confrontar a Constituição. ?Não vejo chances de mudança. O que defendo é a posição do governo brasileiro: a de que o País tenha o direito de desenvolver tecnologias nucleares para fins pacíficos?, afirma Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Para o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), o risco maior é o Brasil, ao se aproximar do Irã, abrir um flanco para gerar incertezas quanto à real aplicação do programa. ?É possível que a aproximação renda bons resultados no campo comercial. Mas o Brasil pode se tornar alvo de desconfiança.?

O Brasil já domina, desde 1987, a tecnologia do ciclo de enriquecimento de urânio. A pretensão do País não é apenas se tornar autossuficiente, mas se transformar num fornecedor mundial de urânio enriquecido e combustível nuclear, aproveitando o fato de ter a sexta maior reserva do minério.

No mundo, 32 países têm usina de energia nuclear e nove dominam o enriquecimento, mas apenas três ? Brasil, EUA e Rússia ? têm ao mesmo tempo reservas do minério e capacidade de produzir o combustível. ?Os países que detêm a tecnologia e têm reservas estão diante de grandes oportunidades?, disse o ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães. ?É o combustível do futuro?, conclui.

(Colaborou Rodolfo Borges)

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