O empresário Shay David, nascido no norte de Israel e criado em Nova York, permaneceu 13 anos sem comer carne. “Desde que comecei a vir para o Brasil, para fazer negócios, precisei voltar a comer”, diz, antes de dar a primeira garfada em um suculento baby beef servido à sua frente, no restaurante Figueira Rubaiyat, no bairro de Cerqueira Cesar, em São Paulo. A julgar pelos prospectos de sua empresa no Brasil, é provável que David precise cada vez mais fazer concessões à cultura local. Ele começou, no segundo semestre de 2013, a preparar a operação brasileira da Kaltura, empresa que fundou em 2006 junto com outros três sócios, incluindo Eran Etam, um dos fundadores do ICQ, sistema de mensagens eletrônicas comprado pela AOL. 

 

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Linha de frente: David (à frente), Santamaría (à esq.) e Janér estruturam a operação brasileira

da empresa que recebeu a alcunha de Netflix corporativo

 

Sua missão é vender uma plataforma de vídeos para companhias de mídia, de educação e de diversos outros setores. A motivação para a chegada ao País foi decidida com o crescente número de clientes brasileiros das tecnologias da Kaltura, mesmo antes de a empresa ter uma subsidiária local. O próximo passo de David será se mudar, por dois meses, para o Brasil, logo depois da Copa do Mundo. “Vou ajudar a estruturar os negócios aqui e a formar a equipe”, diz. Mesmo antes de desembarcar no País, a Kaltura já tinha ficado um tantinho brasileira.

 

Desde a quarta-feira 12, a empresa passou a ter entre seus investidores o legendário Jorge Paulo Lemann, acionista da Lojas Americanas no Brasil e de gigantes internacionais como a AB Inbev, dona da Ambev e da cerveja Budweiser, a rede de fast-food Burger King e a fábrica de ketchup Heinz. A entrada do homem mais rico do Brasil na Kaltura se deu através do Gera Venture Capital, fundo de capital de risco voltado para a educação, do Rio de Janeiro. O Gera é um dos participantes de uma nova rodada de investimentos na empresa de David, liderada pela gigante alemã do software corporativo SAP, e que envolve também a finlandesa Nokia e o fundo americano Commonfund Capital.

 

O novo aporte será de US$ 47 milhões. Dessa forma, a Kaltura, fundada em uma espécie de ponte aérea Nova York-Tel Aviv (a sede fica na metrópole americana e o centro de pesquisas, na capital israelense), foi avaliada em US$ 250 milhões. Antes desse investimento, ela já havia atraído recursos da fabricante americana de chips Intel e das japonesas Mitsui e Orix Ventures. Até o momento, US$ 105 milhões entraram na conta da Kaltura, o que faz dela uma das empresas iniciantes de tecnologia mais quentes do momento. Mas o que Lemann e tantos investidores qualificados estão vendo na Kaltura? Ela pode ser considerada o Netflix corporativo, em referência à empresa de vídeos online, ou chamada até de YouTube empresarial. 

 

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Lemann: através do Gera Venture, fundo voltado ao setor de educação,

o homem mais rico do Brasil estimulou a chegada da Kaltura ao País

 

A Kaltura oferece uma plataforma de vídeos que o cliente pode transformar num portal de treinamento, de notícias internas ou até de vídeos de entretenimento com acesso cobrado dos usuários. Entre seus clientes internacionais estão HBO, Warner Brothers, Paramount, Bank of America, Accenture e Nestlé, além das tradicionais universidades americanas Yale, Stanford e Princeton e do grupo educacional paranaense Positivo. O potencial visto pelos novos investidores na empresa parte das teses de que hoje toda companhia está se tornando também uma empresa produtora de conteúdo e de que o vídeo estará presente em todos os lugares. 

 

“O mundo é vídeo”, diz Juancarlos Santamaría, diretor da Kaltura para a América Latina. Atualmente, 70% do tráfego na internet é feito por vídeo. Mas deve chegar, em poucos anos, a 90%. A rodada de investimentos da qual Lemann participou pode ser a última antes de a Kaltura chegar à bolsa de valores. “Em cerca de dois anos, vamos abrir o capital nos Estados Unidos, logo que alcançarmos os US$ 100 milhões em faturamento”, diz David. “O novo dinheiro irá para a inovação e para a expansão internacional.” Na empresa, ele é o responsável pelas investidas em outros países. A entrada de Lemann como sócio se deu quase por acaso. 

 

Segundo o carioca Lars Janér, contratado como diretor regional da Kaltura, em meados de 2013, o contato com o megainvestidor brasileiro teve origem em uma despretensiosa reunião marcada com o Gera. “Como ele investe no setor educacional, o que mais traz negócios à Kaltura, parecia uma boa ideia”, afirma Janér. Ao chegar ao escritório do Gera, em Ipanema, e apresentar a empresa, o executivo ficou sabendo que o fundo tinha dinheiro sobrando para investir em negócios promissores na área. Uma das diretoras do fundo, Leila Orenstein, havia passado uma temporada no Vale do Silício e já tinha recebido boas referências da Kaltura. Foi o suficiente para dar início às negociações que tornaram Lemann um sócio do Netflix corporativo.

 

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