24/03/2004 - 7:00
Um telefonema do Ministério da Fazenda pôs fim à intenção do carioca Marcelo Fernandez Trindade de ter a sua própria banca de advocacia. A criação do escritório Trindade & Advogados foi adiada para que o principal nome da sociedade assumisse a presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a xerife do mercado financeiro brasileiro. Na sexta-feira, 12, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, confirmou a indicação do advogado. Caso seu nome seja aprovado pelo presidente Lula, Trindade passará por uma sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado antes de assumir o cargo, em substituição ao também advogado, Luiz Cantidiano. Segundo pessoas próximas ao futuro presidente da CVM, seus planos não prevêem uma revolução na comissão. Afinado com as idéias de seu antecessor, Trindade quer tornar a comissão mais ágil e menos burocrática. E entra com disposição para tocar casos polêmicos. De acordo com amigos, apesar do jeito amistoso, Trindade ?tem sangue espanhol e gosta de uma boa briga?.
A sucessão será entre velhos conhecidos. Trindade não é apenas amigo de Cantidiano como atua como um dos advogados do ex-presidente da CVM. Essa amizade, comenta-se no mercado, influenciou sua indicação para o cargo. ?Quem sou eu. Logo eu??, espanta-se Cantidiano. Mas não é só isso. Aos 39 anos, Trindade é bastante conhecido entre os advogados do mercado financeiro e é tido como um talento. Professor de direito civil na PUC-Rio, ele também é coordenador da pós-graduação em direito societário e mercado de capitais da Fundação Getúlio Vargas. Começou sua vida profissional no escritório do advogado Sérgio Bermudes, um dos mais importantes do País. ?Convidei o Marcelo para ser meu estagiário porque se destacava em sala de aula?, diz Bermudes. ?De lá para cá, fez uma carreira brilhante?. Trindade chegou a abrir seu próprio escritório em 1987. Mas, em 1999, virou sócio no Rio de Janeiro do Tozzini, Freire, de São Paulo, outra das maiores bancas do País. Entre dezembro de 2000 e abril de 2002 foi diretor da CVM e, nos últimos tempos, havia voltado ao Tozzini, Freire. Preparava-se para montar seu próprio escritório quando recebeu o convite para a CVM.
Trindade sabe bem o que vai encontrar no novo emprego. Em seus dois anos como diretor da CVM, na gestão de José Luiz Osório, atuou na linha de frente. ?Ele sempre fazia parte das discussões mais complexas?, lembra Alfried Plöger, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas. A CVM que o advogado vai dirigir está bem no meio do fogo cruzado do mercado e enfrenta muitos problemas internos. Tem de cuidar de denúncias de vazamentos de informações e queixas de minoritários, num ambiente de muitas pressões. ?Espero que Trindade não passe pelos ataques que sofri?, diz Cantidiano, atacado por ter sido advogado do banco Opportunity antes de dirigir a comissão. Logo ao tomar posse, Trindade deve encarar dois casos barulhentos: a venda da Embratel e a negociação entre Ambev e Interbrew. Em ambos os casos, minoritários se dizem lesados por atitudes arbitrárias dos controladores.
Segundo pessoas ligadas a Trindade, ele pretende atuar em duas frentes. Deve comprar ?boas brigas? e investigar a suspeita de informação privilegiada no caso Ambev, inclusive com ajuda das autoridades americanas. Além disso, quer mudar o
perfil da CVM. Hoje, uma das principais queixas no mercado é a burocracia da instituição. Os funcionários da CVM se apegam a detalhes da lei e pouco às grandes questões. ?É uma maneira de se protegerem da pressão política?, defende um executivo. Trindade deve incentivar os funcionários a agir com mais liberdade para melhorar a vigilância de mercado.
Segundo executivos financeiros, houve muito avanço na regulamentação durante a gestão de Cantidiano. Mas a segurança do mercado ainda está sendo posta à prova. ?A situação melhorou, mas está longe do ideal?, diz Waldir Corrêa, presidente da Associação Nacional de Investidores do Mercado de Capitais, que representa os minoritários. ?A CVM não é ágil na decisão dos casos e a lei continua muito frágil, principalmente na questão das ações ordinárias e preferenciais?. Na posição oposta do mercado, os controladores de empresas também pedem mudanças. ?Trindade deverá ter a fiscalização como prioridade?, diz Plöger.
Na prática, as investigações demoram e muitas vezes não chegam a lugar nenhum. A comissão tem processos dos anos 90, como o do Bamerindus. Está sem solução há mais de um ano uma disputa entre minoritários e controladores da Guararapes, dona das lojas Riachuelo. A empresa investiu R$ 100 milhões na construção de um shopping
em Natal. Minoritários se queixam que não é um investimento do ramo da empresa. A companhia argumenta que o investimento estava previsto no relatório de 1995. Enquanto a CVM não toma partido, a Guararapes realiza o investimento. ?A CVM sempre fica em cima do muro?, queixa-se o investidor Renato Cifali, de São Paulo. Cabe a Trindade provar que o investidor está errado.
Casos polêmicos que serão
analisados pela CVM
Ambev-Interbrew
Há suspeita de vazamento de informações. Os acionistas minoritários se consideram prejudicados na associação acertada pelos controladores da empresa.
Embratel
Os investidores que tinham ações ordinárias (ON) dizem que perderam R$ 5 por ação na venda da companhia de telecomunicações para a mexicana Telmex.
Telemar-Oi
A Telemar comprou a operadora de celular por R$ 1. Os minoritários reclamam do valor pago e que a operação não foi submetida à assembléia, como manda a Lei das S.A.
Braskem
Os minoritários reclamam que a Braskem pagou, no ano passado, um terço do valor correto pelas ações da petroquímica Trikem, resultando em prejuízo.