O mercado passou a projetar novas altas na Selic. A previsão trazida pelo Boletim Focus desta semana é de que a taxa básica de juros suba dos atuais 10,5% para 10,75% ao ano na semana que vem. Até então, o relatório feito semanalmente com mais de 100 instituições financeiras apontava manutenção do nível dos juros.

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Já a projeção para s Selic ao término de 2024 foi elevada para 11,25%. O aperto total esperado até o final de 2024 agora é de 0,75 ponto, em uma forte mudança após 11 semanas consecutivas de expectativa de que a taxa básica de juros não seria alterada este ano. A próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, está marcada para os dias 17 e 18 de setembro.

A mudança nas expectativas tem como pano de fundo uma inflação no ano ainda muito próxima do teto da meta, de 4,5%, um dólar valorizado, acima dos R$ 5,60, uma economia aquecida, com avanço de 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre e uma perspectiva de corte de juros nos Estados Unidos. Paralelo a isso, a perspectiva praticamente certa de Gabriel Galípolo, atual diretor do BC nomeado pelo atual governo, ser o novo presidente do Banco Central a partir de 2025.

Se a manutenção da taxa ou até mesmo o início do afrouxamento era a expectativa até semanas atrás, agora os analistas dão o início de um ciclo de alta da Selic como certo, apesar da “pressão” do governo por juros mais baixos.

“Sem dúvida, estamos diante de uma das reuniões mais incertas do Copom. Atualmente, os dados apresentam sinais contraditórios: o PIB, embora positivo, mostra desaceleração em um ciclo de 12 meses. A inflação, por outro lado, está controlada, ainda que ligeiramente acima do centro da meta”, diz Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike.

A piora nas projeções vem também após resultados decepcionantes nas contas do governo, que seguem com rombo acumulado no ano distante da meta de déficit zero.

Alta de 0,25 ou de 0,50 ponto percentual?

Na última decisão, em julho, a ata mostrou que os membros apontaram destacaram que os “movimentos de alguns dos condicionantes para a dinâmica de inflação, incluindo a taxa de câmbio e as expectativas, foram amplamente debatidos”. Em tom mais duro que o da decisão de junho, o Comitê reforçou estar vigilante e reforçou reforçando o compromisso de convergência da inflação à meta e não descartando uma eventual alta na Selic.

Membros do BC, em falas recentes, têm enfatizado que a possibilidade de elevar os juros está sobre a mesa da reunião do Copom deste mês, acrescentando que não hesitarão em subir a taxa para levar a inflação para o centro da meta.

“Avaliamos que o mais provável é o aumento de 0,25 p.p. Fora a decisão em si, outra dúvida fica por conta da comunicação e do placar da decisão. Esperamos placar unânime, com todos os membros votando para essa elevação de 0,25 p.p. E esperamos que a comunicação seja dura, indicando o porquê dessa alta devido a um balanço de riscos pior para inflação e que BC continua passando a mensagem de que não hesitará em subir os juros caso fosse necessário até ancorar as expectativas de inflação”, projeta Marcela Rocha, economista-chefe da Principal Claritas.

Para Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine, o cenário mais provável é de duas altas de 0,50 p.p. nas próximas duas decisões, levando a Selic para 11,50% a.a. no final do ciclo de aperto monetário. “Esse patamar é compatível com o objetivo de colocar o IPCA em torno da meta central para a inflação de 3%. Olhando mais à frente, julgamos que o ambiente internacional desinflacionário e o ambiente doméstico – com impulsos fiscal e monetário nulos ou negativos – devem permitir ciclo de queda de juros ao longo do segundo semestre de 2025”, afirma.

Alex Andrade, CEO da Swiss Capital Invest, vê que a decisão tomada nesta reunião será fundamental para definir a trajetória da economia brasileira no curto e médio prazo.

“Os mercados estão atentos às decisões que o Comitê irá tomar, especialmente em um cenário econômico que mostra sinais de recuperação, mas ainda enfrenta desafios. No Brasil, o PIB tem apresentado um crescimento moderado, mas sustentável, o que sugere que a economia está se ajustando positivamente às condições de mercado. O Copom tem uma tarefa delicada de equilibrar o estímulo ao crescimento econômico com a manutenção da estabilidade de preços”, diz Alex Andrade.

Inflação no horizonte

A mudança na tarifa extra na conta de luz para bandeira vermelha patamar 1 foi a mais recente adição de pressão à inflação no país, que tem como meta 3% no ano, com 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Com a nova bandeira tarifária, são adicionados R$ 4,463 a cada 100kw/h consumidos

No Focus desta semana, as projeções para a inflação fechada do ano, já considerando o adicional na energia, o IPCA é calculado em 4,30%, ante 4,26% na semana passada e 4,25% na anterior.

“A inflação ainda é um ponto de atenção, embora tenhamos visto uma queda nas expectativas inflacionárias nos últimos meses. O controle da inflação continuará sendo crucial para manter o poder de compra dos consumidores e a estabilidade econômica”, Alex Andrade, da Swiss Capital.

Para as economistas do BNP Paribas, Fernanda Guardado, ex-diretora do BC, e Laiz Carvalho, o cenário atual requer maior cautela por parte do BC, por isso, projetam uma alta de 0,25 p.p., “pois as reduções do primeiro semestre desaceleraram o processo de desinflação e não conseguiram reancorar as expectativas de inflação de longo prazo”, dizem.

Expectativa de corte de juros nos EUA

O banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), também se reúne na semana que vem e a expectativa por lá é de corte na taxa de juros americana, hoje no intervalo de 5,25% a 5,50%. A dúvida é sobre o tamanho desse corte, já que os dados sobre o mercado de trabalho norte-americanos e declarações de membros do Federal Reserve não apontam claramente para o percentual.

O dólar fechou em leve baixa nesta segunda-feira, cotado a R$ 5,5817. A divisa, porém, segue em patamar elevado no Brasil, o que também adiciona um ingrediente de pressão na inflação. O Focus projeta que o câmbio deve fechar este ano em R$ 5,35.

Uma alta nos juros nos EUA, em tese, ajuda a valorizar o real frente ao dólar, uma vez que o diferencial de juros  tende a manter o Brasil atrativo para o capital estrangeiro.

“A taxa de câmbio está em um patamar muito próximo da última reunião, mas isso não tem sido utilizado pelos membros como uma desculpa ou um fator para trazer menor preocupação para as suas projeções e para desancoragem. Nesse sentido, nós avaliamos que toda a comunicação do BC vai na direção de que um aperto de política monetária é necessária”, acredita Marcela Rocha, da Principal Claritas.

‘PIBão’ e indicação de Galípolo

Na semana passada, o IBGE mostrou que a economia do país cresceu 1,4%, acima das expectativas do mercado e do próprio governo. Foi o maior crescimento em um trimestre desde o quarto trimestre de 2020, que refletia a volta da economia após dois trimestres impactos pelas consequências econômicas da pandemia de Covid-19. Com isso, o PIB projetado para 2024 saltou para perto dos 3%, aquecendo a discussão sobre os riscos inflacionários e a perspectiva de alta de juros.

“A força da atividade foi o que respaldou a nossa revisão de cenário, considerando um ciclo de aperto monetário a partir de setembro”, disse Rodolfo Margato, economista da XP. A instituição prevê altas na taxa básica de juros nas próximas quatro reuniões do Copom, com o ciclo de aperto terminando em janeiro de 2025 com a Selic a 12%.

Na visão dos analistas, a de Gabriel Galípolo para suceder Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central não terá implicações na próxima reunião do Copom, mas os votos dos membros serão acompanhados um a um com a atenção, a fim de identificar alguma divisão na diretoria do BC.

“A indicação de Galípolo pode sim refletir a abordagem do governo Lula, que enxerga o controle inflacionário também pelo aumento da oferta, e não apenas pelo ajuste nos juros. Dependendo de como Galípolo responder a isso, pode haver uma tendência a ser mais conservador, evitando aumentos agressivos nos juros”, acredita Volnei, da Multiplike.

O nome de Galípolo veio dentro do esperado e foi recebida pelo mercado. “A recente indicação de Galípolo traz uma perspectiva de continuidade nas políticas que visam estabilizar a economia e controlar a inflação, o que é essencial para manter a confiança dos investidores”, diz Alex Andrade, CEO da Swiss Capital Invest.

A votação de validação de Gabriel Galípolo para o comando do BC pelo plenário do Senado está marcada para dia 8 de outubro. Antes disso, o atual diretor de Política Monetária da entidade precisa passar por uma sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da casa, ainda sem data definida.

*Com informações da Reuters