21/12/2020 - 14:09
A aparição no Reino Unido de uma nova cepa do coronavírus, apresentada como mais infecciosa que as outras, gerou uma forte preocupação na Europa. Nada parece indicar, porém, que esta variante provoque formas mais graves da doença, ou que seja resistente às vacinas – destacam especialistas ouvidos pela AFP.
– É normal que o vírus sofra mutações?
Os vírus, como seres vivos, são dotados de material genético (DNA ou RNA), que pode estar sujeito a modificações quando se replicam (mutações) nas células em que se propagam, ou por trocas entre vírus (recombinações). Em geral, isso não costuma ter consequências, mas as mutações também podem dar ao vírus uma vantagem, ou desvantagem, para sua sobrevivência.
“Com certeza, existem milhares de variantes”, afirma a dra. Emma Hodcroft, epidemiologista na Universidade de Berna.
“O mais importante é tentar saber se esta variante tem propriedades com um impacto na saúde dos humanos, nos diagnósticos e nas vacinas”, considerou Julian Hiscox, professor de infectologia na Universidade de Liverpool, citado pelo Science Media Centre.
A nova cepa, que levou o governo britânico a soar o alarme, carrega uma mutação chamada “N501Y” na proteína Spike (espícula) do coronavírus. Por meio dela, o vírus se prende às células humanas para penetrá-las.
– Essa variante é mais infecciosa?
De acordo com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, esta cepa pode ser até 70% mais contagiosa, o que levou vários países europeus e do resto do mundo a suspenderem suas conexões aéreas e ferroviárias com o Reino Unido.
“O Reino Unido enfrentou nas últimas semanas um aumento rápido do número de casos de covid-19 no sudeste da Inglaterra”, e as análises mostram que “grande parte desses casos pertenciam” à nova mutação do vírus, afirmou no domingo o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC).
“As razões deste aumento na infecciosidade ainda não estão claras. Ainda não descobrimos se isso se deve a uma maior replicação viral, ou a uma melhor conexão com as células que cobrem nariz e pulmões”, destacou Peter Openshaw, professor de medicina experimental na Imperial College de Londres, ao Science Media Centre.
Já Emma Hodcroft foi cautelosa com a afirmação de que o vírus pode ser “70% mais infeccioso”, porque, quando as estimativas são feitas muito cedo, podem acabar mudando. “Não sabemos muito de onde saiu este número”, alertou.
Além disso, nessa região do sudeste da Inglaterra, “a imunidade de grupo da população é baixa, e o vírus encontrou um terreno para se desenvolver”, explicou à AFP o diretor adjunto do Centro de Referência Nacional dos Vírus Respiratórios do Instituto Pasteur de Paris, Vincent Enouf.
– Como essa cepa se propagou?
É difícil afirmar que esta nova cepa nasceu no Reino Unido.
Este país “é o líder mundial em sequenciamento […]. Então, se existe uma variante e ela chegar ao Reino Unido, há muitas chances de que será detectada”, apontou Emma Hodcroft. Para ela, a primeira sequência dessa nova cepa remonta a setembro.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), foram detectadas formas parecidas em vários países, como Austrália (um caso), Dinamarca (9), Holanda (1) e África do Sul. Itália também anunciou que detectou um primeiro caso no domingo.
“Apesar de não ter nascido no Reino Unido, parece que foi lá onde se desenvolveu, na Inglaterra”, estimou Emma Hodcroft.
– A vacina será menos eficaz?
Até o momento, os cientistas acham pouco provável que esta nova cepa seja resistente às vacinas atuais contra a covid-19.
“A ideia da vacina é mostrar a proteína Spike em seu conjunto ao sistema imunológico que, deste modo, aprende a reconhecer suas múltiplas partes”, explicou Emma Hodcroft. Sendo assim, “mesmo que algumas partes mudem, as outras partes permanecem para reconhecer” o vírus, afirmou.
Para Vincent Enouf, “um repertório de anticorpos deve bastar”.
“Até o momento, nada indica que esta nova cepa provoque uma taxa de mortalidade mais alta, ou que afete as vacinas e os tratamentos, mas há trabalhos urgentes em andamento para confirmar isso”, acrescentou o médico-chefe da Inglaterra, Chris Whitty.
A OMS e o ECDC chegaram à mesma conclusão.
– Afetará os testes?
“Os responsáveis dos laboratórios devem verificar com seus fornecedores se seus testes podem apresentar falhas” para esta nova variante, destacou Vincent Enouf.
Segundo o ECDC, a mudança da proteína Spike gerou falsos negativos em alguns laboratórios de teste do Reino Unido, que têm como base apenas essa proteína em suas análises.