Proposta secreta de 28 pontos incluiria exigências da Rússia, como cessão de territórios e redução do Exército ucraniano. Líderes europeus temem ser deixados de lado em negociaçõesOs Estados Unidos apresentaram uma proposta com uma lista de amplas concessões que a Ucrânia poderia fazer para potencialmente encerrar a guerra, segundo relatos da imprensa. O suposto plano de 28 pontos parece ecoar muitas das exigências maximalistas da Rússia, além de tentar trazer de volta à mesa opções já descartadas antes pelo governo ucraniano.

Sem que os detalhes da proposta sejam publicamente conhecidos, pelo menos uma fonte em anonimato afirmou à AFP que ainda não está claro quais seriam as contrapartidas russas.

Outras duas fontes disseram à Reuters que os EUA haviam sinalizado à Ucrânia que o seu governo deveria aceitar o acordo. A notícia é mal-recebida entre líderes europeus, que temem o escanteamento pela Casa Branca em favor dos interesses de Moscou.

O enviado especial dos Estados Unidos, Steve Witkoff, estaria trabalhando discretamente no plano há um mês, recebendo contribuições tanto de ucranianos quanto de russos sobre termos que seriam aceitáveis para cada lado para encerrar a guerra, segundo um alto funcionário do governo norte-americano ouvido sob anonimato pela Associated Press.

Autoridades do Pentágono chegaram nesta quinta-feira (20/11) à Ucrânia para discutir os esforços para levar a guerra a cabo, reportou, por sua vez, a BBC.

Cessão do território

Uma das grandes concessões propostas à Ucrânia é reconhecer a tomada pela Rússia de áreas atualmente anexadas ou ocupadas. Hoje, o Exército russo ocupa cerca de um quinto da Ucrânia, em grande parte devastado por mais de três anos de combates.

Em 2022, o Kremlin anexou quatro regiões ucranianas – Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson –, apesar de não mater controle total sobre elas. A península da Crimeia já havia sido anexada em 2014.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anteriormente demandou que a Ucrânia retire completamente as suas tropas de Donetsk e Lugansk, oferecendo em troca paralisar a frente de batalha em Zaporíjia e Kherson, de acordo com a Turquia, que mediou três rodadas de conversas de paz neste ano.

Por sua vez, a Ucrânia respondeu que nunca reconhecerá o controle russo sobre partes do seu território, mas admitiu que poderá ser forçada a obtê-las de volta por vias diplomáticas.

A cessão das porções que a Ucrânia ainda controla em Donetsk e Lugansk, na região industrial do Donbass, poderia deixar os ucranianos vulneráveis a futuros ataques pela Rússia. Conquistar a região já foi listado diversas vezes por Putin como seu objetivo.

Um acordo de paz que obrigue a Ucrânia a entregar território à Rússia não seria apenas profundamente impopular entre os ucranianos, como também ilegal pela Constituição do país. “É uma questão de sobrevivência do nosso país”, disse recentemente o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

Redução do Exército

De acordo com as fontes ouvidas pela AFP, a Ucrânia reduziria o seu Exército a 400 mil membros, o que significaria cortar suas forças militares em mais da metade, e renunciaria a todas as suas armas de longa alcance.

Esta é também uma demanda apresentada pelos russos nas negociações em Istambul. À época, foram solicitadas a redução das tropas, o fim do recrutamento e a interrupção do fluxo de armas enviadas pelo Ocidente.

O Kremlin também diz que não tolerará tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no solo ucraniano.

Já a Ucrânia quer garantias de segurança apoiadas pelos aliados ocidentais, incluindo uma força europeia de manutenção da paz, a fim de evitar uma nova invasão russa.

Consultas secretas

A imprensa americana reportou que o plano havia sido desenhado pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em consultas secretas com a Rússia.

“Parece que a Rússia propôs isso para os americanos, e eles aceitaram”, disse a fonte da AFP. “Não sabemos se isso realmente vem de Trump ou do seu círculo.”

Desde que voltou à Casa Branca para o segundo mandato, o republicano mudou repetida e dramaticamente suas posições sobre a guerra na Ucrânia.

Apenas neste ano, ele já apresentou opiniões diametralmente opostas, desde chamar Zelenski de “ditador” até instar o seu governo a reclamar todo o território capturado pela Rússia.

Não houve reação oficial pela Ucrânia sobre o plano. Por sua vez, a chefe de política externa da União Europeia (UE), Kaja Kallas, disse que qualquer acordo de paz precisa obter a concordância de Kiev e de Bruxelas. “Nesta guerra, há um agressor e uma vítima. Não ouvimos falar de nenhuma concessão pelo lado russo até agora,” afirmou.

Clima de desconfiança

Os relatos de um suposto plano de paz secreto aumentam a pressão sobre o presidente ucraniano, que tem visitado líderes europeus para garantir a manutenção do seu apoio. Ele enfrenta um escândalo de corrupção no seu governo, o que já derrubou ministros.

O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Johann Wadephul, afirmou que “todas as negociações sobre um cessar-fogo e sobre o desenvolvimento pacífico futuro da Ucrânia só podem ser discutidas e negociadas com a própria Ucrânia. E a Europa terá de estar incluída.”

O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou na plataforma X na noite de quarta-feira que autoridades americanas “estão e continuarão a elaborar uma lista de possíveis ideias” para um acordo de paz duradouro, o qual “exigirá que ambos os lados aceitem concessões difíceis, mas necessárias”.

Já o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse nesta quinta-feira (20/11) que “não há consultas propriamente ditas em andamento” com os Estados Unidos para encerrar a guerra na Ucrânia. “Certamente existem contatos, mas processos que possam ser chamados de consultas não estão ocorrendo”.

Diplomatas da UE acusam Putin de falta de sinceridade ao afirmar que deseja paz, mas ao mesmo tempo se recusar a fazer concessões nas negociações enquanto sustenta a desgastante guerra de atrito da Rússia na Ucrânia.

ht (AFP, Reuters, ots)