Para chegar ao poder, extremistas de direita estão copiando a estratégia do teórico italiano Antonio Gramsci, que certa vez escreveu: “A conquista cultural precede o poder político”.O sucesso do DJ italiano Gigi D’Agostino, L’amour toujours, lançado há 25 anos, ainda costuma tocar em discotecas de toda Europa. Na Alemanha, extremistas de direita sequestraram a música durante anos. Ao som da melodia, eles zombam: “Alemanha para os alemães; fora, estrangeiros!”. O slogan tem uma longa tradição no país: skinheads nazistas o entoavam já nas décadas de 1980 e 1990 e literalmente caçavam pessoas nas ruas. Esses foram os chamados “anos do taco de beisebol”. Mais de 200 pessoas foram vítimas da violência mortal da extrema direita.

Hoje, em 2025, o ódio parece ser engraçado e bem-humorado. O meme da música se espalhou em milhares de versões nas redes sociais e se tornou parte da cultura jovem. Uma porta de entrada para a ideologia de direita, mesmo na sala de aula. Um adolescente da cidade de Dessau, no leste da Alemanha, conta à DW que ele e seus amigos sempre dançam L’amour toujours em suas festas: “E então cantamos ‘Fora, estrangeiros’ – é só para ser engraçado!”. Ele afirma não ser extremista de direita e diz ser contra violência.

A paródia da extrema direita não é coincidência. Faz parte de uma estratégia política. “Hegemonia cultural” é a palavra da moda. A ideia: somente aqueles que conquistam as emoções e as mentes do público podem, em última análise, assumir e assegurar o poder político. Esse domínio cultural não pode ser decretado, mas deve ser conquistado nas mentes e nos corações das pessoas.

A ideia é muito antiga. Ela vem de Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo italiano marxista e cofundador do Partido Comunista Italiano (PCI). Ele passou os últimos 11 anos de sua vida na prisão durante o fascismo italiano de Mussolini. Foi lá que Gramsci escreveu seus Cadernos do Cárcere, em que desenvolveu seu conceito de “hegemonia cultural”.

Sonho da derrubada do sistema

“A ideia central é, na verdade, que antes de uma revolução política, que derruba um sistema, deve haver uma revolução intelectual”, explica Armin Pfahl-Traughber, cientista político, sociólogo e um dos principais especialistas alemães em extremismo de direita. “Somente depois de vencer essa revolução intelectual, por assim dizer, é que existe a chance de vencer uma revolução política.”

A estratégia de Gramsci define a relação entre uma elite intelectual e o público em geral. A tarefa dos intelectuais, diz ele, é mudar a opinião pública. Só então uma mudança fundamental no sistema pode ter sucesso.

Armin Pfahl-Traughber estudou Gramsci e sua influência na extrema direita em profundidade. Ele não acredita que muitos ideólogos do nicho tenham realmente lido o comunista italiano. O fato de ele ser marxista é secundário para eles. Seu único interesse é a estratégia. “Isso é, claro, chique, tipo: ‘Sim, estou me referindo a um marxista!’ No espectro extremista de direita, é possível, desse jeito, também se apresentar como inconformista.”

Na Alemanha, inúmeros ideólogos de direita promovem o “gramscismo de direita”. Um dos mais conhecidos é o austríaco Martin Sellner. Ele é considerado uma das pessoas mais influentes quando se trata de estratégias extremistas de direita na luta pelo poder político. Seus contatos se estendem até mesmo a setores da Alternativa para a Alemanha (AfD) classificados como extremistas de direita pelo Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), o serviço de inteligência doméstica da Alemanha. O partido está em alta há anos e se tornou a principal força política em vários estados federais alemães.

Inspirados por Gramsci, Sellner e a AfD trabalham para convencer a opinião pública de que a imigração é uma “substituição populacional”; que o bem-estar social e uma política de solidariedade com os refugiados são parte da “indústria do asilo”; e que é preciso promover a “remigração” – eufemismo para a deportação em massa de imigrantes –, inclusive daqueles que já têm cidadania alemã.

De acordo com Pfahl-Traughber, a estratégia de inundar o espaço público com conceitos apelativos como esses visa mudar a opinião pública.

Ao longo dos anos, a estratégia de Gramsci foi copiada com sucesso em todo o mundo. As campanhas eleitorais de Donald Trump nos EUA parecem exemplos clássicos do gramscismo. Muita emoção, muita explosão de popularidade, muitas mensagens simples e identificáveis: “Nós contra eles”, “Establishment contra o povo comum”, “Woke versus senso comum”. No fim das contas, tudo isso se resume a um slogan poderoso, emotivo e reconfortante: “Make America Great Again” (tornar os EUA grandiosos novamente).

A mídia e as redes sociais estão repletas de mensagens de Trump, mentiras de Trump, constrangimentos de Trump. Seus oponentes mal conseguem parar de reagir. “Hegemonia cultural” à la Gramsci.

Mas aonde leva esse desejado domínio cultural? O cientista político Armin Pfahl-Traughber vê nisso uma reivindicação de monopólio da verdade. “Na realidade, essa reivindicação ideológica frequentemente leva a consequências práticas e à busca de pelo menos uma ordem autoritária, se não totalitária.”

Muitos especialistas, agências de segurança e políticos na Alemanha também alertam contra os esforços em direção a uma ordem autoritária no que diz respeito à AfD. O partido questiona repetidamente a igualdade de tratamento de todos os alemães garantida pela Constituição. E, assim como Trump, menospreza seus oponentes, declara adversários políticos como inimigos e ataca repetidamente o Judiciário independente – o motivo: assim como Trump nos EUA, vários políticos da AfD foram condenados por crimes na Alemanha.

Sucesso nas redes sociais

A AfD está usando cada vez mais a estratégia de Gramsci: inunda a internet com slogans simples, memes supostamente engraçados e mensagens emocionais. E conseguiu estabelecer uma cultura de direita: nenhum outro partido mobiliza as redes sociais na base da emoção de forma tão estratégica e habilidosa, afirma Armin Pfahl-Traughber. “A AfD tem sido de longe pioneira nesse sentido. E isso está realmente impactando a cultura cotidiana”, diz o especialista.

Para sociedades abertas e democráticas, o “gramscismo de direita” está se tornando cada vez mais uma ameaça. E praticamente não se vê contraestratégias eficazes em andamento.