26/05/2004 - 7:00
DINHEIRO ? O que o sr. acha das diretrizes do governo Lula para o setor produtivo?
HERMANN WEVER ? A política industrial lançada recentemente, por exemplo, é louvável. Contudo, é preciso ter em mente que não é fácil fazer política industrial. É necessário conhecer em profundidade a cadeia produtiva dos setores que se pretende incentivar. A coordenação é fundamental. O Executivo fala em criar um conselho e um grupo de acompanhamento. O que precisamos, na verdade, é de um órgão com funções executivas. No entanto, acho que eles estão na direção correta. Além disso, esse projeto começa a mostrar o descolamento do governo Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao período Fernando Henrique Cardoso.
DINHEIRO ? Mas a política macroeconômica continua idêntica…
WEVER ? Não havia como fazer diferente. O governo FHC deixou uma herança pesada. Há uma diferença sensível de um governo para outro. As políticas macroeconômicas estão sendo bem administradas pela dupla Palocci-Meirelles.
DINHEIRO ? Mas o PT foi eleito exatamente porque se propunha a fazer o contrário disso.
WEVER ? Apesar dos problemas, já estamos vendo os primeiros frutos da política econômica adotada no governo Lula. Se o governo tivesse sido frouxo na questão monetária, por exemplo, certamente a inflação já teria saltado para o patamar de dois dígitos.
DINHEIRO ? Ironicamente, os problemas macroeconômicos foram gerados por um grupo de técnicos que se dizia preparado para governar…
WEVER ? O principal pecado do governo FHC foi manter o real sobrevalorizado por um tempo muito grande. Isso desestimulou a produção. Foi um erro muito grande pelo qual estamos pagando até hoje.
DINHEIRO ? É a tal da herança maldita?
WEVER ? Não sei se maldita é a palavra certa. Mas a herança existe.
DINHEIRO ? O sr. está dizendo, então, que a oposição não tem motivos para criticar a atual administração?
WEVER ? Eu acho que quem critica não está olhando para os seus próprios erros. Fazendo as contas na ponta do lápis, dá para dizer que o governo FHC foi um período muito difícil para o setor privado. Sempre houve uma certa conotação de menosprezo e um sentimento de que os industriais eram ineficientes.
DINHEIRO ? Faltava humildade para entender como o Brasil real funciona?
WEVER ? Acho que não era soberba. Porém, havia, de fato, um viés muito teórico.
DINHEIRO ? O governo Lula tem uma relação melhor com o setor produtivo?
WEVER ? Creio que sim. Os ministros Roberto Rodrigues (Agricultura) e Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), por exemplo, são mais ouvidos que os respectivos ministros dessas áreas na gestão anterior. Havia uma ditadura muito forte do Ministério da Fazenda. A herança deixada por eles é que causou a vulnerabilidade externa do País. Mesmo com os grandes esforços feitos pelo governo Lula, o Risco Brasil continua alto.
DINHEIRO ? O sr. destacaria outros avanços na gestão Lula?
WEVER ? Poucos se deram conta do seguinte: de janeiro a março deste ano o governo comprou papéis da dívida interna, indexados ao dólar, no valor aproximado de US$ 12 bilhões. Com isso, reduziu a parcela dos papéis corrigidos nessa moeda de 37% (no final do governo FHC) para 17,7% do débito total. Esse é um passo enorme para diminuir nossa vulnerabilidade externa. É certo que a relação entre o PIB e a dívida interna continua muito alta para um país como o Brasil; algo como 58%, mais que o dobro de quando o Plano Real foi lançado, em 1994.
DINHEIRO ? O spread (diferença entre os juros básicos e a taxa cobrada pelos bancos) é o mais alto do planeta. O sr. não acha que isso compromete a gestão Lula pelo lado econômico?
WEVER ? De certa forma, as taxas refletem o Risco Brasil. Podemos discutir se é justo ou não, mas o certo é que prevalece a lógica dos banqueiros. Acho que o spread é excessivo e fica difícil dizer o contrário quando vemos que o lucro dos bancos está muito acima do obtido pelo setor produtivo. Isso, no entanto, tem um lado positivo, porque mostra que o sistema financeiro do Brasil está sólido. Contudo, acho que está na hora de começarmos a crescer e, nisso, o governo não está conseguindo avançar.
DINHEIRO ? O sr. acha que falta no governo a figura do gerentão, alguém capaz de fazer a máquina andar?
WEVER ? Sem dúvida, o PT está precisando de mais tempo que o habitual para colocar a máquina em operação. E a oposição está certa quando diz que o governo está lento. Mas se a equipe econômica tiver sucesso com a política de redução gradual dos juros, haverá recursos excedentes para investir em 2005. No ano passado, o Tesouro gastou cerca de R$ 150 bilhões com o pagamento de obrigações ligadas à dívida. A expectativa é que essa parcela se reduza para algo entre R$ 110 bilhões e R$ 120 bilhões este ano. Se usarmos esse excedente para aumentar a velocidade dos investimentos públicos certamente o País vai entrar em um novo ciclo de desenvolvimento.
DINHEIRO ? Mas isso é o bastante?
WEVER ? Claro que não. Para crescermos entre 4% e 5% precisaríamos investir algo em torno de 24% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2003, ficou em 18% do PIB. Não há perigo de comprometer a estabilização, porque no passado já avançamos nesse patamar sem qualquer problema. No entanto, sem melhorias na infra-estrutura (estradas, ferrovias e garantia de fornecimento de energia), fica difícil convencer os empresários a desengavetar planos de crescimento.
DINHEIRO ? O presidente Lula foi eleito com a bandeira da esperança, mas o sentimento de frustração já começa a tomar conta de parte da população. Isso prejudica a governabilidade?
WEVER ? Fui eleitor do Serra (José Serra, candidato do PSDB), mas vejo o presidente Lula como um líder carismático que consegue, com bom senso extraordinário e palavras simples, motivar a todos. Acho que ele sempre vai conseguir ser percebido pelo povo de maneira mais positiva que o governo. As próprias pesquisas mostram isso.
DINHEIRO ? Mas a popularidade dele sofreu uma grande baixa…
WEVER ? Ninguém consegue manter o mesmo nível de aprovação do início do mandato. Agora, sem dúvida isso é preocupante. Espero que o governo consiga rapidamente resultados práticos para que a sensação do não-cumprimento das promessas não se solidifique na cabeça da população.
DINHEIRO ? O sr. acha que a saída para o Brasil é copiar cada vez mais a China, onde a vantagem é a mão-de-obra barata, ou usar a França e o Canadá como modelos?
WEVER ? A China evoluiu bastante nos últimos 15 anos. Quem fala mal da globalização se esquece que inúmeros países do Sudeste Asiático saíram do estado de pobreza absoluta para se transformarem em mercados significativos. Falar que a globalização não funciona é o mesmo que dizer que os chineses não contam. A prova de que esse processo é positivo é que o comércio chinês vem avançando a taxas superiores ao crescimento da economia mundial.
DINHEIRO ? E por que o mesmo não aconteceu por aqui?
WEVER ? A América Latina ficou um pouco à margem desse processo. Isso deve-se ao falso neoliberalismo adotado na região. Pensava-se que a abertura açodada ao capital externo, como aconteceu no Brasil, fosse a solução de todos os males. Hoje vemos que o tal Consenso de Washington é a origem de nossos problemas. O próprio Banco Mundial diz que o desempenho da América Latina está comprometido. Somos meros caudatários do crescimento acentuado dos países do Sudeste Asiático.
DINHEIRO ? O sr. acha que a política externa está sendo bem conduzida?
WEVER ? Os homens que comandam o Itamaraty, os chamados ?barbudinhos?, têm uma visão muito clara do nosso País. São profissionais muito bem preparados.
DINHEIRO ? Mesmo no setor produtivo não faltam queixas dos rumos das negociações envolvendo a Alca. O sr. concorda com os que dizem que vamos perder esse trem?
WEVER ? Temos pessoas bem preparadas para administrar um período de negociações complexas e simultâneas como o que estamos vivendo. A novidade na diplomacia é que, hoje, os diplomatas têm uma visão mais cética sobre promessas de abertura comercial que acabam não se concretizando. Foi assim na Rodada do Uruguai e em várias outras ocasiões. Eles já sabem que não podemos ceder incondicionalmente esperando resolver contenciosos, como a questão agrícola, no âmbito da Organização Mundial do Comércio. A experiência mostra que no final sempre ficamos na mão.
DINHEIRO ? E como reduzir a concentração de renda em um País onde cinco mil famílias detêm 40% do PIB?
WEVER ? Esse é um problema histórico que só pode ser resolvido com mudanças estruturais. Sei que não é fácil. As desigualdades de renda no Brasil são acintosas, mas precisam ser atacadas dentro de um ambiente democrático…
DINHEIRO ? O sr. é a favor ao imposto sobre grandes fortunas?
WEVER ? Tudo que for feito nessa direção será bem-vindo. Sou a favor de um Imposto de Renda altamente progressivo, com maior número possível de alíquotas. Para que isso dê certo, porém, é preciso uma fiscalização eficiente, evitando que apenas uns poucos paguem os tributos. Agora, de nada adianta cobrar mais impostos se o dinheiro não é usado de forma inteligente. O governo tem de melhorar a eficiência de seus gastos, aplicando mais em investimentos que no custeio da máquina pública.