A operadora de telefonia GVT pode ser considerada, para usar um termo da moda, uma anã no mercado de telecomunicações brasileiro. A Telefônica/Vivo, por exemplo, obteve uma receita líquida mais de sete vezes superior à da GVT em 2013. Juntas, a Claro, a Embratel e a NET, do grupo mexicano América Móvil, faturam 6,8 vezes mais. A luso-brasileira Oi, seis. A italiana TIM, quatro. Até mesmo a americana Sky, que atua quase exclusivamente em tevê por assinatura, está à sua frente. Com esse porte, seria razoável supor que caberia à GVT um papel secundário no negócio.

No entanto, por seu desempenho excepcional nos últimos anos, a companhia fundada pelo israelense Amos Genish e controlada pela francesa Vivendi está no centro de uma disputa que pode reconfigurar as telecomunicações no País e dar início a uma nova onda de consolidações do setor. A corrida pelo passe da GVT foi deflagrada oficialmente na terça-feira 5, quando César Alierta, CEO da Telefónica, ofereceu R$ 20,1 bilhões à Vivendi para arrematar sua subsidiária no Brasil. Pelos termos da proposta, cerca de 60% desse valor será pago em dinheiro (R$ 11,9 bilhões) e o restante em ações.

Os franceses poderiam ficar com 12% da empresa resultante da união Telefônica/Vivo e GVT. A Vivendi teria também a opção de adquirir 8,3% dos papéis que os espanhóis detêm na Telecom Italia, resolvendo um imbróglio regulatório no Brasil (um breve parêntese: o grupo espanhol é dono da Vivo e, ao mesmo tempo, o maior acionista individual da empresa que controla a TIM Brasil. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade –determinou que a Telefónica buscasse um sócio para a Vivo ou desembarcasse da Telecom Italia). Esta é a segunda tentativa da Telefónica de comprar a GVT.

Na primeira, em 2009, os espanhóis foram surpreendidos por uma oferta da Vivendi, que ganhou a disputa, pagando R$ 7 bilhões. Agora, eles tentam dar o troco. Até as ruínas do Coliseu, em Roma, e as águas do rio Sena, em Paris, sabem que a Telefónica fez um lance defensivo, tentando atravessar as negociações em andamento entre Vivendi e Telecom Italia, que poderia resultar na união de GVT e TIM, no mercado brasileiro. Não está claro ainda o teor das conversas entre franceses e italianos. Segundo a agência americana de notícias Bloomberg, as negociações aconteceriam entre Marco Patuano, presidente da operadora italiana, e Vincent Bolloré, principal acionista individual da Vivendi, que assumiu a presidência do conselho de administração em 24 de junho.

Ambos discutiriam uma aliança na qual a Vivendi ficaria com uma fatia expressiva do capital da operadora italiana. Vários cenários, segundo fontes citadas pela Bloomberg, estariam sendo analisados. “Vocês me conhecem muito bem. Eu nunca, nunca na minha vida, entrei em leilões loucos e não estou disposto a fazer ofertas loucas”, disse Patuano, na quarta-feira 6, durante teleconferência de resultados do segundo trimestre da Telecom Italia. A Vivendi, em nota, foi lacônica, limitando-se a informar que recebera a proposta da Telefónica e que a analisaria em reunião de seu conselho, no fim de agosto. Mas lembrou que, no momento, “nenhuma de suas subsidiárias está à venda”.

O surpreendente nessa movimentação dos franceses é que a Vivendi passou adiante praticamente todos os seus ativos de telecomunicações nos últimos 12 meses, em um esforço para reduzir seu pesado endividamento e focar sua atuação na área de mídia. Em outubro do ano passado, por exemplo, vendeu por € 8,2 bilhões a distribuidora de jogos eletrônicos Activision Blizzard. Um mês depois, se desfez de 53% da Maroc Telecom por € 4,2 bilhões. Em junho deste ano, recebeu mais € 13,5 bilhões pela operadora francesa SFR, comprada pelo grupo de tevê por assinatura Numericable, ficando ainda com uma fatia de 20% da empresa resultante.

A GVT também fora colocada à venda por pelo menos € 7 bilhões, em 2012. Fundos de investimentos e a americana DirecTV chegaram a apresentar propostas, que não foram aceitas pela Vivendi. “Ficamos aliviados quando tomamos a decisão de não vender a GVT”, disse uma fonte da Vivendi à DINHEIRO. Um analista do setor de telecomunicações, que não quer se identificar, no entanto, assegura: “Se os acionistas da Vivendi acharem a proposta da Telefónica boa, vão vender. Eles não são loucos de rasgar uma nota de 100 dólares”.

COBIÇADA A GVT tem sido a operadora mais rentável do mercado de telecomunicações brasileiro nos últimos anos. Sua margem Ebitda, de 41,5%, é a maior do setor. Além disso, a empresa conta com uma das redes mais modernas do Brasil. Boa parte dessa estratégia deve-se a Genish, que comprou por R$ 100 mil a concessão da Região II (Sul, Centro-Oeste e Norte do País), em 1999, tornando-a a empresa-espelho para concorrer com a Brasil Telecom, no modelo criado pelos reguladores brasileiros para estimular a competição na telefonia fixa.

“Foi uma oportunidade de negócio clara, uma daquelas que surgem apenas uma vez na vida”, disse Genish, em entrevista à DINHEIRO, em 2011. A operação, com sede em Curitiba, estreou em 2000, mas quase quebrou nos anos seguintes. Só sobreviveu devido à persistência desse ex-capitão do Exército israelense, que negociou pessoalmente com todos os fornecedores, pedindo um voto de confiança. Na época, Genish conseguiu o apoio dos credores e pôde dar a volta por cima.

Em 2007, abriu o capital da GVT, conseguindo captar mais de R$ 1 bilhão na bolsa. A ação saiu por R$ 18, o preço máximo. Ao longo do tempo, a operadora conseguiu ganhar espaço no mercado, apostando em práticas pouco usuais na área. A GVT, por exemplo, não terceirizava o atendimento de call center. Mais: até hoje, parte da remuneração de seus funcionários, inclusive a do próprio Genish, está atrelada a uma variável que depende da qualidade dos serviços prestados.

O pessoal do call center também recebe um bônus não por atender o consumidor de forma rápida (uma métrica comum no setor), mas sim pela capacidade de resolver seu problema na primeira ligação. Dessa forma, Genish passou a incomodar os grandalhões da concorrência. Quando a GVT foi comprada pela Vivendi, em 2009, ele permaneceu no comando da operação. Sua ligação com o País levou-o a naturalizar-se brasileiro e casar com a catarinense Heloísa Becker, com quem tem uma filha – Genish tem três filhos de outro casamento.

PARA ONDE VAI A GVT? A resposta a essa pergunta pode redesenhar o mercado de telecomunicações brasileiro. Se a GVT parar nas mãos da Telefônica/Vivo, dará musculatura em telefonia fixa e em banda larga ao grupo espanhol, fora do Estado de São Paulo. Mas deverá haver restrições no mercado paulista. “É claro que há concentração de mercado, mas isso será avaliado pelo Cade”, declarou o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. “Concentração nunca é bom para o consumidor, quanto mais competição melhor.”

A oferta pela GVT não deve ser vista apenas como uma forma de eliminar um concorrente incômodo em São Paulo, principal mercado dos espanhóis, mas também como uma oportunidade de fortalecer sua posição diante dos mexicanos da América Móvil, que estão prestes a unificar efetivamente as operações de Claro, Embratel e NET. “Se a Telefónica levar a GVT, tudo indica que haverá uma polarização entre espanhóis e mexicanos no mercado brasileiro”, diz uma fonte do setor, que conhece bem as duas operadoras. É uma briga que já está, de fato, acontecendo.

E a América Móvil, que pertence ao bilionário mexicano Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo, está levando a melhor – pelo menos, temporariamente. No primeiro semestre de 2014, a receita líquida de Embratel/Claro/NET foi de R$ 17,4 bilhões, uma vantagem de R$ 200 milhões sobre a Telefônica/Vivo. Em número de clientes, os mexicanos já estavam à frente dos espanhóis desde o primeiro trimestre de 2013. Com o sinal verde da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que exigiu apenas a abertura de capital da Claro, os mexicanos trabalham com a data de outubro para concluir a união de suas três operações locais.

As companhias, no entanto, já atuam de forma integrada nas ofertas comerciais. As áreas de engenharia e de tecnologia da informação também contam com estratégias comuns. “Esses departamentos se falam e se reúnem com frequência”, diz uma fonte. “Até o organograma de quem fica e onde fica já está definido.” As marcas serão mantidas, mas terão foco de atuação bem definido. A Claro vai ficar dedicada à telefonia móvel. A NET será responsável pela área fixa (banda larga e telefonia), atuando no varejo. A Embratel atenderá os grandes clientes corporativos.

O mexicano José Formoso, que hoje preside a Embratel, é considerado o favorito para presidir a nova companhia, segundo uma fonte que teve acesso ao novo organograma. A união GVT e TIM teria, na visão de analistas do setor, capacidade de fazer frente à Telefônica/Vivo e à América Móvil. “As duas empresas são muito complementares”, afirma Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, especializada em telecomunicações. A operadora da Vivendi, por exemplo, não atua em telefonia celular, justamente o forte da TIM. E os italianos carecem de ofertas em telefonia fixa e banda larga.

O acordo, que está sendo chamado pela imprensa italiana de aliança industrial, ganhou força depois da proposta da Telefónica. DINHEIRO, no entanto, apurou que as duas empresas conversam desde o ano passado. Com a eleição de Bolloré para o posto de chairman da Vivendi, as negociações ganharam outro ritmo, mais acelerado. O empresário, dono de uma das maiores fortunas da França, com um patrimônio estimado em US$ 8,6 bilhões, é também conselheiro do banco de investimento italiano Mediobanca, até recentemente acionista controlador da Telecom Italia, através da holding Telco, e que estaria apoiando uma oferta pela GVT.

Esse cenário coloca ainda mais pressão sobre a Oi. A companhia se envolveu em um gigantesco imbróglio por conta de calote de € 896 milhões da Rioforte, empresa do Banco Espírito Santo, na Portugal Telecom. Com isso, os portugueses foram obrigados a rever os termos de sua fusão com a Oi. A Portugal Telecom, que teria 37% da empresa, passou a deter aproximadamente 25% e terá ainda um prazo de seis anos para recomprar os 12% das ações, que foram parar em tesouraria.

“Foi o acordo possível”, disse Zeinal Bava, presidente da Oi, durante divulgação dos resultados do segundo trimestre, lembrando que seus termos precisam ser aprovados pelos acionistas brasileiros da Oi (a AG Telecom, do grupo Andrade Gutierrez, e a Lafonte, do grupo Jereissati) e da Portugal Telecom, além de passar pelo crivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado de capitais brasileiro. “O problema da Oi é seu endividamento”, diz Arthur Barrionuevo, professor da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. A dívida de R$ 46,2 bilhões, equivalente a 3,8 vezes sua geração de caixa, limita sua capacidade de investimento.

“Esse é um setor de capital intensivo”, diz uma fonte do mercado. “Não há espaço para quem é pequeno ou para quem não tem capacidade de investimento.” Não se deve, no entanto, subestimar a capacidade de Bava, um executivo com livre trânsito no mercado internacional e que é respeitado pelos principais bancos de investimento do mundo. No episódio RioForte, ele foi blindado pelos sócios brasileiros. A Oi ainda não pode ser considerada peça descartada desse intrincado quebra-cabeça do setor de telefonia.

Isso porque, para a TIM, caso não vença a briga pela GVT, unir-se à Oi, no médio e no longo prazo, seria uma opção viável. Até mesmo a americana AT&T pode aproveitar esse momento para fazer um movimento por aqui. DINHEIRO apurou que a companhia contratou uma consultoria para assessorá-la na observação do mercado brasileiro. Com a compra da DirecTV, em maio deste ano, a AT&T passou a ser dona da Sky. A única certeza, neste momento, é que o mercado de telecomunicações, da forma como se conhece hoje, tal qual um quebra-cabeça, deverá ser totalmente remontado nos próximos anos.