Nos últimos meses, as empresas de auditoria engalfinharam-se numa disputa sem precedentes. O estopim foi a Instrução Normativa 308, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Editada em 1999, a norma exige que a cada cinco anos as companhias de capital aberto mudem de auditoria. Com isso, de uma hora para outra cerca de 300 corporações tiveram que escolher novos auditores. Todas as empresas de auditoria criticaram ferozmente a decisão, mas, fato consumado, saíram à cata dos novos clientes. O prazo para a primeira rodada do troca-troca encerrou-se em 19 de maio passado e já é possível ter uma idéia dos efeitos provocados pelo rodízio no mercado de auditoria. E a conclusão foi unânime ? todas as empresas de auditoria, sem exceção, dizem que saíram ganhando com o rodízio. Assim, ignoram uma das verdades válidas para qualquer concorrência: a vitória de um é a derrota de outro. O ranking de auditorias divulgado pela CVM na semana passada seria, em tese, um retrato isento do primeiro balanço pós-rodízio. Mas a lista não é aceita por alguns dos participantes. ?É uma idiotice?, diz Sérgio Citeroni, sócio da Ernst & Young. ?Ela se baseia no número de clientes, sem considerar o porte deles. O que é mais importante: ter a conta de seis padarias ou a de uma indústria de petróleo??

 

No estudo da CVM, a Ernst perdeu uma posição, mas Citeroni tem outra avaliação. Segundo ele, o correto seria utilizar o patrimônio líquido como critério para mensurar o mercado. ?Nesse caso, nossa participação saltou de 7% para 18% em dois anos?, diz. Esse salto veio com a conquista da conta da Petrobras, maior empresa do País. Quem não critica o ranking da CVM é a Deloitte Touche Tohmatsu, líder neste ano. Sua maior vitória foi manter em carteira 80 clientes herdados da Arthur Andersen, que faliu em 2001. Para a CVM, essas empresas não precisariam se submeter ao rodízio, decisão que provocou polêmica. ?Foi uma canetada?, diz Fernando Alves, presidente da PricewaterhouseCoopers, que deixou a liderança da lista da CVM. Alcides Hellmeister Filho, presidente da Deloitte, afirma que os ex-clientes da Andersen vieram espontaneamente.

 

Como vice-líder, a Price perdeu, não é? Não, dizem os executivos da empresa. ?Neste ano, nossa receita crescerá 13% a 14%?, diz Alves. A Price fatura por ano US$ 130 milhões no Brasil. Desse total, apenas US$ 7 milhões vêm do grupo de clientes submetidos ao rodízio. ?Algumas das empresas que perdemos nos chamaram para prestar serviços de consultoria?, conta Henrique Luz, diretor da Price. Outros doze mantiveram o contrato com a Price para a auditoria das contas em dólar, exigidas pela SEC, a CVM dos Estados Unidos. Entre tantas vitórias cantadas, uma parece inegável, a da brasileira Trevisan, que saltou do quinto para o terceiro posto. ?Crescemos no vácuo das grandes empresas?, festeja Carlos Alberto Assmann, diretor geral da Trevisan. Ele prevê que, ao final do processo, terá adicionado 60 novos logotipos à carteira de clientes. Com isso, estima um incremento de 30% nas receitas desse segmento responsável por metade do faturamento total, previsto para R$ 100 milhões este ano. ?Quem festeja agora pode acabar chorando amanhã?, alerta Pedro Melo, sócio da KPMG. O tom ácido deve-se ao verdadeiro vale-tudo no que se transformou a disputa por novas contas. Fala-se em descontos de até 30%. Para Melo, a KPMG saiu fortalecida do processo mesmo tendo aberto mão da Suzano e das companhias não financeiras do Grupo Itaú (Duratex, Itautec, Deca, entre outras). ?Perdemos cinco grupos mas ganhamos outros oito?, afirma ele. É mais um vitorioso em um processo de concorrência, no qual todos dizem ter ganho, sem que ninguém tenha perdido.