17/10/2012 - 21:00
Há cerca de três anos, o paulistano Leandro Roque Oliveira percorria estações de metrô de São Paulo, especialmente na zona norte, onde vivia, para vender um CD com mais de 20 raps que ele mesmo havia composto. Na verdade, não era bem um CD, mas aquilo que no jargão se chama de mixtape – uma espécie de coletânea de faixas musicais. Bancado com recursos próprios e gravado em estúdios modestos, ao melhor estilo “faça você mesmo”, o disco vinha embalado em papel e custava somente R$ 2. “De tão barato, tinha gente que pensava que era CD virgem”, afirma Oliveira. Pois a iniciativa deu certo. Contando com as unidades vendidas em seus shows, que começavam a ser mais requisitados, Oliveira diz ter comercializado mais de 30 mil cópias até hoje.
Administração e arte: Fundador do Laboratório Fantasma, Emicida mantém carreira solo
O bom desempenho foi impulsionado pela internet, com produção de vídeos e distribuição gratuita de suas músicas na rede. A audiência de seus clipes, por exemplo, exibe números milionários. “Triunfo” (3,6 milhões de visualizações), e “Rua Augusta” (1,5 milhão) são apenas dois exemplos. Começava assim, com o apoio dos canais digitais, a carreira de um dos rappers brasileiros mais badalados da atualidade, o Emicida, apelido que Oliveira ganhou por constantemente vencer disputas de rimas com outros MCs. “Por causa disso, me chamavam de homicida”, lembra. “Pedi que trocassem para Emicida.” Hoje, esse paulistano de 27 anos, criado em Cachoeira, bairro da periferia da capital, já estrelou uma ação de marketing da Intel e atualmente protagoniza uma campanha publicitária da LG.
Mas não é só na área artística e no marketing que Emicida faz sucesso. O espírito empreendedor demonstrado na construção de sua carreira musical também o levou a se tornar um promissor empresário. Sua empresa, a Laboratório Fantasma, fundada em 2009, em sociedade com o irmão Evandro Fiotti, tem um faturamento ainda modesto – deve chegar a R$ 1,4 milhão em 2012 –, mas com taxas vertiginosas de crescimento: 400% ao ano em média. A empresa aposta num modelo de atuação adaptado para a era digital, capaz de inspirar toda a cadeia de negócios do setor. Ela funciona como um selo musical, produzindo álbuns de grupos novos, e também agencia carreiras de artistas e desenvolve estratégias de marketing nas redes sociais.
Processador: Intel chamou Emicida para improvisar rimas, enquanto seu cérebro era monitorado
Além disso, atua na área de comércio eletrônico, vendendo diversos produtos – CDs, camisetas, bonés e moletons, entre outros – ligados aos músicos contratados. Desde o ano passado, esses itens são responsáveis pela maior parte do faturamento da Laboratório Fantasma, que já emprega dez pessoas e deve contratar outras quatro ainda neste ano. “Hoje, não basta gravar um CD e descansar. É preciso fazer mais, e a internet é uma aliada nesse sentido”, afirma Emicida, que diz não se importar com a pirataria. “O CD virou um suporte para pegar autógrafo”, diz. Além de fonte de negócios, ele enxerga a internet como uma vitrine para a “democracia musical brasileira”, que não estaria bem representada nas rádios e tevês.
É como diz a letra de “I love quebrada”. “Hoje tudo é hi-tech, wi-fi, internet, bluetooth, mil grau.” É por essas e outras que o mercado digital já identificou em Emicida uma boa conexão para gerar negócios ou ações de comunicação. A americana Rockstar, uma das maiores produtoras de games do mundo, por exemplo, o convidou para criar uma música (“9 círculos”) especialmente para Max Payne 3, jogo ambientado em São Paulo e lançado neste ano. Já a Intel desenvolveu, em 2011, um projeto com Emicida para divulgar um de seus processadores. A ação, idealizada pela agência de propaganda DM9DDB, consistia em um show interativo no Pavilhão da Bienal, na capital paulista, no qual Emicida foi transformado em uma espécie de processador.
Seu cérebro foi conectado a computadores, enquanto ele era desafiado a criar rimas a partir de palavras sugeridas pelo público, via Twitter. Os impulsos cerebrais do rapper foram monitorados e geraram figuras em telões espalhados no palco, para ressaltar características dos produtos da marca. “Pensamos numa ação desse tipo com o Emicida porque estávamos divulgando o lançamento do processador i7, que ajuda no processamento de imagens complexas”, diz Bruno Tozzini, diretor de criação associado da DM9DDB. Depois, de forma espontânea, Emicida mencionou a Intel na letra de “Zica vai lá”, cantada com o irmão Fiotti e cujo videoclipe tem a participação do craque Neymar: “Tô tão bem nas esquina / que a Intel patrocina / E nem sei o que tem a ver processador e rima.”
O diretor de marketing da Intel Brasil, Cássio Tietê, que não sabia da existência dessa música até ser informado pela Dinheiro, arriscou uma resposta a Emicida: “Processador e rima têm a ver com inteligência.” No Laboratório Fantasma, o rapper coloca a tecnologia a serviço de seus agenciados. Com 312 mil seguidores no Twitter e 380 mil fãs no Facebook, Emicida usa sua influência para chancelar os artistas do selo, como Rael da Rima, vencedor neste ano do Estúdio Windows, competição por voto popular na internet, fruto de uma parceria da Microsoft com a gravadora Trama.
Nesse ponto, a inspiração vem dos EUA, onde rappers como Eminem e Jay Z usam sua notoriedade para impulsionar novos talentos e fazer negócios. No Brasil, no entanto, a associação de dinheiro e arte ainda permanece um tabu no mundo do rap. Para o produtor musical e compositor Thomas Roth, ex-jurado do programa do SBT Ídolos, o rap paga o preço por ser um gênero sério e que tem muito a dizer. “A maioria dos artistas vem de camadas sociais mais modestas e existe um preconceito natural”, afirma Roth. É por isso, segundo Roth, que empresas como o Laboratório Fantasma podem contribuir para uma maior profissionalização dos artistas do hip-hop. Podem, também, indicar um novo caminho para os negócios do mercado da música.
Rap-presentação
Emicida segue os passos de rappers internacionais, como Jay-Z, conhecido por usar sua fama para lançar artistas e abrir novas frentes de negócios. O americano hoje tem uma participação no time de basquete Brooklin Nets, criou a grife Rocawear e é o proprietário da cadeia de bares 40/40 Club. Ele, porém, não abandonou a carreira artística e foi eleito pela Billboard o décimo artista mais importante dos anos 2000.