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“Nunca briguei com o Mielle. Foi ele quem saiu sem dizer tchau”

 

 

DINHEIRO ? Quanto custa montar o Fashion Week?

BORGES ? Esta edição está custando R$ 6 milhões. Não é chute, é custo controlado em planilha, a cada hora. Quem organiza ao longo do ano é um núcleo básico de cinco pessoas, os sócios da Luminosidade, mais uma equipe que não chega a 20 pessoas. Um mês antes do evento os 20 viram 60 e na véspera da abertura são mais de 1.500 pessoas trabalhando.

DINHEIRO ? Qual é o seu papel nessa engrenagem?
BORGES ? Eu costuro as relações. Sou meio síndico, tomo conta da grama.

DINHEIRO ? Como o sr. consegue botar todos os egos da moda no mesmo balaio?
BORGES ? Pois é… Eu finjo que não estou ouvindo muito, porque se você der muita importância a esses egos você não faz nada. Tem de pegar a energia positiva e deixar passar a energia negativa, como no tai-chi, que eu costumava praticar.

DINHEIRO ? Mas o sr. teve uma briga com o Carlos Miele, da M.Oficcer, e ele
deixou de desfilar no Brasil…
BORGES ? Não posso chamar de briga porque eu nunca briguei com ele. Aquilo foi o quê, uma desavença? O fato é que ele saiu e nem disse tchau. A gente não pediu e nem mandou sair. Foi decisão dele. É preciso lembrar que a moda é uma cadeia de relações. Ninguém é mais importante que o todo.

DINHEIRO ? Nem o sr.?
BORGES ? Muito menos eu.

DINHEIRO ? A empresa da qual é sócio ganha dinheiro com o Fashion Week?
BORGES ? Ganha menos do que deveria ganhar. A gente acredita que está
plantando e por isso investe muito mais do que uma empresa normal investiria. Nosso faturamento anual está em torno de R$ 16 milhões, mas a gente torra esse dinheiro. Só para climatizar o ambiente da São Paulo Fashion Week e manter tudo fresquinho custa R$ 400 mil.

DINHEIRO ? Quem paga a conta?
BORGES ? Os patrocinadores. Graças a Deus a gente se relaciona muito bem com os patrocinadores (bate na madeira três vezes). Temos uma fila de empresas que querem patrocinar o evento, mas a gente procura manter ao máximo as que já estão conosco, com contratos de três anos.

DINHEIRO ? Quanto do evento depende da sua presença?
BORGES ? Pouco. Óbvio que eu estou aqui olhando, checando, vendo. Quando eu chego as pessoas dizem que ficam mais calmas. Nessa função não tenho substituto.

DINHEIRO ? Uma pessoa que tivesse visto o primeiro Fashion Week em 1996 reconheceria o evento atual?
BORGES ? O evento é o que era essencialmente, porque a coluna vertebral é a organização de um calendário brasileiro de moda. Mas ele cresceu, amadureceu, se profissionalizou. A gente hoje consegue ter uma estrutura superior até mesmo à das semanas internacionais em Milão e Paris.

DINHEIRO ? Os desfiles brasileiros repercutem no exterior?
BORGES ? Hoje a gente está na cobertura internacional. A imprensa de moda européia dá mais atenção à São Paulo Fashion Week do que a Nova York.
São Paulo tem o único evento de moda fora do eixo Milão?Paris?Nova York que
está na cobertura internacional. Obviamente temos menos espaços do que Paris e Milão, mas estamos na mesma cobertura.

DINHEIRO ? Não vale a história de que a organização brasileira é sempre
de segunda?
BORGES ? De forma nenhuma. Se há uma coisa que a gente conseguiu foi fazer um evento de primeiríssimo mundo. Nossas modelos, por exemplo, são as mais olhadas e mais desejadas do mundo. Viramos um celeiro lançador de modelos.

DINHEIRO ? O fato de que não venham para cá grandes modelos estrangeiras significa o quê?
BORGES ? Não temos mais modelos de fora por uma questão de moeda. Lá elas ganham em euro ou em dólar. A semana de Milão também tem 130 desfiles, enquanto Paris tem 150. Aqui são 47 desfiles, pagos em real. Não viabiliza a
vinda dessas modelos.

 

DINHEIRO ? Qual a importância das
modelos bonitas para um evento empresarial como o Fashion Week?
BORGES ? Elas são fundamentais porque levam a imagem da moda para o grande público. A moda até os anos 60 era muito autoral e muito ditatorial, mas agora isso mudou. Os estilistas passaram a olhar para as ruas. A moda feita pela burguesia para a burguesia começou a ser inspirada nas pessoas comuns e voltada para elas. Há uma roupa muito cara e outra muito barata e as duas podem estar na moda. As modelos ajudam a levar essas idéias para o público.

DINHEIRO ? Qual é a contribuição brasileira ao mundo da moda?
BORGES ? A gente está descobrindo. O fato é que somos um lugar novo que está fazendo uma coisa fresca. A moda precisa disso. O brasileiro não tem travas, não é oprimido e nem opaco. O brasileiro é colorido, vibrante, diverso. A nossa moda expressa isso, mas ainda está em construção. A Itália levou 20 anos para construir o conceito da moda italiana. A percepção de que havia um design italiano de qualidade surgiu nos anos 70, depois de 20 anos de acumulação.

DINHEIRO ? Estamos no mesmo caminho?
BORGES ? Nitidamente. Já se percebe uma influência clara da beleza brasileira no conceito de beleza global. O mundo inteiro começa a falar de etnia na moda, de estampas na moda. São coisas pequenas, mas perceptíveis para quem é do meio. O Amir Slama, da Rosa Chá, por exemplo, suspendeu a cava dos biquínis femininos e das sungas masculinas e a Dolce Gabbana mudou na mesma direção.

DINHEIRO ? Alguns compradores estrangeiros comentam que a moda brasileira é muito criativa mas ainda mal acabada, que falta qualidade industrial ao produto.
BORGES ? Acho que existe um pouco disso, mas é decorrência de uma política errada. O País ainda não investiu na indústria da moda. A gente não conseguiu construir uma mão- de-obra qualificada. Não adianta apenas falar em exportação. Exportar o quê? Matéria-prima? Tem de ter gente qualificada para exportar design e valor agregado, porque é essa a nossa vocação.

DINHEIRO ? Onde está a falha na cadeia?
BORGES ? Não houve investimento na formação técnica, profissional. Não se investiu na formação do modelista, da costureira, do alfaiate, da bordadeira. A indústria brasileira só vai sobreviver se a gente tiver uma confecção forte.

DINHEIRO ? O Fashion Week ajuda a mudar isso?
BORGES ? Fazemos a nossa parte. As nossas referências há 10 anos vinham do mercado europeu. As revistas de moda faziam seus editoriais baseadas nas imagens européias. O setor têxtil apostava nas ?tendências? internacionais e obrigava os estilistas e confeccionistas brasileiros a se enquadrarem. Era um sistema engessado. Demorou 10 anos, mas hoje, na moda brasileira, todo mundo trabalha com um universo cultural do seu próprio país, da sua própria cultura.

DINHEIRO ? O Fashion Week já conseguiu criar um sincronismo entre os vários setores da indústria, como acontece nos mercados mais desenvolvidos?
BORGES ? A indústria ainda não conseguiu se adequar completamente a essa necessidade. Ainda é meio na base de eu faço hoje para comer amanhã. Uma parte da indústria está engrenada, mas uma parte sozinha não resolve. Todo o mercado tem de estar fazendo da mesma forma.

DINHEIRO ? Onde está o erro?
BORGES ? Vem da política. Não existe uma linha de pensamento afinada com o mercado global. Não há linhas de crédito suficiente para investimento em exportação, em tecnologia, em confecção. Se anunciam coisas que na prática não acontecem. A gente conseguiu criar um desejo sobre moda brasileira que pouquíssimos países conseguiram. Agora temos de ocupar esse espaço. Aqui no Fashion Week entendemos que agora é o momento de dar o grande salto: a quantidade tem de ser igual à qualidade e à identidade.

DINHEIRO ? Como funciona esse negócio de exportar para as grandes lojas e cadeias européias?
BORGES ? Para esse mercado global marca é muito sério. Eles primeiro querem saber se a sua marca é estável em termos de qualidade e identidade. Ficam observando. Aí eles começam a comprar em pequenos volumes, para saber se você vai entregar corretamente. Estamos na fase de observação e de pequenas compras.

DINHEIRO ? Parece que há este ano uma nova geração de estilistas…
BORGES ? Esse é o grande frescor da moda. No mundo inteiro o que move esse negócio é o novo. É um pouco cruel, mas a novidade mexe toda a cadeia produtiva. Os jovens trazem o frescor de que o mercado necessita.

DINHEIRO ? Esses jovens estilistas estão preparados para lidar com os aspectos práticos do mercado?
BORGES ? Têm de estar, porque já são pessoas jurídicas e o negócio é todo tocado por eles. O designer pensa, vende, compra o tecido, manda costurar e manda entregar. Ele faz tudo. Lá fora, não. Lá tem uma indústria que trabalha para o designer. Ele cria a coleção com um assistente, num estúdio de 30 metros, e a estrutura cuida do resto.

DINHEIRO ? Em quanto tempo o sr. acha que a gente chega nisso no Brasil?
BORGES ? Mais uns dez anos.