Às vésperas do Natal de 1983, acompanhei Olacyr de Moraes numa viagem à fazenda Itamarati, em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, a bordo de um jatinho Citation. Ainda na pista do aeroporto da fazenda, que à época tinha as mesmas dimensões do de Congonhas, em São Paulo, Olacyr, como era mais conhecido nos meios empresariais e políticos, entregou um vaso com uma pequena planta ao engenheiro agrônomo Alberto Nomura, administrador da propriedade. Tratava-se de uma preciosa muda de Sequóia Sempervirens, árvore gigantesca, que em seu habitat natural, a Califórnia, alcança uma altura superior a 100 metros.

Cabia a Nomura encontrar o lugar mais adequado para plantá-la no vasto jardim que circundava a casa principal, com 1.200m2 de área construída, da Itamarati. Patrão e empregado sabiam que jamais conseguiriam ver a “segoia”, como a chamava o primeiro, em sua plenitude – afinal, a longevidade da espécie chega a quatro mil anos. “No máximo, a gente acompanha os primeiros 500 anos”, disse Olacyr, bem humorado, então com 52 anos de idade. Num País em que, para um grande número de investidores e empresários, o longo prazo não ultrapassa o tempo de maturação de um pé de alface, o plantio da sequóia revelava muito do espírito empreendedor e visionário do homem que chegou a criar um império de mais de 40 empresas.

À época, quando já ostentava o título de “rei da soja”, graças à produção colhida nos 50 mil hectares da fazenda de Ponta Porã, seus negócios eram avaliados em US$ 500 milhões. Essa cifra dobrou na década seguinte, que registrou ao mesmo tempo o apogeu e o declínio do grupo Itamarati. Olacyr faleceu na terça-feira 16, aos 84 anos, vítima de um câncer de pâncreas. Nascido em Itápolis, no interior paulista, era o típico self-made man. Começou a trabalhar com o pai Augusto no Expresso Foguete, uma pequena entregadora de encomendas, adquirida no imediato pós-Guerra.

Em 1950, aos 19 anos, juntamente com o pai e o irmão Odimir, criou uma empresa que transportava pedras para a pavimentação de ruas, a serviço da prefeitura de São Paulo. Mais tarde, como a pavimentação era terceirizada, veio a idéia de entrar nessa atividade. Surgia, em 1957, a Constran, que bafejada pelos ventos progressistas da era JK, logo deslanchou, tornando-se uma das principais empreiteiras nacionais. Os primeiros trechos do metrô de São Paulo, na década de 1970, levam a sua assinatura. A Constran, comprada pela UTC, do empresário Ricardo Pessoa, em 2010, foi a base que sustentou o processo de diversificação dos negócios de Olacyr.

Em 1963, ocorreu o ingresso no setor financeiro, com o Banco Itamarati, em sociedade com o pecuarista Tião Maia, então o maior criador de gado do Brasil. A parceria se desfez, no ano seguinte, com o golpe militar, por iniciativa de Olacyr. Preocupado com possíveis retaliações, devido às ligações de Maia com o deposto presidente João Goulart, ele procurou o sócio. “Tião, ou você compra a minha parte ou eu compro a sua”, disse na ocasião. Olacyr ficou com o banco, vendido em 1996 ao BCN, do banqueiro Pedro Conde, que foi incorporado anos depois pelo Bradesco.

Na verdade, o papel de banqueiro o incomodava, até certo ponto. “O banqueiro é sempre malvisto, embora injustamente”, dizia. Na verdade, o que ele mais gostava de ser, mesmo, era agricultor. A atividade passou a fazer parte do seu DNA em 1973, com a Itamarati. Ali, cultivou milho, arroz, trigo e algodão e, principalmente, soja. Para que a produção dessa oleaginosa desse certo nas terras do Cerrado, Olacyr recorreu às pesquisas da Embrapa e da Universidade Federal de Viçosa, que chegaram a desenvolver centenas de variedades de sementes, até finalmente encontrar uma que se adaptasse à região.

A experiência foi replicada mais tarde na Itamarati Norte, no município de Diamantino, em Mato Grosso. Ao todo, Olacyr chegou a possuir 300 mil hectares de terras, que o transformaram no maior produtor individual de soja do mundo. A partir da segunda metade dos anos 1990, endividado por alguns investimentos mal planejados, como o da ferrovia Ferronorte, que escoaria os grãos produzidos no Centro-Oeste para os portos do Sudeste, e se ressentindo da escassez das obras governamentais para a Constran, o império montado por Olacyr começou a vergar, premido por uma dívida gigantesca de R$ 1 bilhão.

Uma a uma, as jóias da coroa foram passadas adiante, inclusive sua amada Itamarati, vendida ao Incra. O arrecadado não foi suficiente para quitar os débitos. Mesmo assim, Olacyr, cujo maior sonho era pagar tudo o que devia, não jogou a toalha. Seu último empreendimento foi a mineradora Itaoeste, na Bahia, dona de jazidas de tálio, material utilizado na indústria de informática, que ele tentava viabilizar até seus últimos dias. “Não irei me aposentar”, disse certa vez. “Sempre vou investir e ir à luta.”