DINHEIRO ? Qual a avaliação que o senhor faz das últimas medidas do governo brasileiro na área de saúde, que praticamente obrigam os planos a oferecerem todos os serviços?
AURIEMO ? Eu sou absolutamente contra. Mas antes é preciso entender a origem do sistema de saúde no Brasil. As pessoas procuram medicina privada porque o sistema público simplesmente não funciona. No mundo inteiro, não existe sistema público bom. O primeiro-ministro britânico Tony Blair, por exemplo, anunciou recentemente o maior plano de privatização de saúde do mundo neste ano: 65 bilhões de libras esterlinas. Isso quer dizer muita coisa. O estado não tem condições de garantir total disponibilidade de saúde para todos os cidadãos, porque o setor de saúde está em constante evolução. A conta é simples. Do total do orçamento, público e privado, destinado à saúde, o governo fica com 46% para atender 85% da população brasileira. Os outros 15% da população, atendidos pelo sistema privado, absorvem mais de 50% da receita. Só esta diferença de dinheiro mostra que o governo precisa ter um orçamento triplicado para dar um atendimento parecido com o do setor privado. No que se refere à saúde o rei está nu.

DINHEIRO ? Mas qual exatamente o ponto da nova legislação que desagrada o setor?
AURIEMO ? Fizeram algo que inviabilizou o sistema, porque a lei te vende um Volkswagen e manda as empresas te entregarem um Mercedes-Benz. Alguém terá que pagar essa conta. Você compra um plano X e o governo diz que é obrigação dar tudo, mas não viabiliza recursos para isso. Gosto sempre de fazer uma analogia com a telefonia celular. Quantos telefones celulares tinha o Brasil antes de 1998? Algo como 400 mil. Hoje, temos 65 milhões. Qual é o gasto médio de um celular? É por volta de R$ 50. Por que as pessoas gastam R$ 50 numa conta de celular e não têm um plano de saúde básico de R$ 50? Algo foi feito no passado, que tornou o celular disponível. Na saúde, nós vamos precisar passar por isso. É necessário que alguém diga que cada um de nós será responsável pela própria saúde. O paciente tem que entender quais são as suas necessidade e optar por este ou aquele sistema de financiamento. No Chile, tem algo interessante. Ao invés de o trabalhador chileno ser descontado na folha de pagamento, ele recebe a quantia e vai procurar o melhor seguro para ele. É uma regra nova.

DINHEIRO ? O senhor acredita que o modelo de saúde no Brasil caminha para um colapso?
AURIEMO ? Ele já está em colapso. Só não aparece, porque está sendo abafado. Tecnicamente, todos sabem que está quebrado. Eu duvido que qualquer pessoa em sã consciência não saiba que o sistema atual é inviável. Para quem não é casado interessa um plano de saúde que tenha parto? Não. Pois é, o governo não deixa você escolher um plano sem parto. Estamos engessados. Milhares de cientistas pesquisam para prolongar a vida das pessoas. Se tudo der certo, você vai viver mais. E, hoje, o plano de saúde torce para que você morra aos 30 anos, porque aí você pagou e não vai usar. O sistema está tão engessado que, se a medicina der certo, ele quebra. Deveria ser o contrário. Que bom! Uma pessoa vai viver até os 100 anos e eu vou ter cliente até lá. Ou seja, o sistema está invertido.

DINHEIRO ? Qual é a participação da medicina diagnóstica no total de gastos do setor de saúde?
AURIEMO ? Antes é preciso entender que as novidades da medicina acontecem na terapêutica e no setor de diagnósticos. Então, é natural que os preços sofram reajustes nesses segmentos. A medicina diagnóstica representa entre 10% e 11% dos gastos em saúde. Só que ela influencia 90% das decisões nessa área, de acordo com o Institute of Medicine. Mas se esses 10% fossem muito bem gastos, haveria a possibilidade de reduzir o impacto dos outros 90%. Você internaria menos. Só que a diagnóstica alimenta o discurso fácil de que a saúde é cara, que é um tipo de exame sofisticado. Mas o que é sofisticado? É sofisticado até você não precisar dele, porque no dia que você precisar, achará indispensável.

DINHEIRO ? Antes de ganhar as eleições, o presidente Lula sempre defendeu uma saúde de qualidade. O atual cenário decepciona?
AURIEMO ? Eu não tenho essa experiência política, mas não acho que governo algum conseguirá fazer sozinho essa mudança. Eu acredito que tivemos uma distorção no governo Fernando Henrique, porque o então ministro da Saúde José Serra tinha uma visão assistencialista. Hoje, pelo menos, há uma discussão diferente. A França desestatizou. A Inglaterra iniciou o processo. Não havia essa discussão há cinco anos.

DINHEIRO ? Como o governo poderia encontrar recursos para viabilizar uma saúde de qualidade?
AURIEMO ? Ele poderia buscar nos mesmos lugares da telecomunicação. Existia dinheiro para fazer essa revolução na telecomunicação? Não. Mas deram um jeito.

DINHEIRO ? Mas as telecomunicações passaram por um processo de privatização? O senhor defende a privatização da saúde?
AURIEMO ? Se a resposta for privatização, eu defendo. O que sei é que não havia telefone barato e, de repente, começamos a ter isso. Qualquer coisa que dê acesso à saúde, eu a defendo. O que não pode é ser sacerdócio, ser caridade.

DINHEIRO ? O senhor acha que a saúde no Brasil carrega o estigma de caridade?
AURIEMO ? Não vou mentir para você. As pessoas não admitem que você ganhe dinheiro em saúde. Parece que é negócio de padre, de santa casa ou de algum benemérito, que tem muitos recursos e pode construir um hospital ou comprar um aparelho para a clínica. Agora, você nasce e, antes de saúde, você precisa se preocupar com alimentação. Alguém acha ruim supermercado ganhar dinheiro? Não.

DINHEIRO ? O senhor acha que existe alguém disposto a enfrentar a delicada situação da saúde no Brasil?
AURIEMO ? Quem enfrentar esse problema será o mais popular possível. Hoje, nós já estamos no inferno. Nem quem tem dinheiro no Brasil consegue saúde de qualidade. Muitas vezes, você passa em um, dois médicos e não sabe o que fazer. No fim, é você mesmo que tenta descobrir o seu problema. Às vezes você esquece de falar na consulta que teve uma doença que pode influenciar seu problema atual. Acontece. Agora, se existisse uma saúde organizada, haveria um arquivo único de paciente, com toda a sua história. Tem mais. Sabe quanto um convênio médico paga por uma consulta? Cerca de R$ 15 e o recebimento é em 60 dias. Como o médico vai ficar com você meia hora?

DINHEIRO ? A Diagnósticos da América só encontra mercado na medicina privada. Como o senhor avalia o SUS?
AURIEMO ? Nós já atendemos o SUS no passado. E nossa meta é voltar a trabalhar com eles, porque queremos ter um grau de segmentação que nos permita isso. O SUS está desorganizado. Ainda não existe uma estrutura e clareza de definições, que permitam esse atendimento.

DINHEIRO ? O SUS é vital para o crescimento do grupo?
AURIEMO ? O SUS não é necessário para o nosso crescimento. É necessário para atender todas as classes sociais com qualidade. A empresa tem 6% ou 7% de mercado e qualquer companhia que deseja consolidar o setor precisa ter entre 15% e 20%. E o SUS não traz nada disso.

DINHEIRO ? Qual é o papel da sua empresa nesse setor?
AURIEMO ? Seremos uma companhia responsável pela consolidação de mercado. Agora, não sei dizer se estaremos sozinhos. É possível que tenhamos 15% de participação em uma década.

DINHEIRO ? Quais são os próximos passos da companhia?
AURIEMO ? Fazer mais do mesmo. Acreditamos no modelo de multiproduto, ou seja, atender a todas as classes.

DINHEIRO ? Como é o setor de análises clínicas no mundo?
AURIEMO ? Houve uma consolidação. Só para se ter uma idéia, só existem duas grandes redes de laboratórios nos Estados Unidos e Canadá. Uma delas é o LabCorp. Na Europa, tem uma grande rede, que chama Unilabs. Na Ásia tem o Sonic. Isso trouxe reflexos no mercado. Os fabricantes de equipamentos também passaram a trabalhar só com esses grandes laboratórios.

DINHEIRO ? A consolidação foi a grande alavanca para o senhor abrir o capital?
AURIEMO ? Precisávamos de recursos para viabilizar o crescimento. Essa empresa vai se tornar uma companhia pública de fato. Nós ainda iremos muitas vezes ao mercado. A idéia é pulverizar e tornar a Diagnósticos uma empresa pública. Eu ficarei como minoritário, sem nenhum problema. Nós somos o passageiro, porque o trem é a empresa. Aqui, o médico é médico. Administrador é administrador. Não tenho filhos no grupo. Eu estou presidente, não sou presidente.

DINHEIRO ? O senhor tem planos de montar laboratórios no exterior?
AURIEMO ? Sim. Por isso, a empresa é chamada de Diagnósticos da América e não Diagnósticos do Brasil. Nós temos planos, embora nosso foco seja o Brasil. Vai depender das oportunidades. Há empresas em análise. A expectativa é que façamos aquisições suficientes para dar um aumento de receita anual de R$ 100 milhões e mais R$ 100 milhões de crescimento orgânico. Ao todo, um aumento de vendas de R$ 200 milhões em 2005.

DINHEIRO ? A empresa tem registrado prejuízos nos últimos anos. Quais são os motivos dessas perdas?
AURIEMO ? É fruto do modelo brasileiro de contabilidade. É a amortização de ágio das aquisições.

DINHEIRO ? Apesar do ritmo de consolidação, a companhia ainda está distante de estar presente em todo Brasil? Os próximos passos já estão definidos?
AURIEMO ? Temos 163 unidades e estamos em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Brasília. Mas não posso revelar os próximos movimentos. Nós fazemos medicina privada e isso existe nas principais capitais no Brasil.

DINHEIRO ? Qual é a sua avaliação do governo Lula?
AURIEMO ? Os resultados são absolutamente fantásticos. Ninguém esperava que o presidente fosse ter essa presença na economia. Ele mostra que tem influência e capacidade. É interessante observar também que o Brasil mudou. Não importa mais o governante. O País passou a ser mais importante que ideologias partidárias. Há hoje o compromisso com a nação. Demos um passo enorme nesse sentido.