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Poucas empresas souberam navegar (e sobreviver) aos tempos heroicos do comércio eletrônico no Brasil, no fim dos anos 1990, como o Submarino. Um dos pioneiros da atividade, criado em 1999, sete anos depois uniu-se à Americanas.com, dando origem à B2W, maior operação online de compras do País. Naquela época, as duas companhias detinham 70% do mercado, beneficiando-se da falta de concorrentes de maior porte e da maneira titubeante com que os varejistas tradicionais aderiram às vendas pela internet. Eram tempos de vento a favor. 

 

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Entre 2006 e 2010, a receita líquida da companhia foi multiplicada por 2,5 vezes, quando chegou a R$ 4 bilhões. Nesse período, o lucro vinha fácil. Os ganhos somados atingiram R$ 216,6 milhões. Nos últimos quatro anos, no entanto, a B2W passou a enfrentar águas turbulentas. De máquina de fazer dinheiro e referência do comércio virtual, a dona das marcas Submarino, Americanas.com e ShopTime transformou-se na ovelha negra da constelação de empresas dos lendários empresários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, que a controlam indiretamente. 

 

Os três empreendedores são donos ainda da rede varejista Lojas Americanas, estão no grupo de controle da cervejaria AB InBev, que fabrica a Budweiser, e, por meio do fundo 3G Capital, mandam na rede de fast-food Burger King e na fabricante americana de ketchups Heinz. Nesta última, em sociedade com o megainvestidor americano Warren Buffett. De 2011 a 2013 (incluídos apenas os nove primeiros meses do ano passado), o prejuízo acumulado da B2W atingiu R$ 408,9 milhões. Seu faturamento nesses três anos avançou 38%, para estimados R$ 5,8 bilhões, em 2013. É um desempenho interessante, porém abaixo do ritmo de expansão do setor, que cresceu 54% no mesmo período. 

 

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Pane logística: centro de distribuição da B2W, que sofreu com problemas de entregas a partir de 2010

 

A fatia de mercado, quase monopolística, quando a empresa foi criada, definhou para a casa dos 20%. O Submarino, enfim, ficou para trás na corrida pela preferência dos clientes. Seria a hora de Lemann, Telles e Sicupira abandonarem o barco, antes do naufrágio? Em 24 de janeiro, a trinca de empresários demonstrou que não resolveu ampliar sua aposta na problemática operação de comércio eletrônico. Ao mesmo tempo, eles reforçaram a tripulação ao atrair para o negócio o fundo de investimento Tiger Global, do financista Chase Coleman, considerado um garoto prodígio e aclamado por muitos como o Buffett da nova geração (saiba mais sobre Coleman e seu fundo no texto “Que tigre é esse” ao final da reportagem). 

 

Juntos, eles anunciaram uma capitalização de R$ 2,38 bilhões ? a segunda feita em três anos (em 2011, a Lojas Americanas, a controladora da companhia, injetou R$ 1 bilhão). Lemann e seus sócios colocarão R$ 1 bilhão na B2W, através da Lojas Americanas. O valor do aporte da Tiger varia de R$ 459 milhões a R$ 1,2 bilhão, a depender da adesão dos acionistas minoritários, o que pode lhe dar acesso a uma fatia de até 19% do capital. A notícia da capitalização fez as ações da B2W dispararem mais de 50%. O banco de investimento Credit Suisse, em um relatório, chamou a operação de um ?divisor de águas?.

 

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Startup gigante: o Walmart.com, de Fernando Madeira, é um dos principais

concorrentes do Submarino

 

Esse otimismo fez o valor de mercado da companhia digital chegar a R$ 3,6 bilhões, o mais alto desde 2011. Mesmo assim, continua distante dos R$ 10,5 bilhões alcançados em outubro de 2007. Não é difícil entender a euforia do mercado com o dinheiro novo que vai entrar no caixa da maior varejista virtual brasileira. ?O dinheiro deve ser usado para diminuir o custo de alavancagem da empresa?, afirma Daniela Martins, analista da Concórdia Corretora. Explica-se: apesar de ter uma dívida líquida de R$ 1 bilhão, o equivalente a 2,7 vezes a sua geração de caixa, a companhia conta com uma despesa financeira elevada, responsável pelos milionários prejuízos que vêm acumulando nos últimos três anos. 

 

Resolvido esse problema, estaria aberta uma oportunidade de ouro para que a B2W retorne ao lucro. A Votorantim Corretora, por exemplo, acredita que o balanço possa voltar ao azul até mesmo em 2014. A Bradesco Corretora foi mais conservadora. Em seu relatório avalia que isso só acontecerá em 2015. De qualquer forma, o prejuízo estimado de R$ 164 milhões, em 2014, foi reduzido para R$ 59 milhões, em razão do aporte. O Bank of America Merril Lynch estima perdas de R$ 31 milhões neste ano, queda de 76% sobre a previsão anterior antes da capitalização.

 

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Equilíbrio financeiro: Nova Pontocom, do grupo Pão de Açúcar,

não dá prejuízo, diz German Quiroga

 

APAGÃO LOGÍSTICO Os problemas da B2W começaram com um apagão logístico no Natal de 2010. É verdade que não foram exclusivos da companhia de Lemann, Telles e Sicupira. Todas as empresas de comércio eletrônico sofreram com problemas de entregas naquele período, fruto de um crescimento explosivo de 40% da demanda, segundo estimativa da consultoria e-bit. Mas a B2W agiu de forma lenta para corrigir os problemas. Pior: dificuldades tecnológicas tornaram a situação dramática. Pedidos feitos em dezembro só foram entregues em fevereiro. As reclamações explodiram. O ReclameAqui, principal site de queixas online do Brasil, chegou a contabilizar 25 mil delas, superando bancos e empresas de telefonia. 

 

A companhia chegou a ser proibida de vender em algumas regiões do Brasil, em razão do caos reinante em seu sistema de entregas, como em São Paulo e no Rio de Janeiro. ?Eles subestimaram a complexidade do comércio eletrônico?, diz uma fonte próxima da gestão da B2W. Na ocasião, a presidente Anna Saicali, que comanda a operação desde a criação da B2W, em 2006, recrutou o executivo Thimóteo Barros, que acumulava as diretorias financeiras da B2W e da Lojas Americanas, para o cargo de diretor de operações. Foi ele quem bateu na porta do ReclameAqui, em abril de 2011. ?Vim aqui pedir ajuda?, disse Barros em reunião com diretores do site, contratado para dar consultoria no atendimento. A impressão do ReclameAqui foi péssima. Os funcionários da B2W pareciam amadores diante das redes sociais. 

 

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?Eles não sabiam que uma reclamação podia ser feita pelo Facebook ou Twitter?, diz um ex-funcionário, que acompanhou o trabalho. ?Para a B2W, reclamações só existiam nos seus canais tradicionais.? Hoje, a companhia não mais ocupa a liderança desse ranking indesejado. Uma medida foi acabar com o atendimento terceirizado. Atualmente, pouco menos de mil pessoas trabalham nessa área, que representa cerca da metade do quadro de funcionários. O resgate envolveu também refazer toda a parte logística e ampliar os investimentos em tecnologia. O número de engenheiros envolvidos com internet e TI dobrou. Hoje, são mais de 600 profissionais. Ao mesmo tempo, a companhia foi às compras para fortalecer essa área. No ano passado adquiriu três empresas de tecnologia.

 

A primeira delas foi a Uniconsult, em abril, que ajudou no desenvolvimento do marketplace, um projeto de shopping virtual para outras companhias que operam no ambiente do Submarino. Em outubro, incorporou a Ideais, especializada em soluções de comércio eletrônico, e a Takerna, de sistemas de busca e recomendação de produtos. O setor logístico foi reforçado com a incorporação da Click Rodo. Nessa área, foram ainda inaugurados também três novos centros de distribuição, em São Paulo, Minais Gerais e Pernambuco. Com isso, a capacidade de armazenagem aumentou em 60%. Mais sete centros de distribuição estão previstos até 2015. ?A empresa, de fato, enfrentou um nó logístico?, diz um funcionário do alto escalão. ?Agora, a operação está azeitada.?

 

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CONCORRÊNCIA ACIRRADA Uma vez superados os problemas nas áreas de logística e de tecnologia, a prioridade número 1, agora, é resolver o nó financeiro da B2W. Lemann, Telles e Sicupira, bem como o americano Coleman, do Tiger, não costumam rasgar dinheiro nem beber água fervente. Seus aportes bilionários para corrigir a rota desse submarino virtual fazem sentido, quando se tem munição para detonar os obstáculos e a convicção de que, se for feita a coisa certa, vai-se chegar a um porto seguro. Eles estão de olho no aumento do comércio eletrônico brasileiro. No ano passado, o setor faturou R$ 28,8 bilhões, crescimento anual de 28%, segundo a consultoria e-bit.

 

A expansão será mais lenta a partir de agora. Mas, mesmo assim, poucos setores da economia crescem ao ritmo do varejo virtual. Neste ano, por exemplo, a e-bit projeta um avanço de 20%. ?Hoje, 50 lojas concentram 80% desse faturamento?, afirma Pedro Guasti, diretor do e-bit. Esse é um indicativo de que grandes grupos surgiram nessa área, dividindo entre si uma fatia do bolo que há menos de dez anos era exclusiva da B2W. Um exemplo é a Nova Pontocom, do grupo Pão de Açúcar, a vice-líder do comércio eletrônico, com receitas de R$ 4,3 bilhões no ano passado. Ela comanda os sites Ponto Frio, Casas Bahia e Extra. Segundo seu presidente, German Quiroga, a operação já atingiu o equilíbrio financeiro. 

 

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A Walmart, maior rede varejista do mundo, contratou um executivo do universo digital, Fernando Madeira, ex-Terra, para presidir a operação do Walmart.com. A lista de competidores vai além dos estrelados do varejo. Nos últimos tempos, novas operações exclusivamente online ganharam musculatura. É o caso da loja de artigos esportivos Netshoes, do empresário Marcio Kumruian, que já fatura mais de R$ 1 bilhão. A Netshoes, por sinal, é um dos investimentos do Tiger Global no Brasil, ao lado do Peixe Urbano, de Julio Vasconcellos, e do site de modas OQVestir, das empresárias Isabel Humberg, Mariana Medeiros e Rosana Saigh.

 

É nesse cenário que a B2W terá de retomar o caminho da lucratividade. Não se sabe ao certo qual será a influência do Tiger Global em sua gestão. Em princípio, o fundo será minoritário e não terá ingerência na governança da companhia. Procurada, a B2W não deu entrevista. Diante de rumores de mudanças na cúpula da empresa, fontes ouvidas pela DINHEIRO garantiram que tudo fica como está. Até quando? Isso vai depender das metas e dos resultados alcançados. Como se sabe, a filosofia dos controladores é baseada em objetivos agressivos e na meritocracia. A única certeza é que Lemann, Telles, Sicupira e Coleman, parafraseando o refrão da música ?Yellow Submarine?, dos Beatles, querem viver em um submarino. De preferência, azul.

 

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Que tigre é esse?

 

O americano Julian Robertson é uma espécie de grande mestre do kung-fu financeiro. Tal como os adeptos do estilo de luta dos monges shaolins, Robertson desferiu chutes acrobáticos impressionantes e entregou um rendimento anual médio acima de 30% aos clientes do fundo de investimento Tiger Management, entre 1980 e 1998. Porém, depois desse período de bonança, Robertson falhou ao embarcar na onda das empresas de tecnologia. Decepcionado com as críticas que recebeu, assumiu uma posição defensiva durante o estouro da bolha das pontocom, no começo da década passada, e preparou seus discípulos. Com dinheiro de Robertson, ex-funcionários criaram fundos de investimento próprios, apelidados pelo mercado de ?tiger cubs? (filhotes de tigre, em tradução literal). 

 

Um de seus mais notórios discípulos é Charles Payson Coleman III, 38 anos, conhecido apenas como ?Chase Coleman?. É ele quem está disposto a aportar R$ 1 bilhão na B2W, dona das marcas Submarino e Americanas.com, controlado pelos brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Apesar de ainda não ter a aura de seu mestre, o mercado acompanha atentamente cada movimento de Coleman. Em 2001, ele fundou a Tiger Global com apenas US$ 25 milhões, com o objetivo de investir em empresas inovadoras. Desde então, Coleman leva a discrição às raias do radicalismo. Perto dele, Lemann, famoso por sua aversão aos holofotes e a falar com a imprensa, pode ser considerado um tagarela exibicionista. 

 

A Tiger Global não tem nem sequer um site próprio. Entrevista com Coleman é uma raridade. Mas é público e notório que esse jovem investidor, que alguns chegam a apontar como o Warren Buffett da nova geração, sabe ganhar dinheiro. Entre os acertos de Coleman desponta um investimento no Facebook, bem antes que a empresa de Mark Zucker­berg se transformasse no colosso de hoje. A revista americana Forbes estima que essa tacada rendeu lucros de US$ 1 bilhão para a Tiger Global. Outros feitos de Coleman foram apostas na rede social LinkedIn e na plataforma de vídeos sob demanda Netflix. O fundo deu aos clientes 45% de retorno em 2011, 23% em 2012 e 14% no ano passado. 

 

Atualmente, Coleman administra cerca de US$ 6,8 bilhões. Ultimamente, ele tem olhado com mais atenção para os países emergentes. Colocou dinheiro em empresas como a Yandex, líder local do mercado de buscas da Rússia e pedra no sapato do Google. No Brasil, os investimentos foram voltados a startups como Peixe Urbano (compras coletivas), OQVestir (e-commerce de roupas) e Netshoes (e-commerce de artigos esportivos). As empresas evitam falar sobre a atuação da Tiger, que exige discrição. Agora, o tigre vai mostrar suas garras no Brasil em uma empresa aberta. É sua aposta mais arriscada por aqui. E, até por esse motivo, se tudo correr bem, pode ser seu bote mais certeiro.

 

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