12/06/2002 - 7:00
A cidade de San José, na Califórnia, conheceu como nenhuma outra a fartura dos tempos áureos da internet. Capital do Vale do Silício, o centro de tecnologia de ponta dos Estados Unidos, San José viu empresas surgirem do nada e virarem potências em um piscar de olhos. Muitas desapareceram com a mesma rapidez. Mas a maior delas se impôs. A Cisco Systems descolou seus negócios do instável mundo das telecomunicações e, abraçada às corporações da velha economia, encontrou o caminho para crescer. Seu comandante, o presidente mundial John Chambers, fez uma aposta na volta às origens. Apontou sua companhia, um gigante de US$ 116 bilhões de valor de mercado, de volta para o alvo inicial, o de conectar os computadores das grandes corporações do mundo. Mobilizou todos os 25 mil funcionários da sede, distribuídos em uma minicidade de 45 prédios art-déco em pleno coração da ensolarada cidade americana, e agora começou a ganhar a aposta. Nenhuma outra empresa no ramo deu um só centavo de lucro no mundo este ano. Só a Cisco. Lucrou US$ 729 milhões no primeiro trimestre e surpreendeu os analistas, que previam cifras menos imponentes. Seu balanço em nada lembra as frágeis empresas pontocom. A Cisco, segundo seu jargão interno, firmou-se no mercado de enterprises ? ou seja, de grandes corporações.
A vitalidade que o balanço atesta hoje surpreende pela rapidez com que foi construída. Um ano antes, os principais executivos ligavam seus computadores, no quarto e último andar do prédio mais alto no campus de San José, e se deparavam com um prejuízo de US$ 1 bilhão no ano fiscal de 2001. Quando a bolha furou, os clientes simplesmente retiraram os pedidos que tinham registrado nos sistemas da Cisco e deixaram o estoque queimar na mão da companhia. ?A recessão chegou muito rapidamente e nossos clientes corporativos reduziram as compras subitamente?, explicou à DINHEIRO o presidente da empresa para as Américas, Keith Goodwin. As empresas de comunicações chegavam a representar metade das vendas da empresa. ?Eles construíram uma bela rede, mas ninguém veio usá-la?, disse o executivo.
Feito o diagnóstico, Goodwin explicou, de seu terraço sobre o Vale do Silício, qual o tratamento que devolveu a força à empresa. A Cisco se concentrou em uma carteira de serviços para as grandes corporações, como gestão de relacionamento com clientes, organização de redes de fornecedores e treinamento à distância. ?A revolução da internet é a de gerar eficiência e produtividade. As empresas pontocom podem ter acabado, mas o tráfego na internet nunca parou de crescer?, salientou. O contato com o mundo das telecom permaneceu, mas, em vez de vender equipamentos a elas, a Cisco se aliou na criação de produtos para tornar rentáveis as redes já instaladas.
Os números da Cisco hoje dão razão à estratégia de Chambers. Seus competidores, que mantiveram os negócios focados nas comunicações, amargaram uma queda de 43% nas vendas no primeiro trimestre Todos tiveram prejuízo. Alguns, como Nortel, Lucent e Siemens, são maiores que a Cisco, mas mesmo assim a empresa do Vale do Silício vale mais que todos seus concorrentes somados. Está longe do auge, em março de 2000, quando valia oito vezes mais. Mas ainda vale quatro vezes mais que um ícone do capitalismo como a General Motors. E, coisa hoje rara no mundo da tecnologia, a empresa tem cada vez mais dinheiro em caixa. Seu último balanço aponta um saldo de US$ 20 bilhões.
No Brasil, a empresa chegou a ter 70% da receita concentrada nas telecom nos anos de 1999 e 2000. Por isso o presidente local da Cisco, Cláudio Carnevale, ouviu as palavras de John Chambers e voltou-se para a economia real. Energia, finanças, petróleo e varejo são suas apostas. Um novo segmento começa a crescer: o de empresas pequenas e médias.