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CARMEM MAYRINK VEIGA: ?Adoro fantasia, jóias, anéis e vestidos?

 

?Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Vendido para o cavalheiro à minha esquerda na segunda fila.? E assim foi, tela após tela, obra após obra, peça após peça. Um Milton Dacosta saiu por R$ 480 mil. Um jogo de porcelana japonesa Imari do século XVI, por R$ 420 mil. Outro Milton Dacosta, por R$ 250 mil. A cada martelada do leiloeiro, um espaço se abria nas paredes do apartamento de quase mil metros quadrados do casal Antônio Alfredo e Carmem Mayrink Veiga, localizado na avenida Rui Barbosa, no bairro do Flamengo, Rio de Janeiro. Com a venda de parte de sua coleção de arte, o casal arrecadou R$ 2,5 milhões, R$ 500 mil a mais do que havia estimado. O sucesso do leilão permitiu que Carmem não abrisse mão do bem que mais gostava de seu acervo: um retrato pintado por Cândido Portinari (?em 1959 ou 1960, não me lembro bem?). ?Estou radiante?, disse Carmem, em entrevista à DINHEIRO. ?Fui modelo para dezenas de pintores ao longo de minha vida. Todos queriam que eu fosse modelo. Tenho 14 desses retratos. Mas o de Portinari era meu preferido.? Carmem também está radiante porque, com o dinheiro arrecadado, se livrará de um endividamento superior a R$ 17 milhões, que sufocava o casal nos últimos 15 anos. ?Estamos saindo de um pequeno inferno?, relata Antônio, ou Tony, como sempre foi chamado.

É uma nova fase na vida do clã que já foi ícone do que havia de mais chique, sofisticado e bonito na alta sociedade carioca entre as décadas de 50 e 70. A imagem tatuada no imaginário popular é de um casal eternamente enfiado em vestidos longos e black-tie, como se até dormissem com tal indumentária. Esses tempos de fausto e glamour já não voltam. Sentimento de perda? Não, garantem eles, usando frases que poderiam ser retiradas de manuais de auto-ajuda. ?Adoro fantasia, jóias, anéis, vestidos?, deslumbra-se Carmem. ?Mas não sou apegada a nada material. Sou ligada apenas à religião, à família e aos gatos.? E Tony completa, revelando uma afinidade de sentimentos do casal. ?Ou vendia as obras de arte no leilão ou o que faria com elas? Levaria para o Caju??, pergunta Tony, referindo-se a um dos mais tradicionais cemitérios do Rio de Janeiro. ?Agora, paguei o que devo e posso ficar mais tranqüilo.? Planos para o futuro? ?Aos 75 anos, não é demais pedir paz e sossego. Quero reduzir o ritmo e olhar mais os adereços da vida. E você sabe que rico gosta de acessórios?, diz Tony.

 

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“Quero reduzir o ritmo e olhar mais os adereços da vida. E você sabe que rico gosta de acessórios” TONY MAYRINK VEIGA, sobre seus planos futuros

 

O dinheiro amealhado no leilão quitará uma dívida que os Mayrink Veiga amargavam com a massa liquidante do extinto Banco Nacional. O restante irá antecipar o pagamento de prestações do endividamento com o Banco do Brasil, renegociado anos atrás. ?Com isso, zeramos a dívida que reconhecemos das empresas Mayrink Veiga?, afirma Ivan Nunes Ferreira, o advogado do casal e responsável pela renegociação da dívida. Ainda há pendências (algo em torno de R$ 5 milhões), entre elas com o Banco Rosa, também em processo de liquidação. ?Mas estamos discutindo na Justiça a real existência desses débitos?, afirma Ferreira. ?Em alguns casos, a família é credora, e não devedora.?

O ?pequeno inferno? dos Mayrink Veiga tem data e horário de início conhecidos: 16 de março de 1990. Naquele dia, o recém-empossado presidente Fernando Collor de Mello determinou o confisco de todas as aplicações financeiras. Tony possuía uma empresa, a Ferranti do Brasil, sociedade com o gigante inglês de mesmo nome, um dos maiores fabricantes de equipamentos de defesa militar do mundo. Meses antes, a empresa assinara um contrato com a Marinha para fornecer o sistema de comando do porta-aviões Minas Gerais. O procedimento era o seguinte: o dinheiro era depositado numa conta corrente no Banco do Brasil e a empresa ia retirando o dinheiro à medida que o serviço fosse feito. Aí veio o Plano Collor e tomou os recursos. ?Naquele momento, deveria ter rescindido o contrato?, lamenta Tony. Não o fez e foi aos bancos (?pela primeira vez em minha vida?) e pegou financiamentos para tocar o projeto. Menos de dois anos depois, o golpe final. A Ferranti inglesa foi à bancarrota. A fonte de tecnologia para o sistema do Minas Gerais secou. ?Quebrei?, diz Tony. A partir dali, sua vida era correr de cartório em cartório evitando protestos de títulos.

O clã ?quebrou? da forma como os ricos quebram. Não faltou vinho francês à mesa. Mas perdeu o Rolls-Royce, comprado pelo pai de Tony em 1951. Das famosas caçadas, organizadas anualmente por ele em reservas espalhadas pelo mundo afora, sobraram as cabeças de animais empalhadas que decoram seu escritório. Os Mayrink Veiga também já não são anfitriões de jantares de gala na avenida Rui Barbosa ou no apartamento no Trocadero, em Paris. Eram rega-bofes freqüentados por nobres como o Barão David de Rotschild e o rei Constantino, da Grécia, e celebridades mais mundanas, a exemplo do ator Clark Gable. Carmem, considerada uma das mais elegantes mulheres de todos os tempos no mundo, também deixou de ser procurada por pintores ávidos por registrar em telas sua proverbial beleza. O português Pedro Leitão, famoso por pintar famosos como Grace Kelly e Caroline de Mônaco, a retratou. Só Emiliano Di Cavalcanti a pintou três vezes. A procura e o glamour cessaram, mas o quadro de Portinari continua lá, como a recordar que os mitos, sejam eles merecidos ou não, permanecem.