A escalada dos juros cobrados pelos investidores para financiar países em crise nas últimas semanas tem sido um bom parâmetro para constatar que o tempo disponível para a Europa resolver a sua crise se esgotou. A falta de articulação política entre os 27 países da União Europeia, dos quais 17 são integrantes da zona do euro, e a intransigência da Alemanha em dar aval para o Banco Central Europeu (BCE) agir no mercado de títulos há algumas semanas cobraram seu preço. Países como Grécia, Espanha, Portugal e Itália operam no limite do suportável para os europeus, com juros próximos ou acima de 7% ao ano em títulos de longo prazo. Há três meses, esses juros não passavam, em média, de 4%. A ausência de perspectivas colocou em pauta o fim do euro, a ponto de empresas europeias colocarem na ponta do lápis qual seria o custo da morte da moeda europeia para os negócios. Um alento veio de onde menos se esperava. O Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, surgiu com a agilidade de uma águia para acalmar os mercados na semana passada. 

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Em uma ação coordenada com outros cinco bancos centrais – do Canadá, Inglaterra, Japão, Suíça, além do BCE –, o presidente do Fed, Ben Bernanke, reduziu pela metade o custo da linha de financiamento em dólar, com acesso ilimitado, em princípio, até fevereiro de 2013. “A proposta dessas medidas é aliviar restrições nos mercados financeiros e, assim, fomentar a atividade econômica”, informaram os BCs. Na prática, significa que os bancos centrais poderão recorrer a esse dinheiro barato e emprestar a bancos nacionais em apuros, que só estão nessa situação porque possuem títulos podres de países em crise. Evita-se, assim, a quebra de bancos privados. A notícia trouxe euforias às bolsas, que subiram no mundo todo em seguida ao anúncio. Era o mercado celebrando um indício de articulação global depois de meses de indefinições. Somaram-se, ainda, bons indicadores americanos, como o de geração de emprego no país. Foram 206 mil postos de trabalho no mês de novembro, bem acima do esperado. 

 

A esperança de dias melhores, porém, foi limitada. Num segundo momento, veio a constatação de que, embora positiva, a articulação dos BCs para ajudar a Europa tem curta duração. Band-Aid e Tylenol foram alguns dos adjetivos utilizados por analistas no mundo todo para definir a articulação. Restabelecer a confiança num continente castigado pelo desemprego e por sucessivos aumentos de impostos e cortes de gastos sociais vai demandar muito mais do que os dólares de Bernanke.  Os mais de dois milhões de ingleses que saíram às ruas na quarta-feira 30 no Reino Unido, contra o aumento das contribuições para a previdência, são uma prova disso. Sem renda, não há consumo, e, sem consumo, o sistema financeiro fica cada vez mais perto de um colapso, o que requer uma ação enérgica do BCE para comprar os títulos soberanos, reduzindo os riscos que paralisam a economia. Na avaliação do governo alemão, entretanto, a crise na União Europeia é fiscal e, portanto, a solução precisa ser prioritariamente fiscal, ou seja, de redução dos gastos que financiam o estado do bem-estar social europeu. 

 

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As damas de ferro: a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, veio ao Brasil discutir a crise europeia com a presidenta Dilma

 

Ciente de que o modelo econômico atual já não funciona, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, devem apresentar, na segunda-feira 5, um novo pacto fiscal para “refundar e repensar” a organização da Europa. “O Tratado de Maastrich revelou ser imperfeito”, disse Sarkozy, sobre o acordo que criou a União Europeia em 1992. Merkel e Sarkozy terão de lidar, porém, com a pressão dos investidores que querem uma resposta urgente até o dia 9 de dezembro, quando a Cúpula Europeia encerra um encontro de dois dias. “Para o mercado, esta é uma data crucial, a última chance para a Europa”, diz Yves Tiberghien, professor associado da Universidade British Columbia, do Canadá. “A expectativa é de que, além de acertar o compromisso fiscal da zona do euro, o BCE intervenha maciçamente no mercado de bônus”, afirma. O ponto mais delicado da proposta, que será um dos temas da Cúpula Europeia na quinta-feira 8 e na sexta-feira 9, é a perda da soberania fiscal dos países, com auditorias externas sobre os orçamentos nacionais e punições automáticas aos países que não cumprirem as metas. 

 

“É provável que sejam feitas exigências fiscais rigorosas para que os países fiquem dentro do euro, o que levará  a um crescimento bem menor”, diz Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC. “É importante que o BCE recompre parte dos títulos soberanos para reduzir os gastos dos países com juros, senão o esforço fiscal será em vão.” O banco britânico Barclays Capital estima que seja necessário um programa de resgate somente para as economias italiana e espanhola, no valor entre € 500 bilhões e € 800 bilhões para os próximos 24 meses. O chefe de economia e pesquisa em mercados emergentes e câmbio da instituição, Piero Ghezzi, esteve em São Paulo na semana passada e disse que a situação dos países da zona do euro é mais delicada ainda porque os bancos centrais nacionais não têm autonomia para imprimir dinheiro. “A Argentina, os Estados Unidos e a Ásia, quando estiveram em crise, emitiram (moeda)”, lembrou Ghezzi. Esta seria uma alternativa para encontrar os recursos necessários, uma vez que o Fundo Europeu de  Estabilidade Financeira dispõe de apenas € 440 bilhões. 

 

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Protesto inglês: aumento da contribuição previdenciária levou mais de dois milhões de britânicos às ruas

 

O Fundo Monetário Internacional (FMI), que poderia ser outra alternativa, dispõe de apenas US$ 390 bilhões. A escassez de recursos para salvar a Europa levou a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, a fazer um tour na semana passada por México, Peru e Brasil com o pires na mão. Ela esteve numa reunião, a portas fechadas, com a presidenta Dilma Rousseff na manhã da quinta-feira 1º. Em seguida, se reuniu com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Lagarde bem que tentou disfarçar o objetivo de sua viagem, mas foi traída pelo entusiasmo do ministro. “É uma grande satisfação que desta vez o FMI não tenha vindo trazer dinheiro para nós, mas pedir dinheiro para o Brasil emprestar aos países avançados”, afirmou. Mantega mostrou impaciência com a demora da Europa em se juntar para aumentar a liquidez do sistema financeiro. “Enquanto isso não acontece, a situação se deteriora”, disse. O ministro confirmou que o Brasil aceitou, juntamente com Rússia, Índia e China, colocar recursos adicionais no Fundo para empréstimos a países com problemas, “desde que outros se comprometam a fazer o mesmo”. 

 

Mais do que isso, o País exige em contrapartida um aumento de participação nas cotas do FMI, o que ampliaria o seu poder na organização. Na sexta-feira 2, em São Paulo, antes de participar de um almoço na Febraban, Lagarde elogiou o pronunciamento de Merkel feito pela manhã, pedindo uma rápida ação política, inclusive com revisão do Tratado Europeu, para resolver a crise no continente,  bem como o anúncio de Sarkozy de um novo pacto fiscal para a União Europeia. E completou: “Se não houver uma solução rápida, abrangente e coletiva, logo a zona do euro corre o risco de ter uma década perdida.”   Para alguns analistas, como o economista americano Paul Krugman, a urgência demandada por Lagarde passa pela imediata ação do BCE na compra de títulos públicos, o que afastaria o risco de calote. Essa proposta é  rechaçada por Merkel. “Uma das lições da crise é que, quando as coisas pioram, as pessoas mudam de ideia”, diz Ghezzi,  do Barclays. Será que isso vale para Merkel?

 

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Colaboraram Carla Jimenez e Denize Bacoccina