07/10/2009 - 7:00
Boni em seu escritório: “A Globo queria acabar com o ‘bonismo’ que existia dentro da empresa. Uma bobagem” Boni e Roberto Marinho: “A Globo é um capítulo encerrado em minha vida”
“Canalha! Canalha!” O senhor de cabelos pintados de acaju e andar elegante olhava aterrorizado para a mulher de meiaidade que desferia golpes de guardachuva em sua cabeça. “Você não tinha o direito de grampear meu telefone e colocar no Jornal Nacional!” “Mas minha senhora, faz mais de dez anos que eu saí da Globo…”, tentou argumentar a vítima, sem levar antes outras guardachuvadas e ser chamado de mentiroso pela mulher. José Bonifácio de Oliveira, o Boni, tem andado mais atento pelas ruas do Leblon, no Rio de Janeiro, mas sabe que a sua imagem estará eternamente ligada à TV Globo, para o bem ou para o mal. Faz 12 anos que ele deixou o cargo de mandachuva da poderosa rede de televisão para se tornar o desempregado mais invejado do País. De 1997 a 2003, Boni recebeu por volta de R$ 1 milhão (ele não confirma nem desmente) por mês da Globo para não fazer absolutamente nada. Era o “consultor estratégico” – estratégia da família Marinho para mantê-lo longe da concorrência.
Sede da Vanguarda, líder de audiência no interior paulista: Boni acaba de comprar os 10% que pertenciam à Globo
Pode-se dizer que poucos souberam aproveitar o ócio tanto quanto ele, que adotou para si próprio o “padrão Boni de qualidade de vida”, viajando pelo mundo, comendo nos melhores restaurantes e entupindo sua adega de Romanée-Conti. Não pense, porém, que Boni virou apenas um bon vivant. Afastado do dia a dia da televisão, hoje ele se tornou um homem de negócios do setor. Em 2003, transformou a TV Vanguarda, modesta emissora do interior de São Paulo, afiliada à TV Globo, em uma potência do Vale do Paraíba, com R$ 100 milhões de faturamento ao ano (veja no quadro ao lado mais números sobre a Vanguarda) e audiência de gente grande – lidera 38 dos 38 programas mais assistidos no Vale do Paraíba, uma das mais ricas regiões do interior de São Paulo. Seu mais novo lance nessa área aconteceu recentemente e sem alarde: Boni acaba de comprar os 10% que pertenciam à emissora carioca.
João Carlos Di Genio convocou Boni para criarem juntos programas de pós-graduação em televisão pela internet
“A Vanguarda não é uma emissora grande nem pode ser, por ser afiliada à Globo, mas é muito melhor do que qualquer televisão de ponta, pois é muito benfeitinha”, assegura Boni, que, mesmo realizado com a Vanguarda, diz não descartar uma volta ao establishment. “A televisão está no meu sangue e eu sou tentado a voltar para uma grande emissora todos dias, horas e minutos”, confesestasa. Entre uma taça e outra de vinho – meia garrafa no almoço e meia no jantar, “se beber mais do que isso não trabalho” -, o hoje empresário Boni cria inspiração para novos negócios. Ele acaba de acertar uma parceria com o amigo e empresário João Carlos Di Genio para juntos venderem cursos de pós-graduação de televisão ministrados pela internet. “Temos uma parte didática, exigida pelo Ministério da Educação (MEC), que será feita pela Unip (Universidade Paulista, comandada por Di Genio). Eu vou cuidar do lado prático, convocando artistas, técnicos, diretores, produtores para explicarem de forma clara e objetiva como é feita uma televisão de qualidade”, adianta.
Boni recebeu a reportagem da DINHEIRO em seu amplo escritório de dois andares na rua Ataulfo de Paiva, instalado no coração do Leblon, a pouco metros de onde foi atacado pela indignada grampeada (conversando com amigos na Globo, ele descobriu que a mulher, uma funcionária pública, estava envolvida num esquema de propina denunciado em reportagem do Jornal Nacional).
“Rapaz, a televisão vai fazer 60 anos no ano que vem, dos quais eu tenho 58”, diz, entregando a idade. Ele talvez nem lembre do primeiro salário como diretor de programação da extinta TV Paulista pago em pneus e passagens de ônibus. O dinossauro da televisão tem os dois olhos apontados para o futuro.
Para Boni, 73 anos, não há dúvidas: a televisão envelheceu, inclusive a sua cria, a Rede Globo, hoje estacionada. “Ela vive de um modelo de programação que eu e o Walter Clark montamos há 40 anos. Precisa ser renovado”. Não por ele. “A Globo é um capítulo encerrado na minha vida.” O assunto TV Globo, naturalmente, volta à pauta. Pela primeira vez, Boni fala abertamente sobre sua saída em 1997 e revela, sem rodeios, uma certa mágoa com a ex-emissora. “A minha convivência com as pessoas, e não com a empresa, era muito ruim. Se não saísse de lá, não estaria conversando com você agora.
Boni e a tevê, tudo a ver: o primeiro salário como diretor foi pago em pneus e passagens de ônibus
Já tinha infartado”, afirma. Ele deve, portanto, seu bom batimento cardíaco a Roberto Irineu Marinho, filho mais velho de Roberto Marinho, que na época assumiu o comando da emissora no lugar do pai, cansado da luta. “Eles (os herdeiros) queriam acabar com o chamado ‘bonismo’ que existia dentro da empresa, o que era uma grande bobagem, porque, apesar da minha liderança, a TV Globo nunca dependeu de mim e sim dos seus profissionais, tanto que está aí, andando com as próprias pernas”, diz Boni.
Boni não se arrepende de ter aceitado a “geladeira” imposta pela Globo, mas confessa que jogaria tudo para o alto, inclusive o robusto salário, desde que vislumbrasse a possibilidade de trabalhar, novamente com carta branca, em outra grande emissora. “Cheguei a assinar com o SBT, mas o Silvio Santos ficou com duas cláusulas do meu contrato na cabeça”, lembra Boni. Ele exigia que o SBT se responsabilizasse por uma eventual multa pela quebra do acordo com a TV Globo, da qual ainda era consultor, e o mais importante: ter poder total e absoluto sobre a programação. “O Silvio ficou com medo e desistiu. Fizemos um destrato amigável, em 24 horas. Ele é um empresário com visão, mas muito personalista.” É verdade que nem na TV Globo, quando alcançou poderes de sultão, Boni deixou de sofrer ingerência do andar de cima. Um dos casos mais notórios ocorreu durante a campanha das Diretas-Já, em janeiro de 1984, quando o comando da emissora emitiu comunicado exigindo que o departamento de jornalismo não fizesse nenhum registro do comício da praça da Sé. Boni não culpa Roberto Marinho pela censura e lembra que o presidente das Organizações Globo estava brigado pessoalmente com o então presidente, João Figueiredo. O motivo: o governo federal concedera ao SBT, sem licitação, a concessão da antiga TV Tupi. “O doutor Roberto achava que era obrigação do governo abrir concorrência e teve uma briga feia com o presidente, que a partir daí passou a persegui- lo, ameaçando cassar a concessão da Globo, caso ela aderisse às Diretas”, lembra Boni.
Pausa para um remedinho. Boni é um hipocondríaco assumido. Para ele, há dois tipos de neuróticos, o hipocondríaco tipo 1, que se enche de remédios sem consultar os médicos, e o hipocrodríaco tipo 2, que enche os médicos para tomar remédios. “Meu caso é grave: sou do tipo 1 e 2”, admite. “Os médicos dizem que o sujeito que toma mais de quatro medicamentos por dia está mal medicado. Na verdade, eu tomo quatro remédios por obrigação e mais 20 por minha conta”. O caso de Boni é crônico. Em Berlim, de férias, na frente de uma farmácia, encantou-se com uma caixa de remédios cor de laranja, que mais parecia um estojo de joias. Levou quatro caixas e na hora de pagar descobriu que havia acabado de comprar 96 comprimidos de um novo anticoncepcional. “Levei assim mesmo. Não sei ainda se devo tomar ou não.”
“Se a tevê pública continuar enchendo linguiça, não irá muito longe”
O sr. faz parte do conselho curador da TV Brasil, a rede de televisão pública inaugurada pelo governo. O Brasil precisa mesmo de uma tevê pública?
Sim, precisa, mas tem de ser benfeita para justificar o investimento e dar audiência. A tevê pública não tem obrigação de competir com as grandes, mas tem de ser atraente, como uma emissora comercial, só que com um conteúdo melhor, diferenciado. Mas eles não fizeram nada disso. Fizeram algo fechado, sem nenhum profissional do ramo. Ali ninguém entende de televisão. Se continuarem a encher linguiça, não irão muito longe.
Mas o sr. não fez as mesmas críticas nas reuniões do conselho curador?
Eu cheguei a me colocar à disposição para dar palpites no logotipo, para dar uma olhadinha na programação. Mas isso foi no começo. Fui apenas a duas reuniões do conselho e depois desisti. Eram discussões acadêmicas, sem nenhum sentido prático. Não estava interessado naquilo.
Mas, oficialmente, o sr. continua fazendo parte do conselho curador.
Sim, mas quando fui convidado para fazer parte do conselho, eu tinha duas opções: ficar dois ou quatro anos. Como não sabia no que ia dar, escolhi ficar dois anos. Ainda bem. Meu contrato vence agora em novembro e não vou mais renovar. Estou fora.