Pelo menos duas vezes por dia, Tato Athanase, gerente de recursos humanos da subsidiária da americana SAS Brasil, do setor de tecnologia da informação, deixa seu escritório, no bairro do Itaim Bibi, na zona sul de São Paulo, e vai “desestressar” em uma área da empresa que mais parece um parque de diversões para marmanjos. No local, batizado de Espaço SAS, ele joga videogame, “esporte” do qual é um praticamente contumaz. Também aproveita para “batucar” ou tocar guitarra no Xbox. Muitas vezes, o executivo está acompanhado de seus subordinados. Ao contrário do que se poderia supor, qualquer que seja sua graduação, quem passa pelo local não olha torto. 

 

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Ritmo acelerado: o dia a dia de Tato Athanase, diretor da SAS, fica mais leve

com as sessões de bateria e videogame, em pleno expediente

 

“Apostamos em ferramentas capazes de criar um ambiente mais caloroso entre os funcionários, independentemente do nível hierárquico” diz Athanase. O espírito mais liberal na gestão de talentos não é uma marca exclusiva da desenvolvedora de software, fundada em 1976, no Vale do Silício, na Califórnia, pelo americano Jim Goodnight. A preocupação com o clima interno vem se tornando uma espécie de obsessão para boa parte das empresas. Inclusive daquelas que atuam em segmentos mais sisudos, como o farmacêutico, o de seguros, o de energia e o de bebidas. Dezessete integrantes desse time toparam se submeter à certificação Top Employers, realizada pela consultoria holandesa CRF Institute. 

 

O resultado do trabalho, divulgado com exclusividade por DINHEIRO, é uma espécie de radiografia do que vem sendo feito nos departamentos de recursos humanos (RH) no Brasil, a partir de empresas como Bic Banco, Valeo, ALL e Danone. “O crescimento da economia, aliado à escassez de mão de obra, está fazendo com que diversos empregadores apostem em mecanismos capazes de atrair e reter talentos”, afirma o alemão Robert Schäfer, diretor da consultoria. “Até porque o salário deixou de ser o principal chamariz.” De acordo com Schäfer, cada vez mais os empregadores têm privilegiado profissionais capazes de atuar em equipe, além de vincular os bônus e premiações dos gestores ao desempenho de seus subordinados. 

 

Na edição 2013 do levantamento, que está no segundo ano no Brasil, 35% das empresas ouvidas levavam em conta o resultado do grupo como base para o reajuste de salário. Na lista das cinco mais bem avaliadas (Takeda, SAS, EDP, Souza Cruz e BB Mapfre), esse critério é utilizado por 80% delas. Por outro lado, o pagamento de bônus já não se limita à alta cúpula. Participam da divisão dos bons resultados 81% dos funcionários das cinco melhores colocadas na pesquisa. A política de recursos humanos deve também contemplar diversos estágios da carreira e até mesmo da vida pessoal. Especialmente nas companhias que possuem um elevado contingente de representantes da geração Y, jovens nascidos em meados da década de 1980, conhecidos pela pressa em atingir objetivos. 

 

Na filial do laboratório japonês Takeda, esse grupo representa 55% dos dois mil funcionários. “O jovem precisa ser saciado em sua necessidade de crescimento”, afirma Veronika Falkoner, diretora de RH da Takeda. As vagas abertas em todos os postos, sempre que possível, são preenchidas com a chamada “prata da casa”. No ano passado, a antecessora de Veronika, Ana Rigolon Cardoso, foi transferida para a filial da Suíça, onde ocupa o cargo de líder de gestão de talentos para os mercados emergentes. A pressão existe, mas não é exercida de forma despótica. “Apostamos no respeito e na cordialidade no trato com os funcionários”, diz Veronika. 

 

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O pacote de benefícios inclui três dias a mais de férias e folga no dia do aniversário. Às sextas-feiras todos são liberados ao meio-dia. A exceção é o pessoal da área de produção. Resultado: na Takeda, o nível de rotatividade de funcionários é de 1,6%, bem abaixo da média de 12,9% registrada pelo setor no Estado de São Paulo. Ferramentas semelhantes são usadas na EDP. No setor de energia, que necessita de mão de obra qualificada de forma intensiva, especialmente engenheiros, perder trabalhadores para a concorrência pode comprometer o desempenho final da organização. Essa preocupação fica evidente na pesquisa International Human Resources Best Practice Report 2012, a única da série que compara o Brasil com os demais países analisados pela CRF Institute. 

 

Entre os gestores de empresas brasileiras, 23% disseram ver dificuldade em preencher cargos executivos. Outros 54% consideram difícil contratar profissionais de nível técnico. Por conta disso, a EDP optou por reforçar seu “dever de casa”. Somente em 2012, foi investido R$ 1 milhão no programa Inovabilidade, destinado a melhorar a qualificação de funcionários do alto escalão. A grade de cursos inclui desde fotografia e história até arquitetura das cidades. “Cultura ampla e diversidade de repertório ajudam a despertar o pensamento inovador”, diz Elaine Regina Ferreira, diretora de RH da EDP. Mesmo aqueles trabalhadores que estão no chamado “chão de fábrica”, como o pessoal que faz manutenção nas linhas de energia, são contemplados nos programas destinados a formar talentos. 

 

Um exemplo é o atual diretor de tecnologia, Vanderlei Ferreira, que começou na área de manutenção. A preocupação em evitar que gestores elejam seus preferidos, a partir de critérios pouco transparentes, é uma constante nas empresas analisadas. Afinal, como mostra a pesquisa, 64,9% dos cargos são preenchidos internamente. Na Coca-Cola Femsa, o setor de pessoal conta com o auxílio de programas de gestão de pessoas que mapeiam as competências de cada profissional. “No caso dos diretores, o desempenho é medido a partir do número de integrantes de sua equipe, aptos a sucedê-lo”, afirma Rogério Moraes, diretor de RH, que comanda um contingente de 200 profissionais. Uma parte deles se dedica a analisar os indicadores de gestão e identificar quais áreas e profissionais precisam de treinamento adicional. 

 

Além de um bom clima interno, treinamento e qualificação constante, boa parte das empresas certificadas pela consultoria CRF Institute vem se esforçando para promover a qualidade de vida de seus trabalhadores. Na seguradora BB Mapfre, o RH adota políticas para melhorar a qualidade de vida. O motivo é prático: os trabalhadores produzem mais e melhor quando conseguem ter tempo para cuidar de seus problemas pessoais. Para dar uma forcinha nesse campo, a direção da empresa lançou o Programa de Ouvidoria e Papo (POP). Trata-se de um serviço que disponibiliza atendimento jurídico e psicológico, por exemplo, e também dá dicas de como cuidar de problemas relacionados aos animais domésticos – se o totó ferir a patinha, basta ligar para o POP para saber como proceder. 

 

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“Apenas alto salário não retém talentos”

 

Robert Schäfer, diretor da consultoria holandesa CRF Institute e responsável pela certificação Top Employers

 

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Quais os aspectos que diferenciam as políticas de recursos humanos (RH) no Brasil em relação aos demais países?

Um ponto interessante é que os gestores brasileiros buscam profissionais comprometidos com a empresa. Apenas alto salário não retém talentos. E as políticas de RH acabam sendo desenhadas para reter esses trabalhadores. 

 

Existe alguma prática de RH na qual o Brasil ainda esteja atrasado?

O home office é um dos exemplos de política que ainda não ganharam força por aqui. Em muitos casos, as empresas liberam o funcionário para trabalhar em casa, por conta de um acordo informal com a chefia imediata e não por uma prática estruturada da companhia. 

 

As políticas de RH podem ser usadas como diferencial competitivo? 

Sem dúvida. Principalmente para garantir que a empresa conseguirá atrair os melhores profissionais. Isso vale para economias emergentes, como Brasil e China, e também para mercados maduros.