16/01/2017 - 17:08
Nilson Teixeira, economista-chefe do banco de investimentos Credit Suisse no Brasil, é um dos mais lúcidos analistas do País. Uma de suas principais características é fugir do efeito manada, aquele instinto de proteção que faz com que a maior parte de um grupo siga pelo mesmo caminho. Teixeira está, normalmente, do outro lado. Foi assim, por exemplo, quando apareceu como voz solitária alertando para a fragilidade das contas públicas no início do governo Dilma. A consequência era uma grave crise que se aproximava. Mesmo cercado de dados, foi criticado por ser pessimista. Mas o tempo (infelizmente) mostrou que ele estava certo. Numa das últimas ondas otimistas do mercado, as análises dele apontavam para um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,5% em 2017, ante uma projeção média de 2%. Agora, após revisão dos números, o mercado cortou 1,5 ponto percentual da taxa de expansão do PIB, para 0,5% neste ano. E Teixeira derrubou sua expectativa para o nível do chão. “Esperamos um crescimento anual de zero”, diz ele, nesta rara entrevista, em que defende a volta da polêmica CPMF.
DINHEIRO – Qual é a principal lição a se tirar de 2016?
NILSON TEIXEIRA – A principal lição é que, mesmo nesse ambiente de incerteza que deve se prolongar em 2017, é possível tomar decisões difíceis no curto prazo, mas que vão reverberar em maior expansão da economia no médio prazo. Estamos num ambiente difícil, mas o governo encaminhou medidas como a PEC 241 (Projeto de Emenda à Constituição que limitou os gastos públicos) e a reforma da Previdência. Isso mostra que, mesmo na turbulência, quando há vontade política o Congresso responde de maneira positiva, aprovando as medidas necessárias.
DINHEIRO – Mas 2017 será um ano melhor?
TEIXEIRA – A nossa projeção é razoavelmente otimista. Esperamos neste ano um crescimento médio trimestral de 0,25% em relação ao trimestre anterior, o que significa um crescimento anual de zero. Para o PIB de 2017 não crescer, precisa haver todo trimestre uma expansão de 0,25% com relação ao trimestre anterior. Há algum tempo, diziam que o nosso cenário era pessimista, afinal, tinha gente prevendo 2% de crescimento, enquanto estávamos com 0,5%. Agora, revisamos para zero, enquanto os demais vieram com uma velocidade maior para baixar a expansão para 0,5%. Mesmo assim, o risco de uma recessão em 2017 está posto. Mas, mesmo que seja uma queda de 0,5% do PIB, é muito melhor do que uma contração de 3,5%, como houve em 2016.
DINHEIRO – Há uma nova interpretação para a crise brasileira: não seria uma crise fiscal e, sim, de balanço das empresas. O senhor concorda?
TEIXEIRA – Nosso diagnóstico é diferente e nos parece que essa argumentação está desconectada dos dados. Lá atrás, os Estados Unidos tiveram, sim, uma crise de balanço das empresas. Em meados de 2007, começa a recessão e imediatamente a expansão do crédito, que era de 10% contra o mesmo mês do ano anterior, cai para zero em dois meses. Um ano depois, vai para -10%. Então, foi uma crise de restrição no balanço das empresas, pois elas são forçadas a reduzir investimentos e a aumentar a poupança. No caso do Brasil, isso não cabe. A recessão começa no segundo trimestre de 2014, quando o crédito crescia algo como 10% ao ano. O que a gente vê dois meses ou um ano depois? O mesmo ritmo de crescimento. O desempenho contra o mesmo mês do ano anterior continuou durante 2014 e grande parte de 2015. Agora percebe-se uma pequena contração, em termos nominais. A crise brasileira é fiscal e tem que ser tratada como uma crise fiscal.
DINHEIRO – Qual é o tratamento indicado para a crise brasileira?
TEIXEIRA – Reverter o déficit primário. Qual é a solução num diagnóstico de crise de balanço das empresas? O governo dos EUA está falando em estímulos fiscais. O Brasil não tem condição nenhuma de fazer estímulos fiscais, é o contrário. As medidas adotadas pelo governo brasileiro são muito corretas e estão na linha adequada, mas tem essa expectativa que, ajustando o longo prazo e melhorando as condições de negócios, a atividade econômica se recupere e esse déficit fiscal elevado se reverta.
DINHEIRO – É um processo automático?
TEIXEIRA – Essas medidas são favoráveis, mas teriam de vir conjuntamente com o tratamento do déficit primário. Qual é o déficit que a gente prevê para 2017? A previsão é que o déficit primário de 2016 vai ser um pouco superior a 2% do PIB e ele passa a ser muito próximo a 3% do PIB neste ano. Teremos uma situação em que o déficit primário será elevado por muitos anos. Entre 2015 e 2018, o déficit fiscal será de 10% do PIB. É muito. Se comparar com outros países, o único que tem um déficit nominal maior que o Brasil é a Venezuela, tomando como base as projeções do FMI. Sempre é possível argumentar que isso é a causa dos juros elevados. Mas, no período de 2010 a 2014, o Brasil também tinha juros elevados e muitos países estavam com déficit nominal maior que o nosso.
DINHEIRO – Se havia uma bomba relógio pronta para explodir, por que a demora para agir?
TEIXEIRA – Porque a percepção era a de que haveria uma retomada da atividade, que isso era passageiro. O nosso diagnóstico, há muito tempo, tem sido diferente. Esse déficit primário elevado e persistente dificultaria ou até impediria uma retomada. O que podemos ver é que talvez venha até uma retomada, mas ela não é permanente. Ela não é sustentável. Temos defendido que é preciso tratar o curto prazo. O ideal é cortar gastos, mas olha a dificuldade. Só é passível de alterar 10% da despesa, um pouco menos do que isso. E, entre essas despesas, estão investimentos, o PAC e as despesas correntes, como água, luz, telefone e viagens. O governo já cortou bastante os investimentos, é difícil cortar mais. Todas as outras medidas exigem corte de gastos que sejam autorizados pelo Congresso e o governo tem mostrado que não pretende fazer isso, no momento. Há duas alternativas: reduzir as renúncias tributárias, os subsídios, ou aumentar impostos. Como temos uma previsão de 3% do PIB de déficit primário para 2017, o ideal seria reverter isso imediatamente. Como? Com uma série de desonerações, que são passíveis de serem revertidas com aprovação do Congresso, e a CPMF. Há um tempo atrás, defendíamos que era equivocada a volta da CPMF, porque é um imposto regressivo e em cascata, desfavorável para a atividade econômica. Mas, dado o patamar da crise que o País passa, entendemos que, no curto prazo, o efeito indireto seria este: o País não terá mais esse problema fiscal pela frente.
DINHEIRO – Significa ficar menos tempo sob um ajuste fiscal?
TEIXEIRA – Se fosse possível fazer uma mágica, o déficit primário sairia de 3% para zero. Isso traria alguns benefícios. Nossos modelos comprovam ou sugerem que a inflação seria menor. Mais: a contribuição desfavorável para a atividade econômica advinda dessa incerteza fiscal sumiria. Teríamos maior crescimento e juros reduzidos de forma sustentável.
DINHEIRO – Caberia entrar, agora, a discussão sobre a independência do BC?
TEIXEIRA – Esse é um tema caro para nós, porque há muitos e muitos anos a autonomia formal da autoridade monetária contribui para a redução da inflação. Artigos acadêmicos mostram isso. Nos parece o caminho mais fácil para reduzir um pouco mais a inflação. Em nenhum momento a autonomia formal seria desfavorável para o Brasil. Todas as sugestões contrárias são muito frágeis na argumentação. Do tipo, “quem tem que escolher a política monetária é o governo eleito”. Política monetária tem um grande papel que é manter a inflação baixa e estável. Utilizar a política monetária para estimular a atividade econômica não funciona. O resultado da política monetária é inflação baixa e estável. É esse ambiente de inflação reduzida que permite um crescimento mais alto, e não o oposto.
DINHEIRO – Havia um descaso com a inflação?
TEIXEIRA – É natural enxergar uma recessão profunda e dizer que a inflação diminuirá. Nesses últimos anos, houve uma série de choques e erros de gestão de política monetária que impediram isso e elevaram a persistência da inflação. De qualquer forma, desde 2009, a expectativa da curva de juros de dezembro, as projeções do Boletim Focus e o próprio relatório de inflação do BC do mesmo mês têm subestimado a inflação do ano seguinte e do posterior. Como sempre, é natural ouvir que “neste ano será diferente”. Dada a dinâmica desses últimos anos, eu optaria por uma estratégia de corte de juros mais gradual, até angariar maior certeza sobre um declínio da inflação para patamar mais próximo do centro da meta.
DINHEIRO – O BC não fez isso e baixou a Selic em 0,75 ponto percentual, para 13% ao ano.
TEIXEIRA – Há que se reconhecer um declínio expressivo das expectativas de inflação, inclusive a nossa, desde meados de novembro. A inflação de alimentos no quarto trimestre foi a menor para o período desde 1991. Isso fez com que o IPCA no último trimestre de 2016 tenha sido o menor desde 1998. São quase 20 anos. Ao mesmo tempo, a incerteza sobre a retomada da atividade aumentou. Portanto, houve uma melhoria do balanço de riscos para a inflação. O comunicado do Copom apontou que esses fatores e a ancoragem das expectativas de inflação para os próximos anos em torno de 4,5% foram determinantes para sua decisão de acentuar o corte de juros. Continuo julgando que seria mais prudente ter certeza do recuo da inflação para algo mais próximo a 4,5%. Mas, por ora, esses fatores sancionam o plano de voo do Copom.
DINHEIRO – Essa redução de juros pode ajudar numa recuperação mais rápida?
TEIXEIRA – Esse maior declínio de juros, mais acentuado do que o mercado esperava há alguns meses, garantirá uma retomada muito mais expressiva da atividade. Mas há muitos riscos ainda pela frente.
DINHEIRO – Quais os riscos da não aprovação da reforma da Previdência?
TEIXEIRA – Nosso cenário tem incertezas internas e também externas. Algumas das internas vêm da adversidade global, mas também política. Conversando com investidores locais e internacionais, nossa leitura é que uma aprovação de uma reforma muito frágil e não ampla da Previdência tende a ser bem desfavorável para a retomada da atividade. No limite, uma rejeição da reforma nos parece que impossibilitará a retomada e aprofundará a recessão. Hoje, a reforma é bastante ampla. Resolve o problema no longo prazo? Não resolve, haja visto que precisará, em algum momento, provavelmente em 2019, acabar com a indexação ao salário mínimo. Mas a reforma da Previdência é bastante ampla, mesmo não pegando militares no primeiro momento.
DINHEIRO – E o que esperar do mercado externo?
TEIXEIRA – Há toda a incerteza global, que vem tanto da liquidez como de medidas mais protecionistas de países como os EUA. Sem falar nas eleições na Alemanha, na França e na Holanda, com possibilidade, que não é remota, de vitória de governos que defendem políticas mais restritivas, não só nos países desenvolvidos, mas nos emergentes. Ou seja, uma menor liquidez. Tem um processo de aperto monetário nos EUA. O risco é que a atividade seja mais forte e a inflação aumente num ritmo maior do que projetamos. Isso reduz a liquidez global, com tendência de apreciar o dólar frente a outras moedas, o que é desfavorável ao Brasil.
DINHEIRO – O sr. coloca entre os riscos a possibilidade de o presidente Temer não terminar o mandato?
TEIXEIRA – Todas as nossas discussões passam ao largo disso. Há um risco político evidente, não necessariamente nessa direção, mas em outras, muito associado à capacidade do governo manter o mesmo apoio no Congresso de forma a aprovar as medidas que discutimos. Isso é um risco importante. Por ora, esse risco é de probabilidade baixa. Mas quão permanente é isso, à medida que se aproximam as eleições de 2018? É muito difícil saber. É mais um grau de incerteza.