07/03/2010 - 12:23
DINHEIRO ? O modelo de privatização da telefonia está em xeque. Muitos analistas alegam que as empresas estão em dificuldades em razão das exigências impostas pelo governo. Qual a sua avaliação?
JOSÉ FERNANDES PAULETTI ? O modelo adotado pela Anatel teve um objetivo, de universalizar a telefonia, que deu certo até agora. Só na área da Telemar, passamos de 8 milhões de linhas para 18 milhões em três anos. Ou seja: aumentou a quantidade e, é importante lembrar, em áreas que não seriam atendidas não fosse esse modelo. Ninguém iria investir em regiões dispersas e de baixa renda se fosse levar em conta só o aspecto econômico. A qualidade também melhorou muito depois da privatização. Hoje, qualquer solicitação tem que ser atendida em até 15 dias. Antes, eu tinha uma fila de 2 milhões de pessoas só no Rio de Janeiro. A sociedade ganhou, o governo vendeu bem suas concessões e os fornecedores de equipamentos também lucraram muito.
DINHEIRO ? O que deu errado?
PAULETTI ? Os acionistas das companhias é que estão pagando a conta. Fazendo uma análise, a partir do balanço de todas as empresas em 2001, o que se percebe é que o retorno sobre o capital investido foi de apenas 1%. É muito pouco, abaixo até do rendimento do setor elétrico, que ficou em 6% ou 7%.
DINHEIRO ? Isso não foi fruto de diferenças de gestão, com algumas empresas indo mal e outras muito bem?
PAULETTI ? As três operadoras fixas têm uma situação melhor. Outras, como as da banda B da telefonia celular e as operadoras de longa distância, têm retorno até negativo. Mas a média é 1%, o que é muito ruim quando se leva em conta que o dinheiro custa uns 15% para as empresas. No Brasil, há muita empresa para pouca demanda. Num estudo que eu li, a previsão é que se chegue a um retorno de 8% só em 2010. É muito tempo para esperar.
DINHEIRO ? A concorrência acirrada em várias áreas já estava prevista no modelo de privatização…
PAULETTI ? Claro, mas o modelo também embutia uma perspectiva de crescimento da economia e de redistribuição da renda. Nada disso aconteceu. O custo para atender um assinante é da ordem de
R$ 35 mensais. Mas hoje, só 30% dos clientes têm uma receita que iguala esse custo. Os demais têm uma receita abaixo desse valor. O que compensa um pouco é o fato de haver uma parcela pequena, talvez uns 10%, com contas médias altas, da ordem de R$ 120 mensais.
DINHEIRO ? A Anatel deveria flexibilizar suas regras?
PAULETTI ? A agência está atenta aos problemas. Os atuais conselheiros e os que lá estavam sabem da situação. Mas eles têm uma crença de que bastam uns pequenos ajustes no modelo. Eu, ao contrário, penso que o ajuste básico é a flexibilização. Não dá para esperar até 2005 para permitir o processo de fusão ou aquisição de empresas. Isso tem que ser antecipado. O novo ministro, o Juarez Quadros, já deu sinais positivos nessa direção. Além disso, o governo pretende usar o dinheiro do Fust, o fundo de universalização da telefonia, para sanar parte do problema. Se há localidades que não são rentáveis, não é justo que as empresas paguem esse ônus.
DINHEIRO ? A saída do Renato Guerreiro, ex-presidente da agência, está ligada a esses problemas?
PAULETTI ? Talvez tenha influído, mas não foi exclusivamente isso. Os fatores pessoais também pesaram muito na decisão.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a polêmica entre o interino da Anatel, Antônio Carlos Valente, e técnicos do Banco Central, que levantaram essa discussão?
PAULETTI ? Essa questão não afeta a Telemar e, aparentemente,
já foi solucionada pelas partes envolvidas.
DINHEIRO ? Que conseqüências isso trará?
PAULETTI ? Se nada for feito, os investimentos inevitavelmente serão menores. Com menos investimentos, piora a qualidade. O que pode acontecer é haver uma reestatização do setor. A história é conhecida. O capital privado só permanece enquanto tiver retorno. Caso contrário, deixa de investir. É da natureza do capitalista.
DINHEIRO ? A nova gestão da Anatel terá uma visão mais
pró-mercado, não?
PAULETTI ? Acho que uma visão mais preocupada em analisar a situação como um todo e entendendo que uma rentabilidade adequada faz parte do capitalismo.
DINHEIRO ? Se a agência permitisse fusões antes de 2005, quantas empresas sobrariam no mercado brasileiro?
PAULETTI ? Eu vejo três ou quatro, com cada uma delas fazendo tudo: telefonia fixa, celular e de longa distância. Com isso, diga-se de passagem, teríamos a Telemar e mais duas ou três companhias. É preciso discutir quem serão os outros.
DINHEIRO ? A competição na telefonia fixa fracassaria?
PAULETTI ? O fato é que essa competição não existe em lugar nenhum do mundo. Se você controla as tarifas, a qualidade e ainda impõe metas de universalização, não há necessariamente necessidade de competição. A telefonia fixa é intensiva em investimento. E depois que uma empresa tomou o mercado, é inviável que uma outra operadora chegue para competir. O exemplo das empresas espelho mostrou isso no Brasil. Agora, se o governo quer a competição, não pode haver todo esse controle. É preciso também permitir que segmentos distintos sejam tratados diferentemente.
DINHEIRO ? Como assim?
PAULETTI ? Se eu tenho que atender todos os setores de uma mesma forma, sem preços diferenciados, fica complicado. Eu trato hoje o assinante de Ipanema, no Rio de Janeiro, da mesma forma que o assinante do interior do Piauí. Não há preconceito nenhum ao cliente do Piauí, mas eu dou a ele um superatendimento e talvez não atenda tão bem o de Ipanema. Como a obrigação é uniforme, o custo para as empresas aumenta. Se fosse diferente, eu poderia atender uma região de menor renda com um custo menor. Um cliente pode estar disposto a aceitar um reparo de uma linha em 15 dias. Outro pode querer a solução em cinco horas. Eu tenho que ter liberdade para oferecer um preço adequado a cada serviço.
DINHEIRO ? Para a Telemar, faz diferença não ter um sócio estratégico internacional?
PAULETTI ? No início, pouco depois da privatização, falava-se que quem não tivesse um operador estrangeiro estava fadado ao insucesso, como se brasileiros não soubessem gerir uma empresa. Essa hipótese se provou falsa. A Telemar é a empresa que mais tem clientes na América Latina e quem mais tem acionistas no Brasil ? são mais de 2 milhões. É uma companhia de porte internacional. A diferença é que outras empresas talvez captem recursos a um custo menor do que o nosso. Estamos mais sujeitos ao risco Brasil. Mas também temos algumas vantagens. Como os acionistas estão próximos da empresa, as decisões são mais ágeis e os erros são corrigidos rapidamente. Além disso, várias empresas controladas por estrangeiros tiveram problemas. Vide o que está publicado nos jornais: Embratel, Intelig e BCP ? neste caso, com os americanos da Bell South decidindo não pagar a dívida. Imagine se fosse a Telemar, uma empresa brasileira, tomando a posição da Bell South. Cairia o mundo em cima da nossa empresa. Mas como era uma empresa americana, o nome do problema não era calote, era reestruturação.
DINHEIRO ? Que outras ações deveriam ser tomadas pelo governo para ampliar a competitividade das empresas?
PAULETTI ? Um aspecto importante é o tributário. Hoje, a telefonia brasileira é que mais paga impostos no mundo. Incidem sobre o setor, um serviço essencial, tributos da ordem de 40%. Isso equivale a armas, bebidas e cigarros, essas coisas perigosas. Na energia, o imposto não chega a 12%.
DINHEIRO ? Como se pode resolver isso?
PAULETTI ? O problema é que os governadores estaduais não abrem mão da receita. Eles têm uma fonte de recursos líquida e certa. Em cada um dos Estados em que operamos, o secretário da Fazenda costuma ligar para nosso diretor para saber a quantas anda a arrecadação. Somos sempre a primeira ou a segunda fonte de ICMS. Mas colocar telefonia no mesmo patamar de bebidas e armas não me parece justo.
DINHEIRO ? O eventual socorro às operadoras já
foi até batizado informalmente como Protel ou Profone,
numa referência ao Proer. Não pega mal ajudar
empresas privatizadas?
PAULETTI ? É diferente. No exemplo do Fust, não se trata de um imposto adicional. O dinheiro é arrecadado das empresas e equivale a 1% do faturamento de cada companhia.
DINHEIRO ? Mas não se poderia alegar que algumas das empresas foram mal administradas?
PAULETTI ? Se metade das empresas estivesse bem e a outra metade estivesse mal, seria possível concordar com isso. Mas o problema é que todas as empresas enfrentam dificuldades. É algo generalizado. Acho até que, em alguns casos, houve problemas de gestão, com escolhas equivocadas de tecnologia e estratégias erradas, como a da Embratel, que quis emitir sua conta de forma separada. Mas essas coisas são isoladas e não explicam a crise do modelo. Nos últimos leilões da Anatel, sequer houve interessados. O governo também está perdendo investimentos.
DINHEIRO ? A Telemar já antecipou suas metas e poderá entrar em novos mercados. Essa competição será para valer?
PAULETTI ? Na longa distância, nós já fazemos ligações dentro da nossa área de concessão e temos quase 60% de participação de mercado. Assim que a Anatel nos der a certificação de antecipação de metas, poderemos entrar em outros mercados e essa é uma das nossas prioridades. Outra é a Oi, nossa empresa de telefonia celular.
DINHEIRO ? Que vantagens os clientes podem esperar? Haverá promoções para que os assinantes usem todos os serviços numa mesma empresa como a Telemar?
PAULETTI ? Vamos fazer todas as promoções na medida do que a legislação permitir. Hoje, a lei não permite subsídios cruzados. Mas eu sei que tenho que oferecer benefícios para conquistar clientes de outras operadoras e justificar meu investimento. Estamos entrando com uma tecnologia GSM, que é mais moderna, mais barata e permite mais aplicações para a internet. Além disso, os aparelhos custam 30% menos. Por isso, nosso preço será o menor do mercado.
DINHEIRO ? Há espaço para novas empresas, mesmo com tantos celulares pré-pagos no mercado?
PAULETTI ? Hoje eu gasto R$ 2,5 bilhões por ano com as tarifas de interconexão com as empresas de celular. É um custo alto que eu pago sempre que alguém liga de um fixo para um celular. Quanto mais gente eu incluir na nova planta da Oi, mais eu conseguirei economizar do lado da Telemar. A única operadora que tem telefonia celular e fixa na mesma região é a nossa.