25/06/2010 - 6:00
DINHEIRO ? No início do ano, o sr. disse que havia excesso de otimismo em relação ao Brasil e que o País era um dos maiores riscos para 2010. Agora, com a economia crescendo em ritmo acelerado, sua percepção mudou?
IAN BREMMER ? Na verdade, eu estava animado com o Brasil. Dissemos que o mercado ficaria um pouco preocupado se Dilma Rousseff estivesse à frente nas pesquisas eleitorais e agora ela está. Não há dúvida de que algumas pessoas estão preocupadas com a possibilidade de reformas em áreas como energia ou com a importância que o Estado terá na economia num eventual governo Dilma. Sabemos que ela não será tão carismática nem o Brasil terá a mesma atenção internacional que tem com Lula. Mas isso sempre foi apenas uma preocupação de curto prazo. Sempre fomos muito otimistas em relação ao Brasil como um mercado importante e ainda somos.
DINHEIRO ? O sr. ficou surpreso com o crescimento do PIB no primeiro trimestre?
BREMMER ? Não. Nós já esperávamos que o Brasil superasse as expectativas: o País tem uma forte estabilidade política, responsabilidade fiscal, política econômica e é um produtor de commodities. O vazamento de petróleo da BP nos Estados Unidos torna ainda mais atraente a exploração em países fora da Opep, e o Brasil é um dos poucos lugares onde haverá aumento da produção. É claro que há pontos negativos. Mas, de um modo geral, apesar do cenário global desfavorável, o Brasil tem apresentado bons resultados de maneira consistente.
DINHEIRO ? O sr. disse também que Dilma Rousseff deve ganhar as eleições e que os mercados não vão gostar. Qual deve ser a reação?
BREMMER ? Acho que haverá uma certa decepção nos mercados. Mas qualquer pessoa que vier depois de Lula terá esse mesmo problema. Eu diria que Lula foi a figura mais carismática que surgiu nos mercados emergentes desde Nelson Mandela ? ele tem um papel muito importante no cenário mundial. O Rio de Janeiro não teria a oportunidade de sediar a Olimpíada de 2016 sem Lula. Nem o Brasil teria se tornado o queridinho da imprensa internacional. Então, sem Lula, mesmo que o Brasil continue indo muito bem, as pessoas vão começar a prestar atenção em outros lugares. Haverá, ainda, uma preocupação com a possibilidade de mudanças em alguns setores, como serviços públicos, mineração e energia, mas acho que são problemas pequenos e de curto prazo.
“Ela não tem carisma e é desconhecida, mas vai massacrar Serra”
A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff
DINHEIRO ? O sr. vê uma diferença real entre Dilma Rousseff e José Serra?
BREMMER ? Não, não vejo. Parte do problema de Serra é que todo mundo está tão feliz com Lula que a única maneira de fazer campanha é dizendo que vai continuar com as políticas dele, apenas sendo mais eficiente. Mas, se você quer uma continuação das políticas de Lula, você provavelmente vai votar na pessoa que ele está indicando. Eu odiaria estar no lugar de quem tem de fazer a campanha de Serra. Apesar de ter uma oponente sem carisma e relativamente desconhecida, ainda assim ele será massacrado. É como ser um republicano fazendo campanha contra Obama.
DINHEIRO ? Nos artigos e livros, o sr. sempre coloca o presidente Lula como um personagem muito importante no cenário mundial. Como vê o Brasil nos próximos anos sem Lula?
BREMMER ? Menos importante. A decisão do Brasil de se aliar com a Turquia a favor do Irã, por exemplo: não acho que outro presidente brasileiro faria isso. Lula se envolveu em assuntos como meio ambiente, comércio internacional… Eu acho que o papel do Brasil vai ser reduzido, ficará limitado à esfera regional. E acho que as pessoas estarão menos interessadas no País.
DINHEIRO ? Como o sr. vê os mercados emergentes: os BRICs formam uma unidade, ou apenas uma sigla?
BREMMER ? Acho que os BRICs, como grupo, não ajudam a entender o mundo de hoje. É verdade que são as economias de maior ascensão atualmente, mas não têm muito em comum além disso. A Rússia é um país de commodities, exportador de óleo e gás, mas, descontando isso não tem muita coisa acontecendo por lá. Já a China tem um capitalismo de Estado, que vai tornar mais difícil atrair o investimento global, enquanto o Brasil e a Índia são países que estão se globalizando, se abrindo para o investimento. Acho que faz mais sentido olhar para o Brasil e a Índia juntos e para a China e Rússia separadamente.
DINHEIRO ? Qual será o lugar do Brasil no mundo nos próximos anos?
BREMMER ? Muita gente quer investir no Brasil. O País será a maior economia na América do Sul. Sem dúvida, vai atrair mais investimentos da China e de outros países, por causa do mercado doméstico em crescimento e das oportunidades de investimento em infraestrutura. Além disso, haverá muito interesse em agricultura e petróleo. As oportunidades de investimento no Brasil são muito significativas, e não vejo isso diminuindo.
DINHEIRO ? Em seu último livro, O fim do livre mercado, o sr. analisa o crescimento do capitalismo de Estado. Ele é uma mudança permanente ou uma reação à crise?
BREMMER ? Não é uma reação à crise, mas ela fez com que isso se tornasse um assunto muito mais urgente: capitalismo de Estado é um sistema econômico no qual os Estados usam o mercado para fins políticos. E isso é bem diferente de um mercado livre, em que as empresas são os atores econômicos mais importantes. Todos os países que estão se saindo melhor após a crise ? China, Rússia, Arábia Saudita ? têm capitalismo de Estado. Já aqueles que praticam a economia de mercado não estão indo muito bem: os princípios do livre mercado estão na defensiva. Está ficando difícil para os defensores do livre mercado colocar esses princípios em prática em seus países e mais ainda exportá-los. Em consequência, nos Estados Unidos você tem a direita dizendo que Obama é um socialista; e na China os líderes dizendo que o livre mercado falhou. Nenhuma das duas coisas é verdadeira, mas as duas têm suas motivações políticas. Precisamos do governo em seu papel regulatório, mas não acho que o governo seja eficiente para administrar empresas. Uma coisa é regular, outra é administrar de forma eficiente.
DINHEIRO ? E como o sr. vê a situação do Brasil: é uma economia de mercado ou um capitalismo de Estado?
BREMMER ? É uma economia de mercado. Ainda está se desenvolvendo e se tornando mais de mercado com o tempo. É muito mais regulada e muito mais sujeita a intervenções do que os Estados Unidos, sem dúvida. Como o mercado ainda não está tão maduro, o Estado interfere mais. Os Estados Unidos estão no outro extremo. O Brasil é um sistema híbrido, mas está muito mais do lado do mercado livre.
DINHEIRO ? A influência do governo em empresas como Petrobras, ou mesmo a Vale, é uma tendência em direção ao capitalismo de Estado?
BREMMER ? Um pouco, com relação às reservas de petróleo, mas não é uma coisa de fundamentos. É mais um movimento cíclico, de curto prazo, por causa da crise e do momento político. O governo vai acabar tendo um papel maior no setor de energia, mas ainda assim haverá mais transparência do que na Rússia.
DINHEIRO ? O sr. disse que a Petrobras vai se tornar menos eficiente à medida que aumente a participação do governo em seu capital.
BREMMER ? É verdade. A questão é que no Brasil a economia está indo tão bem que o governo pensa que se pode tolerar uma boa dose de ineficiência no setor de energia e manter mais petróleo no País. É ruim para os mercados, porque há menos petróleo para exportação, mas pode ser melhor para os brasileiros. Afinal, não são os economistas de Chicago que estão administrando o País, mas os políticos, que precisam agradar aos seus eleitores.
DINHEIRO ? Ficou claro que a BP não estava preparada para o acidente no Golfo do México. Outras empresas estão?
BREMMER ? Não. É preciso dizer que se a BP é ruim, as empresas estatais são ainda piores. A experiência da BP mostrará aos brasileiros que eles precisam da melhor tecnologia possível. Na perfuração em águas profundas, ninguém tem habilidade para responder efetivamente a uma crise. O que se pode fazer é tentar evitar que a crise aconteça, e a BP não se preparou de forma adequada para evitar o problema; mas nenhuma empresa tem capacidade de resolver um vazamento de petróleo desses.
“Se a BP é ruim, as estatais são ainda piores”
O vazamento do poço da BP no Golfo
DINHEIRO ? Como consequência, qual é futuro da exploração de petróleo em alto-mar?
BREMMER ? Os Estados Unidos devem ampliar a regulação da exploração de petróleo e incentivar os investimentos em energias alternativas. Haverá consequências no Canadá, provavelmente também na Austrália e talvez no Brasil. Será perigoso para uma empresa agir como a BP, depois de ver as consequências no Golfo. Um governo autoritário pode aceitar esse risco, mas não um governo democrático.
DINHEIRO ? Haverá menos interesse dos investidores? A exploração de petróleo será menos lucrativa?
BREMMER ? Não acho que haverá menos interesse, mas as empresas terão de obedecer a novas regras. E é claro que a operação será menos lucrativa: haverá mais custos.