24/01/2014 - 21:00
A corrente é de ouro ou prata, a camisa é da grife Lacoste e a bermuda, da Oakley. O tênis, de cor chamativa, é da Mizuno. Para finalizar o visual, um boné da brasileira John John e óculos Juliet, também da Oakley. Mas o estilo só fica completo se o personagem em questão estiver em cima de uma moto Hornet, da Honda, ou pilotando um Camaro, automóvel de luxo da Chevrolet. Esses produtos de marca e muitos outros fazem parte do kit, como é chamado o conjunto básico para a produção de um MC de “Funk Ostentação”. Atrás dos funkeiros de maior sucesso, estão os jovens da classe C, que buscam comprar nos shopping centers os produtos usados por seus ídolos.
Questão de estilo: o sonho de consumo de alguns jovens da classe C
é se vestir com grifes, da cabeça aos pés
Não é à toa que os “rolezinhos” acontecem nos principais centros de compra das grandes cidades, atraindo as atenções de todas as classes sociais. Para as empresas, o que antes era uma citação espontânea de suas marcas nas letras das músicas ou nos clipes começa a virar uma oportunidade de atingir esse público. E já há quem se aproxime dos funkeiros para conquistar parte de um bolo que só faz crescer, no Brasil. Segundo o Data Popular, instituto de pesquisa especializado em pesquisas sobre a classe C, esse contingente é formado por nove milhões de jovens de classe média emergente, com um poder de consumo anual estimado em R$ 130 bilhões.
Uma das primeiras empresas a vincular sua marca ao movimento funk foi a Mercedes-Benz, que lançou em maio do ano passado o clipe do modelo Classe A ao som de Ah lelek, interpretada pelo grupo MC Federado & os Leleks, do Rio de Janeiro. “Foi a nossa única oportunidade de ousar”, afirma Dimitris Psillakis, diretor de marketing da montadora alemã. “Inovamos e alcançamos uma repercussão jamais vista na companhia.” Com mais de dois milhões de visualizações no YouTube, a polêmica ação dividiu opiniões. O especialista em mídias digitais e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), Gil Giardelli, avalia que a ação foi arriscada, mas, se a intenção era fazer barulho, a Mercedes-Benz obteve sucesso.
Movimento: embalados pelo ritmo do funk ostentação, rolezinhos tomaram os shoppings de São Paulo
Por outro lado, o diretor-geral da BrandAnalytics/WPP, Eduardo Tomiya, tem uma visão diferente. “Não sei se isso trouxe algo de positivo para a marca.” Outra companhia que aposta nessa mistura de movimento musical e estilo de vida é a Red Bull. A empresa é apontada como uma das “patrocinadoras” do MC Guimê, ícone do chamado funk ostentação. Com uma renda mensal superior a R$ 300 mil, que o funkeiro diz ser proveniente de cachês de shows, o músico paulistano vem transformando em um grande negócio a composição de músicas cujas letras incluem grifes famosas. Até então, a citação às marcas acontecia de forma espontânea como uma idolatria a um objeto de desejo.
Um bom exemplo é “Plaquê de Cem”, que fala em diversos modelos de carros. Agora, para fazer parte da trilha sonora e aparecer em seus clipes tem de pagar. O empresário e a produtora do cantor não revelam o nome das empresas que bancam o MC. No clip da música “País do Futebol”, no qual Guimê divide os vocais com o rapper Emicida, a Red Bull está presente na roupa do craque Neymar e na dos figurantes. Além disso, Guimê devora uma lata do energético. Procurada, a fabricante da bebida se limitou a dizer, por meio de seu departamento de comunicação, que tem uma “relação de confiança” com as três personalidades.
Onde está o dinheiro: Monaco, do grupo Afeet, diz que os funkeiros
é que puxam as vendas de tênis de R$ 1 mil
Mesmo sem mirar diretamente esse consumidor em suas estratégias de marketing, diversos fabricantes de produtos considerados de luxo vêm se beneficiando dessa onda. Nessa lista constam especialmente marcas esportivas, como Nike, Adidas e Mizuno, as mais desejadas pelos adeptos do funk ostentação. Segundo Flávio Monaco, coordenador de marketing do grupo Afeet, dono das lojas de calçados esportivos Authentic Feet e ArtWalk, o produto mais pedido pelos fãs do funk é o tênis vendido por R$ 1 mil. “Eles criaram uma nova categoria, o tênis de ‘milão’”, diz. Graças a estes consumidores, a loja do shopping Metrô Itaquera, na zona leste de São Paulo, vendeu 55% a mais em relação à unidade do shopping Páteo Higienópolis, em bairro de classe média alta da capital paulista.
Em 2013, o grupo faturou R$ 400 milhões. Para Giardelli, professor da ESPM-SP, as empresas deveriam esquecer as segmentações de propagandas por classe social. “Os empresários ainda não perceberam que a comunicação mudou há dez anos”, afirma. “Não há como dividir mais em A, B ou C.” Apesar do enorme poder de consumo dessa tribo, muitas empresas evitam falar sobre o assunto. Muito menos querem ver sua imagem vinculada ao estilo musical que embala o polêmicos “rolezinhos”. A sul-africana Amarula, consumida aos litros nos clipes de MC’s, é uma delas. Por meio de nota enviada pela assessoria, deu o tom.
Mulher do poder: sucesso no Rio, a MC Pocahontas faz 40 shows
por mês e cobra até R$ 25 mil de cachê
“Os diretores da Amarula preferem se resguardar sobre o assunto, para não mudar a percepção do produto no seu público-alvo”. Menos radical, a britânica Diageo, dona e distribuidora dos uísques Johnnie Walker no Brasil, acompanha de perto o fenômeno. “Só não toleramos ter nossa imagem vinculada ao abuso de álcool e ao consumo de menores”, afirma Álvaro Garcia, diretor de marketing da Diageo. Meirelles, do Data Popular, diz que as empresas estão perdendo a oportunidade de fidelizar um futuro cliente em potencial. Segundo o instituto, 44% das pessoas que integram hoje as classes A e B ascenderam a essa condição nos últimos 20 anos.
Um exemplo emblemático é a MC Pocahontas, nome artístico de Viviane Queiróz, nascida em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Aos 19 anos, a moça que fez carreira no estilo de funk “proibidão” aderiu ao funk ostentação e hoje integra o que ela chama de “bonde das minas que andam no ouro”, um dos versos de seu hit “Mulher do Poder”. Com uma renda mensal estimada em R$ 200 mil – ela cobra entre R$ 5 mil e R$ 25 mil por show—, a moça está se preparando para sua primeira viagem internacional. Lá, certamente, ela vai adquirir todos os produtos que insere nas letras de suas músicas: Channel, Gucci e outros objetos do desejo típicos de jovens mais abastados.