Uma única peça decora uma parede da sala do executivo Leonardo Lachman. Um mapa das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste cortado por traços de diversas cores revela uma rede de dois mil quilômetros de fibras ópticas espalhada por algumas das mais importantes rodovias do País. A gestão do negócio está nas mãos de Lachman, presidente da Refibra, consórcio formado pelas duas maiores operadoras de telefonia, a Telemar e a Telefônica, e a Barramar, empresa controlada pelo empresário Lúcio Gomes. ?Este é nosso muro de lamentações?, diz Lachman, diante da parede. Não faltam motivos para lágrimas. A Refibra hoje é alvo de uma guerra judicial entre Gomes e os sócios, carrega um prejuízo de R$ 150 milhões e não fatura R$ 40 milhões por ano. Na história não faltam acusações de golpes. Gomes afirma que teve seus ativos apro-
priados pelos sócios. ?Eles se uniram em um conluio para me asfixiar financeiramente?, diz. Lachman rebate: ?Salvamos a empresa dele?. O mais recente lance ocorreu dias atrás: a Barramar ingressou no Cade queixando-se de abuso de poder econômico dos demais sócios.

É nesse pé que se encontra um dos mais ambiciosos projetos da era de ouro da telefonia e internet no Brasil. No final da década de 90, Gomes obteve concessão para passar dutos de cabos telefônicos pelas valetas centrais ou margens das rodovias. Era jóia rara naquele momento. As operadoras precisavam de infra-estrutura de cabos para atingir as metas de expansão impostas pela Anatel. Pelos planos iniciais, a rede idealizada por Gomes cortaria o Brasil e ligaria Fortaleza à fronteira com o Uruguai, numa extensão de 23 mil quilômetros. Se fosse concluída, teria consumido investimentos de US$ 1 bilhão. ?Desenhei uma engenharia financeira na qual os clientes me antecipariam os pagamentos para que eu pudesse construir a infra-estrutura?, conta ele. O primeiro contrato, nesses moldes, foi assinado com a Alcatel, fabricante de equipamentos para telefonia. A empresa faria o cabeamento de oito mil quilômetros do projeto e, em troca, receberia dois dutos para alugar. Segundo Gomes, a Alcatel repassaria os direitos para a Intelig e, assim, seria remunerada. Deu tudo errado. A Intelig desistiu do negócio. ?Saímos atrás de uma alternativa?, conta Gomes.

Logo depois, ela apareceu. A Telefônica fechou um contrato com a Barramar no valor de R$ 350 milhões. Gomes tomou um avião para Genebra, onde acontecia um evento sobre telefonia, e fez a proposta aos executivos da Alcatel: a Telefônica faria as vezes da Intelig no negócio. ?Estou esperando a resposta até hoje?, conta Gomes. A saída para a Barramar foi montar uma estrutura própria para atender o contrato com a Telefônica. Mas foi em vão. Os trabalhos atrasaram e a Telefônica estancou os pagamentos. A Barramar rapidamente se tornou inadimplente com os fornecedores.

Nesse momento, a Alcatel e a Telefônica procuraram Gomes com uma proposta: um consórcio formado por elas e a Telemar assumiria a rede de dutos e as dívidas do projeto, estimadas em R$ 450 milhões. A Barramar ficaria com apenas 5% do consórcio. ?De um lado, estava o principal fornecedor. De outro, o maior cliente?, afirma Gomes. ?Não tive alternativa.? A visão dos sócios é diferente. ?Gomes havia recebido R$ 347 milhões e construído 2.000 quilômetros de rede?, diz Lachman. ?A Barramar perderia tudo se os sócios não assumissem.?

Credor suspeito. No contrato, estavam listados todos os 120 credores da Barramar, com nomes e valor da dívida. O consórcio se comprometeu a equacionar o endividamento. Os maiores credores eram os próprios sócios, a Telefônica e a Telemar. ?Jamais recuperaremos o investimento feito?, diz Lachman. Os demais foram chamados um a um para renegociar seus débitos. Apenas 15 credores não foram pagos. ?Alguns tinham dívidas pequenas e não nos procuraram, outros estão sendo equacionados?, explica Fernandes. Um desses, porém, transformou-se no problema que azedou de vez o relacionamento entre Gomes e os sócios. Trata-se de uma empresa chamada Beckmar, que teria a receber R$ 3 milhões. O próprio Gomes tem dificuldade em definir os serviços prestados. ?Eles me ajudaram na intermediação de negócios?, diz ele. Lachman descreve o perfil da Beckmar: ?Uma empresa das Ilhas Cayman, sem donos conhecidos, com um procurador panamenho e cuja endereço é uma caixa postal?. Esse caso gerou um tiroteio entre Lachman e Gomes. ?Não pagaremos?, diz Lachman. ?Eles não pagam para provocar a falência da Barramar?, acusa Gomes. ?Evitamos a falência da Barramar 14 vezes. Se quiséssemos quebrá-la, já o teríamos feito?, replica Lachman. A Beckmar entrou na Justiça por intermédio de um advogado de São Paulo. Na defesa, os advogados da Refibra classificaram a companhia de ?nebulosa e esquiva; seu crédito, impalpável e improvável; seus dirigentes, invisíveis?, parafraseando trechos de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. A Beckmar perdeu em primeira instância. Na segunda, o juiz decretou a falência da Barramar. Gomes está recorrendo da decisão, na tentativa de reescrever este capítulo de mais uma crônica da história empresarial brasileira, que, mesmo sem a pena brilhante de um Machado, aproxima-se do mundo da ficção.