23/08/2013 - 6:10
Assista à entrevista com o repórter André Jankavski (à esq.) e com o editor Hugo Cilo
O economista americano Douglas McGregor (1906-1964), um dos mais respeitados estudiosos da ciência da administração do último século, afirma em seu livro Aspectos Humanos da Empresa que a prosperidade de uma grande companhia depende, essencialmente, de sua capacidade de ser transparente e confiável perante seus clientes e funcionários. No sentido contrário, o pensador Henry Mintzberg, canadense considerado um guru na gestão de multinacionais, autor do livro A Ascensão e a Queda do Planejamento Estratégico, garante que o segredo do sucesso de uma empresa reside na habilidade de esconder suas estratégias de mercado e preservar, a todo custo, a hierarquia interna.
Trem nada azul: composição da CPTM em São Paulo, destino favorito do cartel da Siemens e cia.
Nas últimas semanas, a subsidiária brasileira da gigante alemã Siemens, protagonista principal de um escândalo envolvendo a formação de cartel em licitações no Metrô de São Paulo e fraudes de cerca de R$ 500 milhões, em contratos firmados entre 1998 e 2008, uniu as duas teorias para compor uma estratégia de defesa de sua imagem e de seus interesses. Publicamente, a postura oficial Siemens é de transparência. ?Em momentos críticos como o que estamos atravessando, a ordem é pautar nossa conduta pela total transparência?, afirmou à DINHEIRO Lena Ikejiri Medeiros, executiva de recursos humanos da empresa. ?Fizemos uma faxina sem precedentes.
Para a Siemens, integridade é um caminho sem volta, custe o que custar?, reforça Fabio Selhorst, vice-presidente de assuntos jurídicos e de ética da companhia. Intramuros, nos corredores da companhia, no entanto, o discurso é outro. ?Recebemos uma ordem expressa da cúpula da Siemens para não pronunciar nenhuma palavra sobre o caso. Lamento?, disse um executivo da companhia ouvido pela reportagem, sob a condição de anonimato. ?Estamos muito preocupados.? Assim como nos escritórios da Siemens, a lei da mordaça foi imposta aos operários de suas fábricas. DINHEIRO procurou conversar com funcionários de duas de suas unidades no Estado, uma no centro industrial de Jundiaí, no interior paulista, e outra no bairro de Pirituba, na capital.
Faxina: “A ordem é pautar nossa conduta pela total transparência”, diz Lena Medeiros, gerente de RH
Poucos trabalhadores, no entanto, quiseram falar sobre o assunto. ?Ninguém fala nada aqui, como se tudo estivesse normal?, afirmou uma funcionária. Um projetista da empresa, que também não quis se identificar, disse que a falta de comunicação tem alimentado a insatisfação dos funcionários. ?Se não devessem nada, eles falariam mais?, afirma. ?O silêncio só serve para deixar tudo mais estranho.? A decisão da Siemens de admitir em um processo de delação premiada junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ter combinado preços de metrô com 20 empresas fez com que adquirisse, na visão de parte da sociedade e dos próprios funcionários, o rótulo de dedo-duro, além de corrupta.
?A demora em assumir a responsabilidade publicamente prejudica ainda mais a imagem da companhia?, disse João José Forni, mestre em gestão estratégica pela USP, professor em gestão de crise e ex-assessor especial da presidência do Banco do Brasil. ?O capital reputacional que a empresa construiu ao longo dos anos já está desgastado.? Indiscutivelmente, como indica Forni, a recuperação da imagem da Siemens será um caminho longo e tortuoso. A companhia opera no Brasil há mais de um século e atua em diversos segmentos, desde a área de saúde até energia e infraestrutura. A completa restauração de sua imagem poderá levar entre cinco e dez anos, na avaliação do psicanalista Jorge Forbes, especialista em ética corporativa.
?As pessoas, em geral, são implacáveis com empresas alemãs e japonesas, que vendem uma imagem de regradas, moralistas e extremamente disciplinadas?, afirma Forbes. ?A Siemens está doente porque seu modelo operacional está errado.? A mais evidente constatação de que o deslize ético da Siemens afetou em cheio a rotina da empresa surgiu na segunda-feira 19. Segundo a DINHEIRO apurou, o departamento de seleção da companhia estaria concluindo um processo de contratação de executivos de alto escalão, mas três dos cinco candidatos teriam desistido das vagas por temer que a imagem desgastada da Siemens ? gerada pelo episódio de corrupção ? prejudicasse suas carreiras. Dois deles seriam trazidos da concorrente Alstom, outra acusada de envolvimento no esquema de corrupção no Metrô, e um da GE.
As vagas, de direção, seriam para o departamento de compras (duas) e para o financeiro (uma). A empresa, oficialmente, nega o ocorrido. Admite, no entanto, que o clima interno tem sido afetado pelas denúncias contra suas práticas. ?É inegável que a intensa exposição na mídia mexe com o dia a dia de todos os colaboradores?, diz o vice-presidente Selhorst. ?Afinal, não é comum que uma grande empresa ganhe as manchetes como denunciante de um regime de cartel.? Na mesma segunda-feira em que os três executivos declinaram do convite feito pela Siemens, o presidente da empresa no Brasil, Paulo Ricardo Stark, convocou uma reunião de emergência com seus funcionários de confiança para alinhar o discurso e evocar o código de ética mundial da Siemens.
Clima tenso: dentro das fábricas da companhia no País,
a ordem é manter o silêncio
?Para recuperar nossa imagem, temos que colocar em prática os dois primeiros itens do nosso estatuto, que é a valorização de nossos colaboradores e o respeito às leis dos países em que atuamos?, disse Stark, a portas fechadas. ?Não podemos nos abalar.? Ao mesmo tempo, Stark intensificou a divulgação na internet de uma carta aberta para evitar que o episódio continuasse sangrando a reputação da companhia. Além disso, foi realizada uma reunião com todos os nove mil funcionários da empresa no Brasil, por um sistema de audioconferência chamado Town Hall Meeting. No front externo, o presidente tem se dedicado a visitar pessoalmente entidades de classe e a um corpo a corpo com os clientes para explicar a nova postura da empresa e a introjeção dos princípios éticos em seu DNA.
Não é a primeira vez que Stark se vê no olho de um furacão de escândalos corporativos. Ele assumiu a presidência da empresa no Brasil há dois anos, após a demissão intempestiva e sem glória do executivo Adilson Primo, que caiu sob suspeita de desvio de recursos da companhia e remessas para uma conta no paraíso fiscal de Luxemburgo. Primo, inclusive, ainda hoje paga o preço pelos supostos erros do passado. Na terça-feira 20, ele deixou o cargo de secretário de governo da Prefeitura de Itajubá, na região sul de Minas Gerais, para o qual fora nomeado por seu primo de primeiro grau, o prefeito Rodrigo Rieira (PMDB). Segundo o ex-CEO da Siemens, a repercussão negativa do caso poderia prejudicar a carreira política do parente.
A repercussão, de fato, tem se alastrado a uma velocidade raramente vista. Apesar da política do silêncio imposta pela Siemens aos seus funcionários, a polêmica está ganhando maiores proporções no mundo virtual. A Siemens foi uma das empresas mais citadas nas redes sociais nas últimas duas semanas dado o acirramento dos debates em todo o País em torno da polêmica das licitações do Metrô. Publicações com teor ofensivo na página do Facebook, citações no Twitter repudiando o cartel e fotos no Instagram atribuindo a lotação do transporte público paulistano à corrupção passaram a fazer parte do cotidiano da Siemens.
Os ataques têm sido respondidos pela empresa por meio de uma mensagem automática: ?Por favor, compreenda que não podemos fazer comentários publicamente.? O controverso silêncio da Siemens, embora tenha gerado críticas, é tido como uma postura-padrão em momentos de escândalos como este, de acordo com o coordenador de marketing digital da Escola Superior de Marketing de São Paulo
(ESPM-SP), Pedro Waengertner. ?Claramente, é um posicionamento jurídico?, disse Waengertner. ?O episódio, se for bem administrado pela Siemens, pode até gerar um resultado positivo, já que a empresa poderá estabelecer um novo patamar de ética no meio corporativo?, afirmou Mário Rosa, consultor especialista em gerenciamentos de crises. A ver.