Na entrada da loja da Piccadilly, na pequena cidade gaúcha de Igrejinha, onde também funciona sua primeira e principal fábrica, um mapa-múndi chama a atenção. Nele, 90 países estão marcados na cor vermelha, indicando os mercados em que a quase sexagenária empresa de calçados femininos já atua. “Os clientes param e tiram fotos, apontando os lugares de onde vieram”, diz Paulo Grings, presidente da Piccadilly e filho do fundador, Almiro Grings. “A nossa meta é deixar o mapa completamente preenchido em pouco tempo.”

A julgar pelo forte processo de internacionalização nos últimos anos, a Piccadilly tem pressa. Desde 2010, quando lançou seu plano “Ambição 2015”, que previa dobrar de tamanho em cinco anos, a empresa iniciou operações em dez países. Além disso, dos 90 mercados em que atua, possui 31 lojas exclusivas em dez deles, sendo que outros dois pontos de venda serão inaugurados ainda neste ano. Tal estratégia não ocorre no Brasil, onde a Piccadilly só possui a loja na matriz. “Não queremos concorrer com os nossos clientes varejistas”, afirma Grings.

“As lojas no Exterior são fruto de parcerias com os estrangeiros, é uma forma de prestigiá-los e ganhar força na marca.” Na contramão do mercado, a Piccadilly, que produz dez milhões de pares de calçados por ano, aposta na internacionalização em um momento em que empresas brasileiras reduzem a passada dos investimentos no Exterior. Segundo pesquisa da consultoria Maksen, empresários brasileiros investiram, em 2013, US$ 3 bilhões a menos em comparação ao ano anterior. O número de novas empresas se aventurando em terras estrangeiras também caiu: de dez, em 2004, para duas, no ano passado.

O apetite da Piccadilly por novos mercados no Exterior não foi afetado nem mesmo por seus tropeços nas vizinhas Argentina e Venezuela. A instabilidade econômica do mercado argentino, segunda maior importadora dos calçados brasileiros, atrás apenas dos Estados Unidos, vem afetando drasticamente as fabricantes nacionais. De acordo com dados da Abicalçados, associação que representa o setor, no acumulado do primeiro semestre, as vendas para os hermanos caíram 39%, para R$ 33 milhões, em comparação com o mesmo período de 2013.

No geral, as exportações brasileiras caíram 2,6%. “Os calçados brasileiros representam 30% da importação argentina de calçados”, diz Heitor Klein, presidente da Abicalçados. “Há cinco anos, era 65%.” Antes do tombo do mercado argentino, a Piccadilly caminhava a passos firmes rumo ao seu projeto de dobrar de tamanho até 2015. As vendas da companhia, no fim de 2012, já somavam R$ 412 milhões, aumento de 70% em relação ao início do projeto, dois anos antes. Em 2013, no entanto, os resultados acompanharam a reviravolta dos mercados sul-americanos.

“Não exportamos sequer um par para a Venezuela nos últimos dois anos”, diz Micheline Grings, diretora de exportação da empresa e sobrinha do presidente. “As vendas para a Argentina já caíram 30% e o percentual pode aumentar até o fim do ano.” Os problemas com os países vizinhos trarão um impacto visível no faturamento da Piccadilly: a estimativa é fechar 2014 com queda de 7,7% nas vendas, a R$ 380 milhões. A pisada em falso, porém, não tira o otimismo de Grings. “Estamos aumentando a atenção para novos mercados, como Rússia, Israel e Equador”, afirma o presidente.

“Queremos ter 40 lojas no Exterior até o ano que vem.” Mesmo com todos os problemas, a Piccadilly estima que os negócios internacionais têm potencial para representar metade do seu faturamento, ante os 20% atuais. Além disso, para o ano que vem, a empresa espera recuperar as perdas de 2014. “Vamos chegar a R$ 500 milhões em vendas em 2015 e atingir nosso objetivo de dobrar de tamanho”, afirma Grings.

Para não depender da boa vontade dos governos da Argentina e Venezuela, Grings investiu cerca de R$ 100 milhões na modernização das máquinas de suas três fábricas no Rio Grande Sul, além da compra de maquinários para a nova unidade, em Aracati, no Ceará, que começará a operar em 2015 e aumentará sua produção em 10%. Com isso, a Piccadilly espera continuar sua caminhada rumo ao Exterior. “Apesar de todos os problemas, vamos colorir o mapa inteiro de vermelho”, diz Grings.