06/08/2003 - 7:00
O Bradesco e o Deustche Bank uniram esforços em torno de um ambicioso projeto para a indústria brasileira. Sócios na CPM, empresa paulista que atua no mercado de serviços de tecnologia, as duas instituições querem vê-la disputando contratos internacionais. É um mercado projetado de US$ 70 bilhões este ano e amplamente dominado por companhias da Índia, que aproveitam a necessidade de empresas de países ricos em reduzir seus custos tecnológicos. Os brasileiros e alemães querem brigar por uma parte maior do bolo. ?Seremos a Embraer da tecnologia?, afirma Antonio Carlos Rego Gil, presidente da CPM. O projeto da empresa começou há três anos quando o Deustche Bank, liderando um grupo de investidores privados, comprou 51% da empresa que ainda estava sob controle do fundador Arnaldo Albuquerque, que havia criado a companhia em 1982 para vender equipamentos de informática. O Bradesco entrou no negócio
em 1985 e em 1990 a CPM ganhou o atual perfil de uma empresa
de serviços de tecnologia. Em 2000, após a entrada dos investidores e do Deustche, houve uma profunda reestruturação sob o comando de Rego Gil. O primeiro passo foi desmontar linhas de produtos de baixa rentabilidade e criar novidades. A CPM funciona como uma
linha de montagem da indústria de tecnologia. É tecnicamente chamada de integradora porque trabalha com softwares e hardwares de outras empresas e monta produtos de acordo com as necessidades de cada cliente.
O desembarque internacional começará pelos Estados Unidos, o maior mercado mundial de serviços terceirizados de tecnologia onde os indianos praticamente não têm concorrentes. Só no ano passado a Índia conseguiu contratos da ordem de US$ 8,5 bilhões, que representam 22% de todas as exportações do país. O Brasil ainda está muito distante de alcançar esses valores. A indústria nacional exporta em média US$ 100 milhões a cada ano, cerca de 0,16% das vendas de produtos brasileiros para o exterior. A Índia já possui multinacionais nessa área, como a Wipro, que tem ações à venda na Bolsa de Nova York e um valor de mercado de US$ 5,2 bilhões. O seu presidente Azim Premji Wipro tem no país prestígio e fama comparados aos empresários de tecnologia estrangeiros como Bill Gates.
Bancos. É por isso que o desafio da CPM não é pequeno. Para referendar essa trajetória, a CPM conta com o apoio de duas instituições financeiras sólidas e uma estratégia de crescimento agressivo que passa pela criação de um departamento de inteligência de mercado. A estratégia da companhia brasileira é fechar contratos em setores nos quais o País é reconhecido internacionalmente, como a tecnologia para bancos. Desde o início do ano, duas equipes da CPM viajam por vários Estados americanos conversando com potenciais clientes. Três contratos devem ser fechados nos próximos meses. No setor financeiro a CPM sabe que os indianos não têm como competir, porque lhes faltam o conhecimento de um sistema bancário tão sofisticado quanto o brasileiro. ?Nossa tecnologia bancária causa inveja lá fora?, afirma o consultor Odécio Grégio, que trabalhou durante 33 anos na área de tecnologia do Bradesco.
Hoje o faturamento da CPM é de R$ 600 milhões. Na última pesquisa do International Data Corporation, a empresa é a sexta colocada entre os maiores fornecedores de serviços de tecnologia do País. Tem entre seus concorrentes gente do tamanho da IBM. Na área bancária, ocupa a terceira posição. Rego Gil quer acrescentar outros R$ 300 milhões ao seu faturamento atual já em 2004, a partir dos clientes externos, e no ano seguinte mais R$ 600 milhões. Para atingir essa meta, ele não pretende aumentar o atual quadro de funcionários de 2.500 pessoas. A intenção é repartir partes de projetos com empresas menores. ?Alguém precisa buscar um pedaço desse bolo dos indianos?, afirma o cientista-chefe do Centro de Estudos Avançados do Recife (Cesar), Silvio Meira. O Cesar é uma organização não-governamental vinculada à Universidade Federal de Pernambuco que desenvolve projetos na área de tecnologia.
O sucesso da CPM nessa empreitada é aguardado com muita expectativa por empresas menores com o mesmo perfil. O modelo indiano é um exemplo internacional. Nos últimos dez anos, a Índia conseguiu se posicionar de maneira bastante clara como uma opção barata e de qualidade para as empresas de nações mais ricas interessadas em reduzir os custos de tecnologia. É crescente a quantidade de companhias americanas que a cada dia concentram o desenvolvimento de seus produtos dentro dos laboratórios de companhias indianas. Nos Estados Unidos fica apenas o trabalho intelectual. A parte pesada fica a cargo dos programadores indianos, que em média ganham a metade de um trabalhador americano na mesma função. ?A diferença no mercado internacional está na qualidade do serviço e custo baixo?, afirma Laércio Cosentino, presidente da Microsiga, produtora de softwares administrativos para pequenas e médias empresas no Brasil.
A Microsiga é uma das poucas marcas do setor que conseguiu fazer uma pequena expansão fora do Brasil. Tem operações no México e Argentina. Rego Gil entende essas observações, mas procura se cercar do apoio governamental. Sua articulação passa pelo gabinete do ministro da Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, e a embaixada do Brasil nos Estados Unidos. O embaixador brasileiro Rubens Barbosa está apoiando pessoalmente o projeto da CPM por identificar uma grande oportunidade para outras companhias nacionais em território americano. Rego Gil parece ser a pessoa certa para esse tipo de articulação. Formado em engenharia pelo Instituto de Tecnologia da Aeronáutica, ele é uma referência no mercado brasileiro de tecnologia. Foi presidente da IBM, da SID Informática e da AT&T. Foi ele, ao lado do ex-presidente da Sharp, Mathias Machline, que trouxe para o Brasil a AT&T.
A dupla também chamou atenção ao fazer uma associação com a IBM para a fabricação de computadores pessoais no País, logo após o final da reserva de mercado de hardware nos anos 90. ?Buscar o que parece impossível faz parte do meu histórico?, afirma Rego Gil, que nos seus anos de aluno do ITA, no início da década de 50, costumava passar as férias projetando partes de aviões para uma embrionária indústria aeronáutica nacional que poucos imaginavam chegar ao atual momento. Era a Embraer. ?Quero ter o mesmo sucesso internacional da Embraer?, diz. Para repetir o modelo, o presidente da CPM terá de acrescentar um novo tempero ao prato tecnológico americano. Em vez de curry indiano, a boa pimenta brasileira.