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HÁ EXATOS 100 ANOS, QUANDO o navio Kasato Maru desembarcou no porto de Santos e trouxe a primeira leva de imigrantes japoneses ao País, com 165 famílias a bordo, teve início uma rica história de intercâmbio cultural e econômico. Ao longo desse século, o Japão se tornou a segunda maior potência econômica do mundo, com um PIB de US$ 4,3 trilhões, e fez investimentos no Brasil que seguiram uma certa lógica. Primeiro, vieram aportes na agricultura. Depois, no comércio de produtos exportáveis, como o café. Em seguida, na indústria de televisores e produtos eletrônicos. O estágio posterior foi a entrada em grandes projetos industriais – a Nippon Steel, por exemplo, é uma das maiores acionistas da siderúrgica Usiminas. Mais recentemente, montadoras japonesas, como a Toyota e a Honda, ampliaram sua participação no mercado automobilístico. Faltava o passo final: a aposta na inteligência brasileira. Essa decisão, que demorou quatro anos para amadurecer, foi concretizada há poucas semanas, quando a Mitsubishi, maior conglomerado empresarial do Japão, decidiu investir US$ 80 milhões na Politec, uma das principais empresas nacionais de tecnologia. O número inicial pode parecer modesto, mas as ambições são imensas. “A Politec será nossa fornecedora preferencial de softwares, em escala global”, antecipou à DINHEIRO o executivo Koichi Komatsu, CEO do Innovation Group do titã japonês.

Para entender o que isso representa, basta dizer que a Mitsubishi fatura US$ 230 bilhões por ano, possui mais de 500 empresas instaladas em 80 países e investe US$ 4 bilhões tecnologia há 38 anos, em Brasília. Criada como uma firma de processamento de dados, a Politec se tornou uma das principais fabricantes de softwares do País, com destaque no setor financeiro, que é um dos pontos fortes da automação made in Brazil. Hoje, a empresa fatura R$ 500 milhões por ano e planeja dobrar de tamanho até 2010, com os bons ventos que sopram do Japão. “Em breve, seremos uma verdadeira multinacional brasileira de tecnologia, com metade da receita garam no Kasato Maru, poderia ser um provedor natural de trabalhadores. Ocorre que as coisas não são tão simples assim. Muitos dekasseguis não aprendem corretamente o idioma japonês e acabam exercendo serviços menos valorizados. “O que nós queremos é gerar postos de trabalho qualificados e, muitos deles, no Brasil”, diz Oliveira, da Politec. Desde que iniciou as negociações com a Mitsubishi, em 2004, ele começou a selecionar jovens das principais colônias japonesas e São Paulo e do Paraná. Dos 600 candidatos que passaram pelo funil da Politec, sobraram 30, que foram treinados no Japão e já voltaram ao Brasil contratados para exercer, a distância, serviços de manutenção de sistemas de informática japoneses.” Se eu tivesse outras duas mil pessoas capacitadas, contrataria todas elas”, diz Oliveira.

A grande vantagem dessa ligação entre dois mundos aparentemente tão distantes é o fuso horário. “Quando o dia termina no Japão, ele começa no Brasil”, diz Hiromitsu Miyamoto, executivo-sênior da Mitsubishi. “A parceria nos ajudará a trabalhar online 24 horas por dia.” Internamente, essa política foi batizada como follow the sun – siga o sol – e, de certa forma, reproduz o que muitas empresas americanas e européias fizeram na Índia, terceirizando serviços de tecnologia para companhias como Infosys, Wipro e Tata, que hoje são potências globais. O que contou a favor dos indianos foi o idioma inglês. “O que nós temos é uma afinidade cultural única entre Brasil e Japão”, diz Oliveira. O início das comemorações dessa amizade bilateral será na quarta-feira 18, marco do centenário da chegada do navio Kasato Maru, quando o príncipe herdeiro Naruhito se encontrará com o presidente Lula, em Brasília.

A parceria entre a Mitsubishi e a Politec também tende a durar por muitas décadas. “Assim como as decisões empresariais no Japão são bem ponderadas e estudadas, elas visam ao longo prazo”, diz Edenilson Fleischmann, um executivo que trabalhou durante vários anos na área de TI no Brasil até ser contratado pela Mitsubishi japonesa. Ele foi um dos principais responsáveis pela escolha da empresa de Oliveira. “Várias companhias, não só do Brasil, foram analisadas, mas a Politec era a que melhor atendia às expectativas da Mitsubishi”, diz ele. Em novembro do ano passado, quando a decisão já estava praticamente tomada, o CEO global do grupo Mitsubishi, Yorihiko Kojima, foi a Brasília conhecer a Politec e se impressionou ao assistir a encenações de rituais japoneses no Brasil. Antes de assinar o cheque, portanto, foi preciso uma dose a mais de emoção.

Com presença forte em várias áreas, como navegação, máquinas pesadas, automóveis, construção e trading, a Mitsubishi é o principal shogo shosha do Japão, uma expressão usada para designar os grandes conglomerados, com atividades diversificadas. Esse gigante é dividido em sete grandes blocos, com os seus respectivos CEOs. Um deles, que abriga a Politec, é o Innovation Group, comandado pelo executivo Koichi Komatsu. Sob suas asas, além da área de TI, há também subsidiárias que atuam nos setores de meio ambiente, saúde e até de mídia. As pesquisas da Mitsubishi relacionadas a energias alternativas, por exemplo, estão ligadas a essa área. Uma outra empresa na qual o shogo shosha tem participação acionária é o Studio Ghibli, do renomado desenhista Hayao Miyazaki, que criou A Viagem de Chihiro, vencedor do Oscar de animação, em 2001. Para as próximas semanas, espera-se o lançamento no Japão de Ponyo, que já vem sendo aguardado como uma nova obra-prima. É para empresas com esse grau de excelência que a brasileira Politec poderá, em breve, fornecer sua tecnologia.

“APOSTA É DE LONGO PRAZO”

Koichi Komatsu, CEO do Innovation Group da Mitsubishi, falou à DINHEIRO sobre a parceria com o Brasil na área tecnológica.

Por que vocês escolheram a Politec?
Começamos a conversar há alguns anos e vimos que temos pontos em comum. E podemos nos complementar, especialmente na manutenção de data-centers. No Japão, é difícil encontrar mão-deobra qualificada para trabalhar à noite. E quando o dia termina aqui, começa no Brasil.

A empresa será o fornecedor preferencial de vocês?
Sim, e nossas decisões visam sempre ao longo prazo. Não fizemos um investimento visando a ganhos rápidos de capital. Queremos trabalhar juntos por muito tempo na área de TI.

Em que setores essa parceria pode prosperar?
Uma das razões que nos levaram a escolher a Politec foi a força da empresa no setor financeiro, que é um dos nossos focos prioritários. Além disso, a empresa tem uma capacitação importante em sistemas de gestão.

Que vantagens o setor brasileiro de tecnologia da informação teria em relação aos concorrentes da Índia ou da China?
Do ponto de vista cultural, creio que nós temos mais afinidades com o Brasil. E vocês têm um mercado interno de TI mais desenvolvido, como eu já mencionei, na área financeira. Os indianos, além do idioma inglês, são muito bons em serviços mais padronizados, que podem ser facilmente terceirizados. Mas nós acreditamos que uma empresa como a Politec tem melhores condições de oferecer serviços sob medida para os clientes, de maneira criativa, na área de sistemas.

A empresa pode se tornar uma potência global, como a Índia já tem a Tata ou a Infosys?
Certamente, nós podemos ajudar a Politec a se transformar numa grande multinacional de TI. Nós já criamos a Politec Japan e também iremos usar a Politec como nosso braço nos Estados Unidos, unindo-a a uma empresa que já temos lá. Há uma possibilidade de que façamos o mesmo na China