DINHEIRO ? O que diferencia a sua política de inserção do País no mercado global das tentativas anteriores?
LUIZ FERNANDO FURLAN ? Nada. A política é a mesma, só a ação que é diferente. Em primeiro lugar, contamos com a dedicação e o entusiasmo do presidente Lula. Segundo, temos mobilizado nossa equipe com projetos concretos de promoção comercial e capacitação de empresas. O terceiro ponto tem a ver com a nossa capacidade de identificar novos produtos e serviços para o mercado internacional. Não estamos fazendo nada de novo. Estamos simplesmente fazendo. Neste ano de 2004, pelo menos metade do crescimento do PIB brasileiro e metade da geração de empregos vieram das exportações, que vão ultrapassar em US$ 20 bilhões o número atingido no ano passado. Em 2005, chegaremos a US$ 100 bilhões exportados.

DINHEIRO ? Em novembro, a balança comercial apresentou déficit. Foi algo pontual ou é uma tendência?
FURLAN ? É algo que merece um pouco de atenção. Com o nível da taxa de câmbio atual, o estímulo à importação de bens de consumo cresceu bastante. Novembro mostrou um aumento das importações muito vigoroso. Foi a primeira vez na história do Brasil que a média diária de importações superou US$ 300 milhões. Esse mês representou um recorde histórico de importações, atingindo US$ 6 bilhões, o maior número da história do Brasil.

DINHEIRO ? O câmbio de R$ 2,70 vai durar? Como essa situação influencia as ambições do seu ministério?
FURLAN ? Para as exportações brasileiras não é estimulante porque mais de 90% delas são feitas em moeda norte-americana. O câmbio de R$ 2,70 reflete uma circunstância do mercado. Nós estamos hoje numa posição tranqüila em relação às contas externas. O Brasil está gerando um superávit comercial acima de US$ 32 bilhões no ano. Portanto, a oferta de dólares é uma oferta folgada e, ao mesmo tempo, o dólar tem perdido valor em relação a outras moedas.

DINHEIRO ? O sr. tem ouvido muita reclamação de empresários por causa do câmbio?
FURLAN ? Há vários setores que já começaram a calcular as perdas de rentabilidade das exportações. Entre eles, o automotivo, o de calçado. Principalmente setores que sofreram impacto nos custos devido ao aumento explosivo do preço de alguns insumos no mercado mundial, como toda a cadeia do aço, da petroquímica, da indústria plástica e de resinas. São segmentos que tiveram uma elevação de custos básicos acima de 50% e, em muitos casos, o repasse desse aumento fica difícil com a valorização do real.

DINHEIRO ? Os empresários têm demonstrado impaciência com o Itamaraty, em razão da dificuldade para fechar acordos comerciais com grandes mercados como Estados Unidos e União Européia. O sr. também está impaciente?
FURLAN ? Eu sou paciente por natureza, mas ao mesmo tempo sou inquieto. Nossa equipe tem vontade de encurtar prazos e produzir resultados mais rapidamente. Acho que efetivamente perdemos uma oportunidade de fechar o acordo com a União Européia durante o ano de 2004. Perdeu-se um tempo precioso durante alguns meses do ano e, no final, ficamos afogados com o cronograma daquilo que era uma perda cantada. Todo mundo sabia que em 31 de outubro terminaria o mandato dos comissários europeus. Acho que além de acordo comercial, o acordo com os europeus teria um sentido estratégico, motivaria investimentos e nos daria trunfos para outras negociações. Mas, infelizmente, isso não ocorreu.

DINHEIRO ? A relação com o BNDES, com a saída de Lessa, vai melhorar? Como será a atuação do banco em 2005?
FURLAN ? O BNDES tem um papel extraordinário no desenvolvimento, mas não pode ter políticas discordantes das orientações do gabinete do presidente. Acredito que o ministro Guido Mantega será um grande presidente do banco. Espero que o BNDES seja o que realmente é: o melhor instrumento de desenvolvimento que o governo tem e que trabalhe em convergência com as políticas emanadas pelo presidente Lula.

DINHEIRO ? Qual o efeito da política industrial sobre as exportações? Os setores reclamam dos juros altos, da dificuldade para investir e adquirir equipamentos. Isso é problema?
FURLAN ? A reclamação faz parte do contexto, mas é importante ver que os investimentos de longo prazo são balizados pela TJLP. Nós temos hoje uma TJLP de 9,75%, que comparada a uma inflação de 6% ou 7%, representa uma taxa de juros real perto de 3%, que não é de todo desestimulante. Mas os custos de intermediação no Brasil são muito elevados. Muitas vezes o tomador de crédito de TJLP paga até 5% de spread sobre esses valores. Acho que esse é um ponto que precisamos melhorar. O Brasil precisará testar taxas de juros reais de um dígito durante o ano de 2005.

DINHEIRO ? Na sua gestão, a Sadia transformou-se numa máquina de exportar. O sr. aplicou no ministério o mesmo princípio usado por lá?
FURLAN ? Há uma tendência natural de se replicar as experiências que deram certo. Os orientais dizem que inteligência é aprender com os próprios erros e sabedoria é aprender com os erros dos outros. Aqui no ministério, estamos procurando aplicar no mínimo a inteligência. Não é nossa função reinventar a roda, mas fazer com que ela gire mais rápido.

DINHEIRO ? Alguns ministros dizem que receberam uma herança maldita do governo anterior. Que tipo de herança o seu ministério recebeu?
FURLAN ? Nós recebemos uma herança normal, não tenho nenhuma reclamação. Meu antecessor era uma pessoa de muito bom senso, que fez um bom trabalho. Aqui, nós aplicamos o tempo olhando para frente. Nossa energia é voltada para produzir resultados. Não tenho herança nenhuma. Nem no campo familiar conto com isso. No ministério, aposto no resultado do meu trabalho e de minha equipe.

DINHEIRO ? Como empresário, o senhor sempre condenou o protecionismo. O que esse governo tem feito para combater essa prática?
FURLAN ? A criação do G-20 foi uma obra de arte da engenharia diplomática brasileira. Nós mudamos os rumos da rodada de Doha criando um grupo com razoável coesão e que está fazendo com que o protecionismo seja realmente reduzido nas negociações internacionais. Acho que esse é um benefício proporcionado pela liderança brasileira e que vai contemplar todos os países emergentes.

DINHEIRO ? Empresários e a Fiesp não gostaram do acordo com a China? Por que o senhor acha que as negociações foram boas?
FURLAN ? Nós não fizemos um acordo entre Brasil e China, mas uma negociação limitada onde em troca do reconhecimento da China como economia de mercado foram feitas várias concessões a vários setores da economia brasileira que não penetravam no mercado chinês por causa de variadas barreiras. No entanto, acho que houve da nossa parte uma falta de diálogo com o setor privado. Acabamos pressionados por mais de 20 horas exaustivas de negociações. Todo acordo envolve riscos e oportunidades. Mas as oportunidades estão associadas à dinâmica das empresas. Minha recomendação como empresário aposentado é que os colegas busquem resultados nos cominhos abertos.

DINHEIRO ? O setor privado tem participado mais das negociações internacionais?
FURLAN ? Tem, mas precisa investir em inteligência e tempo para, inclusive, orientar em detalhes as negociações internacionais. Essa foi uma função que procurei exercer ao longo dos anos e vejo com satisfação que algumas entidades de classe estão, hoje, dedicando mais tempo, recursos, e contratando especialistas que possam simular cenários, oferecer sugestões e dar uma conotação mais pro-business às negociações.

DINHEIRO ? Falta sinergia entre governo e setor privado?
FURLAN ? Isso vem melhorando, mas ainda não estamos no ideal. O trabalho da coalizão empresarial brasileira liderada pela CNI, ocorrido há alguns anos, foi um marco histórico. Criou um clima muito positivo. Mas, aparte essa boa vontade, é necessário que haja efetivamente uma mobilização em nível mais profundo de estudos e ensaios, em vez de opiniões superficiais que não proporcionam conclusões concretas e profundas. Um exemplo é essa opinião singular de que fracassou a negociação entre China e Brasil. Os comentários do setor privado são baseados muito mais numa impressão superficial e percepção de risco do que em fatos, dados e oportunidades. Será que um mercado de mais de um bilhão de consumidores não oferece oportunidades ao Brasil além da área de commodities? Certamente oferece.

DINHEIRO ? Os empresários estão ansiosos com relação à China?
FURLAN ? Um país que cresce a renda per capita, que desenvolve sua economia numa velocidade extraordinária, oferece inúmeras oportunidades. Então, em vez de jogar na defesa, o empresariado deveria pensar também em jogar no ataque. Não se ganha campeonato simplesmente jogando na retranca.

DINHEIRO ? Está se formando um consenso entre os empresários de que o comércio com a Índia, por exemplo, não será a melhor escolha. Por que o sr. aposta nisso?
FURLAN ? O diálogo Sul/Sul não substitui Sul/Norte, mas acrescenta ao todo. O que há de errado em países de grande porte como China e Índia terem uma relação mais próxima com o Brasil? Nós estamos criando oportunidades, mas isso não quer dizer que a pauta de transações ou mesmo de investimento, que temos com América do Norte e Europa, será substituída pelas novas relações. Haverá acréscimos.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia a pauta com os norte-americanos?
FURLAN ? Com os EUA, estamos crescendo abaixo da média de crescimento do Brasil. Mas neste ano, possivelmente, vamos crescer de 10% a 12%, percentual
que equivale à metade do crescimento médio das exportações e importações brasileiras. Vamos retomar as conversas com os novos integrantes do governo
Bush para explorar uma agenda positiva em setores onde a relação bilateral
possa ser ganha-ganha.

DINHEIRO ? Deveríamos investir mais na relação Sul/Norte? O secretário-adjunto de Comércio dos EUA, Peter Allgeier, disse que os EUA importam manufaturados, enquanto a China, commodities.
FURLAN ? Isso é verdade. Dos 10 principais produtos exportados para os EUA,
nove são de valor agregado. Mas nós também somos um grande vendedor de produtos norte-americanos que estão embutidos nos aviões da Embraer, como turbinas. Há complementariedade na relação. Os EUA são, de fato, um potencial
que pode ser melhor explorado. E isso já está acontecendo. Em negociações recentes, a Apex levou empresas para negociar com o Wal Mart e fechou negócios com mais de 15 setores variados.

DINHEIRO ? Quando o sr. presidia entidades de classe, a década de oitenta, quis entrar na OMC contra os Estados Unidos, mas o Itamaraty não deixou. Hoje, a
atitude do governo seria diferente?
FURLAN ? Eram outros tempos. Acho que o Brasil perdeu o medo de colocar seus pontos de vista nos fóruns internacionais. Hoje, vamos com desembaraço ques-
tionar e proteger os nossos direitos na OMC ou mesmo nos blocos de arbitragem
do Mercosul. Agora, tratamos com certa condescendência alguns parceiros do Mercosul, como é o caso da Argentina, que afronta o Brasil e se coloca sempre
numa posição de vítima quando, na verdade, quem entrou com a maior parcela
de ativos no bloco foi o Brasil.

DINHEIRO ? Até quando o País vai agüentar as atitudes pouco amigáveis da Argentina?
FURLAN ? Há setores da opinião pública que questionam se realmente devemos perseguir um projeto ambicioso como é o de Mercado Comum, uma vez que estamos praticamente há oito anos paralisados em termos do cronograma de eliminação de assimetrias no bloco. Caberia uma definição sobre qual projeto teremos e quais serão as regras que deveremos respeitar. Assim como no casamento, há regras que são fundamentais e outras mais flexíveis. Se um lado do casal faz regime alimentar, isso não significa que o outro lado tenha que comer a mesma comida.

DINHEIRO ? Por que não abandonamos a relação com a Argentina?
FURLAN ? Porque é um projeto estratégico de Brasil e Argentina a partir do acordo bilateral que iniciou o Mercosul, ainda na época de Sarney e Alfonsín. Nós sabemos que, no todo, é um projeto positivo.

DINHEIRO ? No caso da linha branca, por exemplo, é sabido que o total de importações de geladeiras tirado do Brasil foi concedido a Chile e México. O que vamos fazer sobre isso?
FURLAN ? O governo brasileiro tem adotado uma postura de diálogo franco com as empresas e entidades de classe brasileiras, resistindo a medidas heterodoxas. É natural a choradeira dos setores privados. Mas se a política do Mercosul é de proteger os mercados nacionais, eliminando as vantagens recíprocas que foram contempladas nos tratados, certamente isso significa um retrocesso. Os problemas da Argentina não são conjunturais, mas questões estruturais. Não se pode resolver uma questão estrutural com medidas conjunturais. Cada país tem seus pontos fortes e outros nem tanto.

DINHEIRO ? Na relação Brasil e Argentina, quem depende de quem?
FURLAN ? Os números mostram que o mercado brasileiro é mais importante para a Argentina do que o argentino para o Brasil. No entanto, nas negociações internacionais, a soma ganha-ganha deve ser enfatizada em vez de se ressaltar apenas a si-
tuação dos setores que perdem. Nós temos hoje um quadro em que a Argentina, está com o câmbio mais atraente em relação ao dólar, uma taxa de juros que é aproximadamente a metade da taxa brasileira e um crescimento econômico em 2004 maior do que o do Brasil. No entanto, esse reflorescimento da economia não reflete a atitude dos empresários porque o país, apesar dos dados positivos, vive na choradeira.

DINHEIRO ? A falta de infra-estrutura do Brasil prejudica as exportações? O que é mais urgente se fazer nesse setor?
FURLAN ? A remoção de gargalos na infra-estrutura é essencial não só para as exportações, mas também para uma melhor eficiência do setor interno. Os trabalhos que estão sendo coordenados pelo ministro José Dirceu, na Casa Civil, na Câmara de Infra-estrutura e na Comissão Interministerial de Portos e Ferrovias, vão produzir resultados concretos em 2005 e melhorar a competitividade brasileira. Estou otimista quanto a isso. Essa mobilização interna às vezes não fica muito visível, mas o governo está trabalhando.

DINHEIRO ? Quanto vale para o País uma Gisele Bündchen e um Ronaldinho Gaúcho?
FURLAN ? Muito mais do que se calcula. O Brasil precisa construir imagens e marcas. Enquanto não faz isso, precisa utilizar a imagem das pessoas brasileiras que são conhecidas no exterior. Lucélia Santos, na China, vale tanto quanto um Ronaldinho
na Europa. Gisele Bündchen, em alguns mercados, vale igual ao Pelé. Um Paulo Coelho, dependendo de onde, tem o mesmo peso do Ayrton Senna no Japão. A
Apex fez convênios com o Instituto Ayrton Senna, com o Pelé e tem um relacionamento fluido com o Paulo Coelho. Além disso, está apoiando o projeto
de uma novela sino-brasileira com a Lucélia Santos. Temos muitas iniciativas florescendo ao longo dos próximos dois anos.