DINHEIRO ? Se a redução da energia é positiva, por que houve uma reação tão negativa no setor?

BRITALDO SOARES ? Temos que levar em conta que, na legislação, as concessões que estavam próximas de ser renovadas, a partir de 2015, poderiam não ser renovadas. Acho que por conta da quebra de expectativa dos investidores, diante da proposta que foi colocada à mesa pelo governo, assustou. Mas isso já está sendo digerido. 

 

DINHEIRO ? Houve quebra de contrato?

SOARES ? Houve uma quebra de expectativa. Quem olhar para as nossas ações, verá que o anúncio não foi bem recebido. A AES Tietê, uma das empresas do grupo, teve uma queda de 15% desde o anúncio. Os papéis da AES recuaram cerca de 50% desde abril, quando começou a se discutir a revisão tarifária. A razão é simples. Quem faz uma hidrelétrica com concessão de 35 anos, calcula o retorno em 35 anos. Um ambiente de quebra de contrato é um ambiente caótico. Mas não é o caso. O governo fez uma proposta para antecipar essas renovações, mas isso está previsto em lei.

 

DINHEIRO ? Por que empresas que não serão afetadas pela antecipação das concessões também foram prejudicadas?

SOARES ? Porque a decisão pegou muita gente de surpresa e, por conta disso, não se tinha uma visão clara do que poderia acontecer. A medida provisória afeta especificamente o bloco de concessões que vencem entre 2017 e 2019. Não se aplica a nós. A concessão da AES Eletropaulo vencerá em 2028. A da AES no Rio Grande do Sul, em 2027. A da AES Tietê será em 2029. No nosso caso, o impacto negativo expresso na queda das ações reflete apenas uma reação assustada dos investidores. 

 

DINHEIRO ? Se são esses investidores que financiam os projetos do setor elétrico, há riscos de faltar dinheiro?

SOARES ? Ainda não sabemos de que forma os investidores olharão para o nosso setor. Evidentemente, se deixarmos de ser atraentes, eles buscarão retorno em outros investimentos. Investidor assustado não investe. Mas ainda é cedo para saber. O mais importante é saber como isso vai influenciar o custo de novos projetos daqui para frente. Temos que preservar a atratividade do setor para novos capitais. O fato é que esse novo cenário já encareceu o custo de captação de recursos.

 

DINHEIRO ? Então o dinheiro está mais caro para as empresas elétricas? 

SOARES ? Vou citar um exemplo. A AES Eletropaulo estava no meio de uma captação de R$ 750 milhões em debêntures, em setembro, quando foi feito o anúncio do governo. Nós tivemos que aumentar a taxa de juros da debênture para conseguir atrair os recursos. Aumentamos em 0,16% ao ano. Para uma empresa como a AES Eletropaulo, que fatura R$ 15 bilhões por ano, pode parecer pouco, mas não é. Em um cenário de taxa de juros em queda, esse pequeno percentual é muito dinheiro. Além disso, não é apenas uma questão de valor, mas o sinal do mau humor do mercado.

 

DINHEIRO ? O mau humor já passou?

SOARES ? Ainda não, mas está melhorando. Quanto mais claro for o horizonte para o investidor, melhor para atrair investimentos. No setor elétrico, nos últimos anos, o Brasil sempre teve muita clareza. De 2004 para cá, o marco regulatório deu tranquilidade às empresas e aos investidores. Sempre tivemos um diálogo muito franco com o governo. Essa virtude nós temos de preservar. 

O Brasil não pode perder essa clareza.

 

DINHEIRO ? Essa clareza está abalada?

SOARES ? Acredito que não. Tem uma coisa que ninguém discorda. A redução do custo da energia elétrica é boa para todo mundo. Quem parar para pensar não pode discordar que a medida vai trazer muitos benefícios. Temos um dos menores custos de geração e um preço final alto porque existe uma carga de tributos e de encargos setoriais que chegam a 45% do valor efetivo da conta. A parte da distribuição, com esse ciclo de revisão tarifária, vai variar em torno de 18%. Era 24%. 

 

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Gasoduto da Petrobras no interior de São Paulo

 

DINHEIRO ? O governo errou na maneira de anunciar a redução da conta de luz? 

SOARES ? Vejo de forma muito positiva o movimento de redução dos encargos setoriais. Mas a maneira como as concessões foram anunciadas poderia ter sido melhor trabalhada. Ou seja, não foi a decisão que causou problemas, mas a forma como foi divulgada. A insegurança geral afugentou aqueles que bancam os investimentos. 

 

DINHEIRO ? Se o governo tivesse avisado antes, as empresas aceitariam a antecipação das concessões mais naturalmente?

SOARES ? É difícil dizer. Em todas as negociações que já fizemos com o governo, alguns pontos avançaram mais, outros menos. Mas um ponto em comum foi encontrado. Afinal, o interesse de todo mundo é que os projetos saiam, que o serviço seja prestado com qualidade e que não haja riscos na cadeia de suprimento de energia. São esses três objetivos principais. Quando há um processo de diálogo maior, se consegue chegar a um acordo.

 

DINHEIRO ? Seus projetos serão revistos?

SOARES ? Não. Estamos acompanhando com cuidado e atenção tudo que tem ocorrido. Do ponto de vista estratégico, não estamos alterando absolutamente nada. Vamos investir nas duas distribuidoras algo próximo a R$ 1 bilhão em 2013. E temos outros R$ 150 milhões reservados para a área de geração, com a modernização de nossas usinas. Em paralelo, temos um plano de dobrar a capacidade de geração da AES Tietê em cinco anos. Queremos adicionar três mil megawatts até 2016.

 

DINHEIRO ? As empresas estão preparadas para um forte aumento da demanda?

SOARES ? Não é a conta de luz mais barata que causará um desequilíbrio entre suprimento e demanda. É bom mesmo que o consumo aumente. Se aumentar, é porque os incentivos do governo deram certo, porque a indústria está produzindo mais e porque as famílias estão comprando. Esse círculo virtuoso gera crescimento econômico e estimula investimentos. Então, torcemos para que o consumo cresça. Energia, estrada, aeroporto, companhia aérea comprando mais aviões, enfim, a máquina da economia gira mais rápido. 

 

DINHEIRO ? Mas como evitar um cenário de racionamento? 

SOARES ? Ampliando a geração. Mas não vejo risco de racionamento. Para isso, vamos investir em energia eólica e construir duas usinas termoelétricas a gás. O potencial eólico brasileiro é gigantesco e estamos estudando aquisições de empresas já em operação ou de portfólio de projetos. No caso das termoelétricas, temos o projeto de uma unidade no município de Canas, no interior de São Paulo. Esse projeto, chamado de Termo São Paulo, já está licenciado com 550 megawatts de capacidade. A unidade dará maior segurança energética para o sistema. O outro projeto fica em Araraquara, também no interior paulista, com 590 megawatts. Essas plantas dependem da disponibilidade de gás. Estamos aguardando a Petrobras definir essa questão.

 

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Construção de linhas de transmissão de energia

 

DINHEIRO ? Investir em termoelétricas não é um retrocesso ambiental?

SOARES ? Termoelétricas a gás, não. Se o Brasil não tivesse as termoelétricas, a situação estaria apertada. Precisamos estar preparados para todas as situações, desde aumento do consumo até períodos de pouca chuva. Numa situação de hidrologia mais tímida, é fundamental ter as termoelétricas prontas. Precisou liga, não precisou, desliga.

 

DINHEIRO ? De onde virá o dinheiro para financiar os grandes projetos… 

SOARES ? De capital próprio, de terceiros e do mercado. Não se pode depender apenas do BNDES. Quando olhamos para o PIB, a taxa de investimento está em queda, ao mesmo tempo que a conjuntura é boa. O câmbio está mais competitivo, houve redução dos juros e vários incentivos fiscais, com redução de impostos. Mesmo assim, os investimentos não reagem na mesma proporção. Essa é uma conta que precisa ser equacionada.

 

DINHEIRO ? Se o PIB crescer acima de 4% em 2013, e o consumo de energia avançar como esperado, haverá luz para todos? 

SOARES ? Esse cálculo ninguém fez ainda. Hoje há uma folga na matriz. Temos uns dois mil a três mil megawatts de margem. Isso dá de 5% a 10% acima do que é consumido. Um problema só surgirá se não chover, se o PIB disparar e se o consumo também crescer acima do esperado. Agora, se você me perguntar se há risco de racionamento amanhã por conta da medida provisória, a resposta é não. 

 

DINHEIRO ? E no futuro? 

SOARES ? Se houve uma paralisia do investimento, o problema se dará daqui cinco ou dez anos. A realidade de hoje é que, com redução dos impostos na linha branca, todo mundo está comprando mais ar- condicionado, geladeira e outros eletrodomésticos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o consumo de energia cresceu 28% no último verão. O sistema precisa estar preparado para atender aos picos de consumo. E estamos. 

 

DINHEIRO ? Nesse contexto, como o setor elétrico será beneficiado?

SOARES ? Vários fatores precisam ser analisados: os incentivos fiscais estimularam o consumo das famílias. Com essa redução de custo, é esperado um aumento da demanda por energia. É esperada também uma redução na inadimplência. Não é um problema crônico, está próximo de 0,8% do total da AES, algo próximo a R$ 100 milhões. Quando se reduz a tarifa, as pessoas passam a poder pagar com mais tranquilidade. Outro ponto, com a redução dos encargos, as distribuidoras vão pagar menos pela energia e, por consequência, cobrar menos do consumidor. A nossa rentabilidade não sofrerá reflexo. A economia vai crescer, a inadimplência vai cair e o setor terá ainda mais oportunidades. Quem olhar para o horizonte verá que o setor elétrico continua cheio de oportunidades.