DINHEIRO ? As recentes medidas de estímulo à indústria automotiva, tomadas pelo governo, serão suficientes para reativar a economia? 

CLEDORVINO BELINI ? Ainda é prematuro dizer, porque temos uma conjuntura que não se limita ao Brasil. A crise na Europa e a redução do crescimento da China, que é o maior mercado para as exportações brasileiras, também terão influência sobre o desempenho da nossa economia. Mas, com as medidas de incentivo do governo, os estoques serão normalizados. É só uma questão de tempo. Para se ter uma ideia, o fluxo de vendas nas concessionárias aumentou em 70%. Estávamos vendendo cerca de 7,5 mil carros por dia. Em 31 de maio, comercializamos 18,5 mil unidades, um número extremamente vigoroso. Isso também é fruto da flexibilização do crédito. Antes, 30% das propostas estavam sendo aprovadas, agora são 50%. Estamos entrando em um novo patamar e isso vai contribuir para a recuperação do ritmo do setor.

 

DINHEIRO ? O sr. acredita que dá para salvar o ano?

BELINI ? O que posso dizer é que vamos tentar. As medidas já fizeram com que a curva de desempenho do setor fosse invertida. Estávamos com uma curva descendente, com ritmo negativo até maio. Agora ela está ascendente. Ainda assim, precisaríamos de mais algum tempo para saber se poderemos alcançar o ritmo do ano passado. Mas, se eu puder responder com base na minha experiência, diria que poderemos ter um ano equivalente ou até melhor do que 2011. 

 

DINHEIRO ? A possibilidade de paralisação e até de demissões está totalmente descartada? 

BELINI ? Isso pode eventualmente acontecer, como um fenômeno isolado e baseado em Programas de Demissão Voluntária. Com o mercado aquecido, as pessoas ficam felizes com esse tipo de programa, porque dá a oportunidade de eles saírem de seus empregos com todos os benefícios e serem contratados por outras indústrias.  É completamente diferente de você abrir esse tipo de programa em uma fase ruim da indústria. Neste momento, isso é altamente benéfico para o trabalhador. 

 

DINHEIRO ? O sr. acredita que o Brasil está no caminho certo para ter uma política industrial mais eficiente? 

BELINI ? Acredito que o governo está trabalhando bastante em torno de uma política industrial saudável. A melhor notícia que tivemos neste ano foi a exigência de que as empresas interessadas em atuar no Brasil investissem em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Para isso, receberão alguns incentivos do governo. Isso aí é, realmente, alavancar o País para o futuro. Foi o que, no passado, países como Alemanha e Coreia fizeram para acelerar seu desenvolvimento. Outro fator fundamental é trabalhar a questão da competitividade. Nossa missão é deixar o País mais competitivo industrialmente. E isso não se aplica apenas às montadoras, mas a toda a cadeia de produção de um carro, que começa na pessoa que planta uma árvore para fazer o carvão que será utilizado na usina siderúrgica.

 

DINHEIRO ? Em quanto é mais caro produzir um carro no Brasil?  

BELINI ? Um levantamento feito pela PricewaterhouseCoopers, em dezembro de 2011, indicou que fabricar um veículo no Brasil é 63% mais caro do que na China. Por isso costumo dizer que precisamos focar na competitividade. Agora, parece que o governo acertou na medida. Baixou  o custo de capital, e isso atrai investimentos.


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Canteiro de obras da fábrica que a Hyundai vai inaugurar, neste ano,

em Piracicaba, no interior de São Paulo.

 

DINHEIRO ? O que explica o fato de o carro produzido aqui ser vendido na Argentina ou no México por um valor 40% menor? 

BELINI ? A carga tributária do varejo é muito maior no Brasil, chegando a 25%. Na Europa, ela é de 15%. É uma taxa extremamente elevada, que torna o carro brasileiro um dos mais caros do mundo. 

 

DINHEIRO ? Muitos críticos afirmam que o setor é uma verdadeira caixa-preta cujos números ninguém conhece. Isso é verdade?

BELINI ? Quem mais tem informações sobre a indústria é o governo. A nota fiscal é eletrônica, ele sabe de tudo que entra, de tudo que sai, por quanto compramos e por quanto vendemos. Hoje, se tem um setor que é totalmente controlado pelo governo, esse setor é o nosso. O Brasil tem um modelo brilhante de arrecadação e de registro de informações. O setor não é uma caixa-preta. Somos, praticamente, uma caixa de vidro.

 

DINHEIRO ? O Brasil caminha para ser o terceiro maior mercado de automóveis do mundo, mas nossos carros ainda são defasados com relação aos europeus. Como mudar essa situação?

BELINI ?  Discordo totalmente. Nossos carros são tão atualizados quanto os modelos europeus. Essa afirmação é um mito. Temos carros tão bons que até exportamos para a Europa. A vantagem deles está nos centros de inovação e de tecnologia. Nesse ponto, eles são mais avançados porque investiram mais. 

 

DINHEIRO ? Mas o carro popular tem uma qualidade melhor na Europa…

BELINI ?  Não. O que é oferecido lá  também pode ser encontrado no Brasil. O que acontece é que, por uma questão de poder aquisitivo, o mercado ainda não exigiu determinados equipamentos. Mas o airbag e o freio ABS, por exemplo, serão obrigatórios até 2014. Os carros que não puderem receber os equipamentos terão de sair de linha. Estamos totalmente alinhados com a Europa, principalmente com a legislação de emissões, que agora obriga o uso do diesel S50 para caminhões. E ainda somos menos poluidores do que os europeus por conta da produção de etanol. 

 

DINHEIRO ? As montadoras anunciaram recentemente pesados investimentos no Brasil. O volume será mantido?

BELINI ? O setor vai manter a intenção de aplicar cerca de US$ 22 bilhões de investimento até 2015. O que nos mostra que as indústrias estão confiantes no potencial do Brasil. Esses aportes serão feitos à medida que houver o crescimento do mercado. Daí a importância dos incentivos do governo, especialmente a redução do IPI, e a necessidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento.

 

DINHEIRO ? Há quem diga que o setor só cresce por conta dos subsídios ou das políticas de incentivo. Isso 

realmente acontece? 

BELINI ? Durante muitos anos a indústria automotiva não recebeu incentivo nenhum e, mesmo assim, cresceu. O que acontece é que a conjuntura mundial afetou e continua afetando nosso mercado. Agora, o governo adotou uma medida anticíclica, que é comum em diversos países. Nos Estados Unidos, despejaram dinheiro nos bancos, na Europa seguiram a mesma receita. Já o governo brasileiro adotou medidas para acelerar o consumo. 


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O Volkswagen Gol é o modelo mais vendido do Brasil.

 

DINHEIRO ? Hoje vivemos uma marola, uma onda gigante ou um tsunami? 

BELINI ? Essa pergunta eu me faço todos os dias. É difícil responder, mas podemos analisar alguns sinais. O travamento do crédito foi muito importante para a própria saúde dos bancos. Isso desacelerou o setor, porque sem crédito você não vende carro. Com a redução do IPI e a liberação do depósito compulsório, a prestação diminuiu e voltou ao que era lá atrás. Estamos vivendo um momento ótimo para se comprar veículos. 

 

DINHEIRO ? E o que faz com que o sr. se mantenha otimista?  

BELINI ? O que nos dá mais segurança é saber que o Brasil tem um potencial de crescimento enorme. Nós temos um automóvel para cada sete habitantes. Na Europa, esse número é de um para cada  1,6 habitante. Nos EUA, a relação é de um veículo para cada 1,2 habitante. E o consumo está mais bem distribuído. Esses 52% da população brasileira que integram a classe C são potenciais consumidores de bens duráveis em geral. É por isso que as montadoras do mundo inteiro estão investindo no Brasil. Ainda mais considerando que, ao contrário do começo da década de 1990, o Brasil conta com metas de inflação, câmbio livre e uma política de juros decrescente. Isso é saudável.

 

DINHEIRO ? Como o sr.  visualiza o mercado brasileiro para os próximos dez anos?

BELINI ? Tudo vai depender, é claro, de como será a conjuntura internacional nesse período. Mas o Brasil tem potencial de chegar ao final de 2022 com vendas de até seis milhões de veículos por ano. Hoje, somos o quarto maior mercado, e até lá poderemos ser o terceiro. O importante é continuar fabricando no Brasil. Para ter crescimento da produção local, precisamos de competitividade. A semente da competitividade é inovação, tecnologia, juros baixos e reformas pontuais para dar maior atratividade para a indústria. E essa semente já está sendo plantada.