Visto hoje, o filme O Show de Truman, lançado em 1998, se mostra premonitório. O personagem principal, interpretado pelo comediante Jim Carrey, vivia tranquilo em sua cidadezinha, até descobrir que toda a sua vida era filmada e transmitida pela tevê. A obra profetizou não só a explosão dos programas de reality show nos anos seguintes como a quantidade de câmeras que registram diariamente a vida das pessoas nas grandes cidades. Mas, se depender do gigante espanhol de telecomunicações Telefónica, que fatura € 57 bilhões ao ano, essa última tendência está apenas no começo.

A empresa está trazendo para o Brasil o seu braço de tecnologia, a Onthespot, especializado em ajudar os comércios e bancos a criarem experiências presenciais mais efetivas junto a seus clientes. Entre suas tecnologias, figuram câmeras que registram o perfil do consumidor e telas que exibem mensagens personalizadas, antenas que acompanham sua movimentação na loja, controlando-o pelo sinal do seu celular e trilhas sonoras para estimulá-lo a tomar decisões de compras mais rapidamente. Tudo em nome do aumento das vendas.

“A chegada desse negócio ao Brasil é natural, por permitir à Telefónica aproveitar uma grande oportunidade que as operadoras estão buscando em todo o mundo, de mudança do mix de seus negócios”, diz o português Alberto Saramago (sem qualquer parentesco com o escritor), que já foi presidente da Onthespot para mercados internacionais e montou a operação na Argentina e agora no Brasil. “Somos uma empresa de inovação permanente, com uma agilidade que uma grande operadora não consegue ter.” Já presente em 82 países, a empresa de Saramago começa a operar no Brasil com uma equipe de 50 funcionários.

As vantagens de fazer parte de um grande grupo se refletem em um apoio que receberá da equipe comercial voltada ao mercado corporativo da Vivo, a principal marca do grupo espanhol no Brasil. A Onthespot ainda herdou 2,8 mil telas instaladas em locais públicos pelo portal de internet Terra, outra subsidiária local da Telefónica, para a transmissão de suas notícias. Dessa forma, a empresa já nasce com um porte considerável e metas ambiciosas. A Onthespot fatura € 100 milhões no mundo, e deve acrescentar uma receita anual superior a € 60 milhões, já a partir de 2016, com as operações na América Latina puxadas pelo mercado brasileiro.

Os planos são ambiciosos não apenas em termos de crescimento, mas também no caráter das ofertas. A Onthespot tem três áreas de atuação. A primeira delas, herdada do Terra, é a de telas instaladas em locais públicos, como estações de metrô e cafeterias, e que servem para a venda de publicidade. O segundo negócio voltado para instalações corporativas. A última delas trata do que é chamado, no jargão do marketing, de ativação de clientes no ponto de vendas. Significa fornecer para os varejistas de todos os portes – dos menores negócios, como clínicas de saúde e lojas a supermercados e agências bancárias – tecnologias para conhecerem melhor os seus clientes e seus hábitos, de forma a interagir melhor com eles.

“Essa unidade é a de maior potencial no Brasil”, diz Saramago. “O mercado está sedento por isso.” Um dos primeiros clientes é a rede de vestuário TNG. Também nessa linha de negócios estão as tecnologias que mais se assemelham às dos filmes de ficção científica. As aplicações podem ser de grande sofisticação. Câmeras instaladas pela Onthespot em uma loja podem reconhecer características do cliente, como idade e sexo, e a partir disso criar estatísticas sobre o perfil dos visitantes. Com isso, o varejista entende melhor quem olha a vitrine de sua loja, passeia por seus corredores e acabam, de fato, efetuando compras.

Dessa forma, o comerciante pode conhecer a taxa de conversão de vendas por perfil de público e por produto exposto. Mas apenas coletar informações não é o suficiente. É preciso aproveitar melhor as chances de concretizar vendas. A mesma tela que conta com uma câmera acoplada registrando informações sobre os clientes pode oferecer mensagens de acordo com o perfil de quem está no local. Se houver mais homens do que mulheres em frente a uma vitrine, a mensagem terá um apelo mais masculino. “Essas tecnologias ajudam a rever aspectos operacionais que causam perdas de vendas”, diz Heloísa Omine, especialista em varejo e sócio-diretora da consultoria R2E by Shopfitting.

O objetivo é criar uma inteligência de negócios parecida com a coletada pela internet. “O comércio eletrônico está em posição privilegiada para acumular inteligência sobre o consumidor”, diz Vicente Rezende, diretor de marketing da Cnova, a empresa do grupo francês Casino que controla os comércios eletrônicos do grupo Pão de Açúcar no Brasil. “Mas, no futuro, o mundo vai caminhar para isso também no varejo físico.” A Cnova está passando a vender serviços de inteligência de negócios, a partir dos dados dos seus sites de Casas Bahia, Ponto Frio e Extra. O elevado nível de conhecimento sobre o comportamento de compras leva a algumas preocupações éticas. Certas tecnologias oferecidas pela Telefónica podem assustar as pessoas mais preocupadas com sua privacidade.

É o caso, por exemplo, da instalação de antenas de celulares em uma loja, que captam as ondas dos telefones móveis dos clientes, e permitem acompanhar os seus movimentos. Dessa forma, o gestor do varejo pode criar mapas de calor, para entender melhor os locais e produtos que recebem mais atenção, e compreender o percurso do consumidor. De acordo com Saramago, essas informações são coletadas para a criação de tendências e de dados estatísticos, sem que o cliente seja identificado. Mas, assim como no caso do Truman de Jim Carrey, cada vez será mais difícil para o consumidor passar desapercebido pelas câmeras.

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Ele lê seus pensamentos

Máquina desenvolvida pela americana Nielsen Neuro mede a eficácia de produtos, vitrines, embalagens e propagandas

Por Fabrício Bernardes

As tecnologias para entender hábitos e comportamentos do consumidor estão cada vez mais avançadas. Algumas empresas chegaram ao ponto de – acreditem – ler a mente das pessoas. É o caso da americana Nielsen Neuro, companhia de pesquisas neurocientíficas aplicadas ao marketing, que desenvolveu um dispositivo, batizado de EEG, capaz de medir a eficácia de peças publicitárias a partir de estímulos cerebrais. Várias delas já estão em uso no Brasil. “O EEG é a ferramenta mais eficiente para receber feedbacks de qualquer cliente em potencial”, diz Robert Knight, professor de psicologia e neurociência da Universidade de Berkeley, na Califórnia, em entrevista à DINHEIRO:

Como funciona o EEG?
O EEG é uma máquina com o formato de um chapéu e pesa menos de um quilo. Fazemos testes frequentes com voluntários, diante de produtos ou peças publicitárias. O dispositivo mede a atividade elétrica do cérebro por meio de pequenos sensores que são acoplados a uma touca colocada na cabeça do participante. A tecnologia permite determinar a eficiência de qualquer material de marketing.

Eficiência em que aspectos?
A eletroencelografia permite medir a atenção, o engajamento emocional e a ativação de memória do consumidor. São esses aspectos que indicam se o cliente entendeu, de fato, a mensagem que a propaganda quis passar e se ele tem alguma intenção de comprar o produto ou serviço que lhe foi apresentado.

Por que essa tecnologia é diferente da convencional usada pelas outras empresas para obter feedbacks?
Via de regra, ou a empresa manda alguém para perguntar o que a pessoa achou da propaganda ou do produto, ou faz isso por e-mail. Nunca dá para saber se o consumidor está falando a verdade. Além disso, pelo menos metade do que influencia uma escolha depende de processos implícitos, não conscientes, que não são acessíveis pela expressão oral dos consumidores.

Ler os pensamentos dos outros não é perigoso e antiético?
Não lemos pensamentos em geral. Apenas estímulos relacionados ao que será apresentado. Na prática, saberemos se o voluntário gostou da propaganda, se tem intenção de adquirir o produto e, principalmente, se vai se lembrar da marca após ter visto a peça publicitária. Não há como saber o que você vai fazer amanhã ou do que você está a fim de comer no almoço, por exemplo. Além disso, todas as informações captadas pelo EEG são criptografadas e, portanto, totalmente protegidas. Somente a empresa que encomendou o serviço e nós teremos acesso aos dados. Não há risco algum de cair em mãos erradas.