29/09/2004 - 7:00
DINHEIRO ? O aumento de 0,25% na Selic voltou a expor a divisão entre os bancos e o setor produtivo. Essas visões conflitantes são irreconciliáveis?
MÁRCIO CYPRIANO ? Este aumento da taxa de juros é muito pequeno e já vinha ?precificado? no mercado. Foi até uma surpresa para muitos analistas quando veio só 0,25%. A expectativa era de 0,5%, dada a decisão do ministro Palocci de manter a estabilização da economia a qualquer custo. E ele vem fazendo isso com competência. Isso não vai alterar investimentos, nem a taxa de juros bancária. O que todos nós queremos é que a taxa de juros caia cada vez mais, para que se tenha um crescimento da economia que permita aumentar o crédito.
DINHEIRO ? O que, para vocês, é um pequeno ajuste, para a indústria é um golpe no crescimento.
CYPRIANO ? É difícil conciliar os interesses. Para o industrial, o importante realmente é taxa de juros lá embaixo. Eu não vejo assim. Acho que vamos conviver naturalmente com o crescimento da economia e com uma redução da taxa de juros na medida em que a estabilização for se mostrando sólida.
DINHEIRO ? Por que vocês não aumentam a oferta de crédito?
CYPRIANO ? Porque não tem tomador. Quer dizer, não tem projetos. O mercado não demanda crédito. No momento em que houver mais projetos para financiar, que a economia estiver mostrando sinais mais agressivos de crescimento, o financiamento vai aumentar, sem dúvida nenhuma. O crescimento do crédito até agora se deu basicamente na pessoa física, principalmente na parte de financiamento de veículos. Nas grandes empresas, que estão capitalizadas, não tivemos crescimento.
DINHEIRO ? O sr. tem uma proposta de redução pactuada dos depósitos compulsórios em troca de cortes no spread. O que sugere?
CYPRIANO ? Isto não é pacto. É acordo, o que é um pouco diferente. Nós temos um dos compulsórios mais altos do mundo. Se houver um acordo em que o governo reduza um pouco o compulsório que é recolhido, os bancos podem ter condição de repassar imediatamente (o que economizarem) para a taxa de juros. Conseqüentemente, haveria aumento do crédito, evolução da economia e menor inadimplência.
DINHEIRO ? O sr. chegou a levar esta proposta ao governo?
CYPRIANO ? Não. Isso é uma idéia nossa (do Bradesco), que está sendo desenvolvida, mas nós não levamos a ninguém. Nós paramos um pouco quando veio aquele acordo da Fiesp com o Luiz Marinho (presidente da CUT), porque eles partiam para uma coisa totalmente diferente, que era controle de preços. A gente tirou um pouco o pé, para não misturar as coisas. Mas acho que nós podemos eventualmente fazer um acordo.
DINHEIRO ? Dentro do governo, existe disposição para discutir a redução dos compulsórios?
CYPRIANO ? Eu acho que sim. Se for bem colocado, não vejo dificuldades. O sistema financeiro é muito agredido em relação à taxa de juros. Na verdade, as pessoas não vão olhar por que o dinheiro é caro. Existe uma transparência muito grande por parte dos bancos. Esta Apimec, que nós estamos fazendo, é uma prova. Você vai lá e expõe toda a diretoria a perguntas que não sabe de onde vêm.
DINHEIRO ? Existe na sociedade uma sensação de que os bancos competem pouco entre si. O senador Aloizio Mercadante está até propondo uma lei que acabe com o convênio entre os bancos e as empresas para o pagamento dos salários dos trabalhadores, como um modo de estimular a concorrência.
CYPRIANO ? Esta é uma excelente medida. Até porque os funcionários públicos todos recebem pelo Banco do Brasil ou pela Caixa Econômica. No momento em que se abrir isso, eu acho que abre a concorrência realmente. Vai dar mais crédito aquele banco que tiver uma taxa melhor. O banco A sabe que, se cobrar uma taxa alta, você pede a transferência de sua conta para o banco B e vai obter o seu crédito lá. Fala-se em concentração, e realmente 50% deste mercado é do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. Outros 30% são de bancos nacionais, como Safra, Bradesco, Itaú e Unibanco. O resto é dos estrangeiros. Para os bancos e para o sistema financeiro, esta abertura é importante. Eu aprovaria.
DINHEIRO ? Mas falta mesmo concorrência entre os bancos no Brasil?
CYPRIANO ? No momento em que você tem 50% do mercado em banco oficial… O mercado é superaguerrido. No caso dos créditos consignados (com desconto em folha de pagamentos), os bancos foram baixando as taxas de juros para ter condições de competir um pouco mais. Eu tenho a impressão de que isso foi dito (a proposta de Mercadante) mais em função dos bancos estatais. Porque aí não tem conversa. O depósito é feito no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal.
DINHEIRO ? Depois de uma longa calmaria na área sindical, assistimos agora a uma greve de bancários. Os bancos estão preparados para retomar as negociações salariais na medida em que a economia se reaquece?
CYPRIANO ? Nossa proposta aos bancários pela primeira vez oferece reajuste real de salário. Isto já estava acertado com o Sindicato dos Bancários. Por uma razão talvez política é que houve este problema (a greve).
DINHEIRO ? Qual é sua posição sobre a quebra do sigilo bancário de banqueiros e altos executivos dos principais bancos do País no âmbito da CPI do Banestado?
CYPRIANO ? A conta CC5 é uma conta válida. É um instrumento oficial do Banco Central. Eu não vejo nenhum problema (em utilizá-la para movimentar recursos no Exterior). Realmente, acho que (a quebra do sigilo) foi um abuso.
DINHEIRO ? O valor de mercado do Bradesco chegou a ser duas vezes e meia maior que seu valor patrimonial. Hoje, esta relação é de 1,7. Por que o banco está perdendo valor?
CYPRIANO ? Isto, na realidade, mostra a oportunidade (de ganho) representada por uma ação do Bradesco. O mundo mudou, o Brasil mudou e o banco mudou. Em função da segmentação que foi feita e da escala que ganhamos, não se justifica esta queda para 1,7. O valor da ação caiu em função do aumento do risco País. Agora, com este indicador abaixo dos 500 pontos, abre-se uma oportunidade importante para o investidor.
DINHEIRO ? O processo de segmentação do banco está concluído?
CYPRIANO ? Está em maturação. Já conseguimos separar todas as partes: pessoa física, jurídica, alta renda, varejo, etc. Agora, é questão de fazer a migração das contas de um segmento para o outro. E aí entra um problema de cultura. A gente brinca, dizendo que o gerente da agência antes atendia a conta da Sadia, da padaria e da dona Maria. Então, a gente teve que ir preparando o nosso funcionário e mudando um pouco a cultura do nosso pessoal. O gerente não pode ter sentimento de perda do cliente quando ele migra para outro segmento.
DINHEIRO ? Mas quanto da divisão do Bradesco nesses vários segmentos já está feita?
CYPRIANO ? Este trabalho já foi feito. Só que o banco é muito grande, tem quase 16 milhões de contas. Hoje, por exemplo, nas 170 agências do Bradesco Prime (para clientes de alta renda), nós estamos com 180 mil clientes. O banco tem mais uns 200 mil clientes deste nível para migrar. É um processo rápido, se considerarmos que ele só começou em maio do ano passado, quando compramos o Mercantil de São Paulo. E nós começamos do zero, abrindo as agências.
DINHEIRO ? Qual é a imagem pública que o Bradesco hoje tenta projetar?
CYPRIANO ? A imagem de um banco completo, que atende todo tipo de cliente.
DINHEIRO ? Diversos bancos passaram por este processo de segmentação. Mas o Bradesco ainda tem uma imagem muito popular.
CYPRIANO ? Isto mudou muito. Eu acho que o Bradesco hoje já é visto como um banco mais especializado. Antigamente, o conceito do banco era ser extremamente popular. Hoje, não. Até as campanhas publicitárias vêm mudando. Mas isso não se consegue fazer da noite para o dia.
DINHEIRO ? A seu ver, não dá mais para ver o Bradesco como o banco do ?povão? e o Itaú como o banco da classe média?
CYPRIANO ? Não. O Bradesco é o banco que tem a cara do Brasil.
DINHEIRO ? O que explica que, embora imbatível em tamanho, o Bradesco não consiga lucros tão grandes como os apresentados pelo Itaú?
CYPRIANO ? A maior rentabilidade do concorrente se deu de 1999 para cá. Foi exatamente no período em que o Bradesco mais fez aquisições. Houve investimentos grandes. Além do preço que se paga (para comprar outro banco), é preciso adequar essas instalações todas (ao padrão do Bradesco). Então, nós estamos muito satisfeitos com o lucro que estamos dando. Agora, eu acho que o banco, com as medidas que a gente tem tomado, como o enxugamento da rede e a eliminação de sobreposições de agências, reverte esta posição (de lucros inferiores aos do Itaú).
DINHEIRO ? A temporada de aquisições está encerrada?
CYPRIANO ? O mercado está muito estreito hoje em termos de aquisições. Há seis ou sete bancos estaduais que serão privatizados, e disso a gente vai participar. A venda do Banco do Estado do Ceará, por exemplo, sai ainda neste ano, e nós vamos olhar. Embora o Bradesco tenha uma rede suficiente para atender aquele Estado, esse banco interessa pelas contas dos funcionários públicos e o pagamento de fornecedores do governo. Fora isso, o mercado já está muito definido.
DINHEIRO ? Há espaço para os três primeiros bancos (Bradesco, Itaú e Unibanco) avançarem em direção aos que estão abaixo deles?
CYPRIANO ? Não acredito. Não existe hoje nenhum movimento nessa direção.