O que têm em comum artistas tão diversos e de gerações diferentes como Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes, Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz e mestres de ritmos do Vale do Paraíba, além de serem músicos que representam a longa tradição de qualidade da música brasileira? Todos participaram de projetos financiados pela fabricante de cosméticos Natura. Ocupando um espaço anteriormente exclusivo das grandes gravadoras, de financiar carreira, gravações e shows de músicos relevantes no cenário nacional, a maior empresa de produtos de beleza da América Latina tornou-se uma das principais investidoras da música brasileira. 

 

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Mônica Gregori, diretora de marketing, da Natura: “Hoje o nosso projeto

musical é o maior programa de fomento da área no País”

 

O projeto Natura Musical, inaugurado em 2005, completará na passagem para 2014 o valor de R$ 100 milhões investidos. “Ele começou como algo tímido e, por se tratar de um investimento fora do negócio principal, foi aos poucos ganhando legitimidade”, afirma Mônica Gregori, diretora de marketing da Natura, que falou com a DINHEIRO em um deck construído num dos escritórios da empresa, um espaço arborizado quase na divisa de São Paulo com Osasco. “Queremos conectar a música a tudo o que fazemos.”

 

O Natural Musical, um dos instrumentos centrais da estratégia de marketing da empresa, já tem um histórico considerável, mas nunca representou tanto para a companhia quanto em 2013. Até o ano passado, ele financiou mais de 200 iniciativas e atingiu 800 mil pessoas, entre ouvintes de CDs e espectadores de show. Neste ano, porém, o Natura Musical tomou uma proporção maior. São 43 projetos em circulação (42% acima do número do ano passado), 111 shows e dois festivais, o que deve movimentar em torno de R$ 20 milhões.

 

“Como em qualquer empresa, há sempre uma negociação para conseguir os recursos”, diz Mônica. “Mas, hoje, o Natura Musical já tem um espaço garantido em nossa verba de marketing. Ele traz resultados de marca e visibilidade, o que justifica o investimento.” Mas nem tudo são belas melodias para a empresa paulista. Após o anúncio dos resultados do terceiro trimestre, considerados abaixo das expectativas por analistas e investidores, foram levantadas questões relacionadas aos seus gastos. 

 

A Natura, companhia listada na Bovespa, elevou a previsão de investimentos para este ano de R$ 450 milhões para R$ 550 milhões, o que pressionou a rentabilidade. Dessa forma, o lucro teve uma redução de 22,6% no terceiro trimestre, em comparação com o mesmo período do ano passado. O principal vilão para os analistas de bancos de investimentos foram as verbas de marketing. “A margem de rentabilidade caiu devido a atividades promocionais e gastos com marketing voltados para revigorar o crescimento e promover o lançamento de produtos, como a nova linha Sou”, divulgou o Credit Suisse, em seu relatório sobre a empresa. 

 

“O fluxo de caixa provavelmente continuará pressionado enquanto a companhia precisa ampliar os gastos para enfrentar a competição crescente”, escreveu o analista Fabio Monteiro, do BTG Pactual. Rivais como Avon, O Boticário e Jequiti Cosméticos têm investido pesado para roubar mercado da Natura, líder do setor, com 20,8% de participação. Sob pressão, a verba de marketing deve passar por um pente-fino no futuro. Entre as mais importantes iniciativas musicais planejadas para 2014, estão a expansão para outras cidades do festival Natura Musical, que reuniu neste ano 45 mil pessoas, em Belo Horizonte – com shows de Caetano Veloso e Paulinho da Viola. 

 

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São Paulo é uma das favoritas a sediar o festival. A empresa também será patrona do novo Museu da Imagem do Som, que deverá ser aberto, no fim de 2014, em Copacabana, no Rio de Janeiro, cujo teatro será batizado com a marca Natura. Todos os investimentos em música feitos pela empresa são divididos entre 58% de dinheiro próprio e 42% de recursos ligados a incentivos fiscais, por meio da Lei Rouanet. “Hoje arrisco dizer que é o maior programa de fomento da música brasileira”, diz Mônica. “Ele coincidiu com um momento frágil da indústria musical.”

 

De fato, se o projeto tivesse sido lançado alguns anos antes, talvez não tivesse o mesmo impacto. A empresa conseguiu ocupar um espaço deixado vago pelas gravadoras tradicionais, que tinham no passado o papel de apostar em músicos novos e apoiar projetos mais ambiciosos e experimentais, ao mesmo tempo em que lucravam com os artistas de mais sucesso nas paradas. Mas isso se tornou um luxo depois que o setor passou por um encolhimento em todo o mundo, afetado pela popularização da música pela internet.

 

Em 2003, o mercado fonográfico nacional movimentava R$ 601 milhões. No ano passado, ele ficou em R$ 392,8 milhões. “As gravadoras eram muito poderosas, mas agora até mesmo grandes organizações, como WEA, Ariola e Polygram, desapareceram. Hoje não tem mais no mercado quem arrisque”, afirma o cantor Ney Matogrosso, contratado da gravadora Universal. “A Natura ajudou muito para iniciar o meu projeto de comemoração de 40 anos de carreira.” Com o dinheiro mais curto, as grandes gravadoras, atualmente consolidadas em poucos grupos, passaram a arriscar apenas os tiros certeiros. 

 

Nos rankings dos 20 CDs e dos 20 DVDs mais vendidos do Brasil, em 2012, aparecem apenas três empresas (Universal, Sony e Som Livre, da Globo) e uma lista de artistas que representa bem o foco exclusivo delas nos medalhões. A Sony conseguiu a maior parte de sua receita, em 2012, com lançamentos de Roberto Carlos e Padre Marcelo Rossi. A Universal apostou em Paula Fernandes e Maria Rita. Já a Som Livre tem em seu catálogo Luan Santana, Thiaguinho, Jorge & Mateus e Xuxa. 

 

Fora dessa lista ultrapopular, os artistas independentes têm poucas opções para realizar seus sonhos de sucesso. “A ajuda da Natura me permitiu fazer dois discos caros, que eu não teria condições de pagar sozinho”, diz o músico paulistano Marcelo Jeneci, que lançou neste mês o seu segundo álbum, chamado “De Graça” e disponível na internet. Para a empresa, é importante que as boas vibrações musicais que têm trazido ao cenário artístico nacional retornem sob forma de cada vez mais vendas dos cosméticos que produz.

 

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