10/09/2003 - 7:00
Como ele nada sabia fazer, poderia fazer qualquer coisa. Aos 18 anos, Frank Wlasek encarou um teste vocacional para descobrir os rumos que tomaria na vida. Exigência do pai, que lhe dera uma educação esmerada ? os melhores colégios, cursos de italiano, inglês, francês e espanhol. O resultado foi desastroso. ?Eu não servia para nada?, diverte-se. ?Em todas as provas de habilidade, meu resultado foi de mediano para baixo.? Com as portas das profissões fechadas, Wlasek partiu para a carreira solo. Foi empresário têxtil, empreiteiro, fabricante de estacas de concreto, dono de empresa de piscinas. Mas (desculpe o trocadilho) encontrou realmente seu porto seguro em alto-mar. Hoje, aos 55 anos, Wlasek, neto de austríacos nascido em Campinas (SP), controla uma das maiores empresas de navegação do País, a Metalnave. De quebra, é dono de um estaleiro em franca expansão, o Itajaí. O patrimônio de seu grupo atinge R$ 745 milhões. Por ano, as receitas somam R$ 235 milhões. Na carteira de pedidos do estaleiro, há encomendas de
US$ 250 milhões para a construção de nove navios. Outras quatro embarcações estão sendo negociadas no valor de US$ 110 milhões.
Wlasek lançou mão da mesma fórmula. Arrematou empresas na bacia das almas e colocou-as no caminho do crescimento. O Estaleiro Itajaí, por exemplo, tinha 40 funcionários e 400 ações trabalhistas. Hoje, trabalham ali quase 1,5 mil operários. Seja pela pujança de seus negócios, seja pelo estilo de vida cercado de glamour, Wlasek é visto entre seus pares como uma espécie de Onassis brasileiro.
Agora, ele zarpa rumo a novos mares. Com a Metalnave Yatchs, se lançará em um dos mercados mais sofisticados do mundo dos negócios, o dos megaiates. São embarcações requintadas com mais de 150 pés de comprimento e valores superiores a US$ 10 milhões. Esses ?palacetes flutuantes? devem ser tão estáveis que permitam ?um jogo de sinuca a bordo sem contratempos?. Não mais de 50 dessas embarcações são vendidas no mundo a cada ano. É um ambiente no qual Wlasek mexe-se com desenvoltura. Seu estilo de vida confunde-se com o dos clientes potenciais. O Audi A8 blindado em que circula pelas ruas do Rio de Janeiro é permanentemente acompanhado por um outro veículo com dois seguranças. Os deslocamentos entre o escritório e a casa cinematográfica na Estrada da Gávea, um dos pontos mais nobres do Rio, são feitos em um helicóptero particular. Os ternos impecavelmente cortados sob medida carregam etiquetas de ateliês italianos. ?Quando quero algo mais informal uso Emernegildo Zegna?, esnoba. Camisas, só de punhos duplos com abotoaduras. ?Elas acompanham o corte do paletó, e só assim há um conjunto harmônico?, diz. ?Não uso punhos com botão.? Os lenços de seda, displicentemente colocados no bolso superior do paletó, combinam com as gravatas Hèrmes, de estampas discretas e clássicas. ?Não compro gravatas há anos?, conta. ?O que importa não é a moda, é o estilo.? O ambiente de trabalho acompanha esse ritmo. A Metalnave opera em dois andares em um edifício no centro do Rio. Um deles, bem arrumado, é um escritório tradicional. O outro funciona como um clube de negócios, onde clientes vips são recebidos. Os salões de visitas e as salas de reunião são decorados com móveis coloniais e tapetes persas. Além de pinturas clássicas, aquarelas de Antônio de Orleans e Bragança, descendente da família real brasileira, cobrem as paredes do ambiente.
Seja pelo estilo de vida, seja por dever de ofício (o que é mais provável), a agenda de Wlasek guarda nomes vistosos. O do Príncipe Albert, de Mônaco, é um deles. Os dois se encontram anualmente no Le Monaco Yacht Show, a feira náutica realizada no pequeno principado europeu. Por ali, Wlasek também se depara com outro de seus colegas, o francês Jean-Michel Costeau, filho do lendário oceanógrafo Jacques Costeau. ?Sempre tomamos uns drinques juntos?, diz Wlasek. Nessas ocasiões, as conversas com Mikail Gorbachev, outro de seus conhecidos, escorrem para a política internacional. ?Colho informações preciosas para planejar meus negócios?, conta. ?Conversar é meu principal instrumento de trabalho.?
Em julho passado, Wlasek utilizou essa habilidade para sair de um sufoco. O navio Metaltanque VI, construído no Estaleiro Itajaí para formar na frota da Metalnave, seria lançado ao mar. A primeira dama Marisa Letícia da Silva batizaria a embarcação. Tudo montado, convidados acomodados, e a comitiva presidencial atrasada duas horas. Foi quando um representante do cerimonial veio em direção a Wlasek com um celular na mão. ?O presidente quer falar com o senhor?, disse o funcionário. ?Um frio percorreu minha espinha?, recorda Wlasek. Do outro lado da linha, Lula explicava por que talvez não comparecesse ao evento. Wlasek abriu o discurso. ?Presidente, este é um momento histórico. Com ele estamos reiniciando a história da indústria naval no Brasil. O senhor não pode deixar de participar, pois é parte integrante desse esforço…?. E foi por aí. Duas horas depois, o casal presidencial desembarcava em Itajaí.
A mesma voz que afaga convidados e personalidades pode ser dura na hora de gerenciar suas empresas. ?Ele é implacável nas negociações?, diz o executivo de um de seus principais clientes. ?Não abre mão de prazos ou valores. O risco é um dia aparecer um concorrente com sua estrutura.? Wlasek não desmente. As faturas dos serviços de seus 21 rebocadores de navios nos portos brasileiros são enviadas no dia seguinte. Em no máximo 10 dias devem ser quitadas. ?Eles me pedem 30 dias, mas não dou?, afirma.
Não se trata de chatice, mas da própria sobrevivência do negócio ? um negócio que necessita de um fluxo de caixa constante como uma pessoa precisa de oxigênio. ?É o melhor negócio do mundo?, diz Wlasek. Pode ser hoje, mas no passado….. Em 1977, Wlasek tinha uma pequena construtora em São Paulo especializada em obras públicas. As verbas oficiais emitiam os primeiros sinais de esgotamento, quando surgiu a oportunidade de compra de uma empresa de navegação. Estava quebrada. Wlasek visitou cada um dos credores e comprou os créditos. Na Justiça conseguiu resgatar o passivo trabalhista. A primeira idéia era adquirir os ativos, recuperá-los e revendê-los, colhendo um bom lucro na intermediação. ?Mas logo nas primeiras semanas descobri que a geração de caixa era contínua e farta?, conta Wlasek. Descobriu também que não existe atividade portuária sem rebocadores e que o risco de inadimplência é baixíssimo. Ou seja, uma máquina de fazer dinheiro.
Com o próprio dinheiro gerado pela empresa, Wlasek renovou e ampliou a frota. O número de rebocadores subiu para 21 e estão presentes em todos os portos brasileiros, da Bahia para baixo. O dinheiro entrava em abundância no caixa e Wlasek partiu para outro negócio. Em um leilão da Petrobras, arrematou como sucata dois navios para transporte de gases industriais. Ambos foram recuperados. Atualmente são seis. ?O segredo é evitar o transporte de commodities, como grãos?, revela. ?O transporte de gás agrega valor ao negócio.? A Metalnave tornou-se responsável pelo transporte marítimo de duas gigantes do setor petroquímico do País, a Braskem e a Dow Química. Nos últimos anos, estendeu suas rotas para os demais países do Mercosul. Em alguns meses, zarpará para a Europa, levando produtos da Braskem. Wlasek ainda tem um olho voltado para o mercado de gás natural. ?O consumo no Brasil cresce ano a ano, e alguém terá de transportá-lo ao longo da costa?, candidata-se. Em outra frente, Wlasek tem conversado muito com um irlandês chamado Tom O?Malley. Trata-se de um dos maiores armadores de pesca da Europa e Wlasek tenta convencê-lo a atuar em mares brasileiros. E quem construiria os barcos necessários para o trabalho? O estaleiro Itajaí, pelo menos nos planos de Wlasek.
O futuro está desenhado para suas duas empresas. Ou quase. Há um capítulo que preocupa, e muito, o empresário. É a sucessão no comando dos negócios. Comente-se o assunto e Wlasek perde a habitual eloqüência. Sua voz torna-se mais grave e as frases saem truncadas. ?Realmente não tenho com quem dividir muitas decisões?, conta. A aposta de Wlasek é Tatiana, uma de suas três filhas. Aos 20 anos, ela estuda comunicação social na New York University, depois de passar uma temporada em Firenze. Mas aos poucos se envolve nos negócios paternos e se tornou uma companhia constante nos grandes eventos voltados para esportes náuticos, como o Le Monaco Yacht Show. A proximidade com personalidades e famosos é vista por ela com algum deslumbramento e muito pragmatismo. ?No fundo, o que está por trás de tudo aquilo são os negócios?, comenta ela. ?Nosso objetivo é desenvolver continuamente as empresas.? Pode demorar um pouco, mas parece que Wlasek encontrou alguém com quem dividir o comando.