03/11/2000 - 8:00
Nos últimos 22 meses, a moeda da União Européia, o euro, vem sofrendo baixa após baixa frente ao dólar. Acumula, desde janeiro de 1999, quando foi lançada, uma depreciação de 28% em relação à moeda americana, numa desvalorização dramática que está afetando de forma profunda a competitividade dos 11 países da União. Até a semana passada, imaginava-se que havia algo intrinsicamente errado com a moeda, com a economia européia ou com o presidente do Banco Central Europeu, o holandês falastrão Wim Duisenberg. Nos últimos dias, porém, começou a emergir entre analistas do mundo todo a sensação de que não é o euro, ou o iene ou o real que tem problemas. O problema é o dólar. Ou, melhor dizendo, o Superdólar de Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve. A moeda americana está supervalorizada por uma economia que cresce firme há 10 anos, que duplicou a sua produtividade e que constitui um porto mais que seguro para investimentos. Primeiro, em ativos reais, como empresas, imóveis e ações. Mais recentemente, com a elevação dos juros para 6,5% ao ano, contra 4,75% na Europa, também os papéis do Tesouro tornaram-se irresistíveis. Resultado: os EUA converteram-se em um pólo magnético de atração de poupança, que, convertida em dólar, fortalece ainda mais a moeda americana. E, no mesmo movimento, enfraquece as demais moedas. ?O dólar só esteve mais valorizado na década de 80, quando Paul Volker, à frente do FED, impôs taxas de juros de dois dígitos?, compara Simão Silber, professor de Economia da USP.
Com a iminência da eleição americana, neste dia 7 de novembro, construiu-se a teoria de que o dólar estaria sendo inflado artificialmente para influenciar o pleito, e que cairia tão logo emergisse o novo presidente. A verdade está longe de ser tão simples. ?A política cambial americana não é assim?, afirma o economista Paulo Nogueira Batista. Uma pista de como é essa política cambial foi dada na semana passada, dia 31, por Larry Summers, secretário do Tesouro americano. Pressionado por Duisemberg a tomar medidas que enfraquecessem o dólar ? como a elevação de impostos, que esfriariam o consumo americano ? ele respondeu que ?um dólar forte é do interesse dos Estados Unidos?. Aparentemente, não. Com a moeda forte, os americanos estão importando de tudo, barato, e fabricando um déficit comercial que vai somar mais de US$ 300 bilhões este ano. É quase um bilhão de dólares por dia em excesso de consumo. Por esse ponto de vista, um dólar mais fraco equacionaria parte das contas externas do País. Mas há o outro lado. Somente no mês de agosto, cerca de US$ 39 bilhões voaram da Europa para os Estados Unidos, em investimentos diretos. O mercado dos EUA é do tamanho da zona do euro, e cresce muito mais rápido. O capital europeu imigrado financia o déficit americano e estimula a economia, em um processo similar ao que acontece aqui. O Brasil precisa captar US$ 30 bilhões para fechar seu déficit em conta corrente. Os americanos, US$ 300 bilhões. Lá, como aqui, o governo está feliz em fechar as contas e não quer procurar complicações. Outro fator que inibe a ação de Summers é a abertura e a desregulamentação do setor financeiro. O preço do dólar é ditado pelo mercado em sua lei mais simples, oferta e procura. Como todo o mundo empresarial está atrás de dólares para investir nos EUA, o preço da moeda sobe ? e o Tesouro não emite mais papel porque tem medo da inflação.
A esperança de enfraquecimento do dólar, e de trégua correspondente para as demais moedas, está no esperado soft landing ? o esfriamento progressivo e controlado da economia americana, que levaria à redução das taxas de juros e à drenagem do fluxo de investimentos para o país. Mas os sinais emitidos pelas estatísticas econômicas dos EUA ainda são dúbios. O último registro de PIB trimestral indicou um crescimento anual de 2,7%, elevado mas muito inferior ao número anterior de 5,3% de crescimento. Mas áreas vitais, como setor imobiliário, continuam crescendo ao ritmo de 9% ao ano. Especialistas como José Antonio Pena, economista-chefe do BankBoston, torcem para que a economia americana esteja em níveis mais moderados de atividade em algum momento do próximo ano. ?Isso provocaria uma desvalorização pequena da moeda americana, que seria muito benéfica para o Brasil?, diz Pena. Se o dólar cair em relação ao euro, o poder de compra da Europa crescerá, beneficiando fornecedores brasileiros. No momento, a moeda brasileira está fraca frente ao dólar ? a cotação está próxima de R$ 1,90 ?, mas forte demais diante do euro ? que pode ser comprado por R$ 1,64. Como a Europa é o principal mercado de exportação brasileiro, essa situação não interessa ao País.
Colaborou Duda Teixeira